"A Excêntrica Família de Gaspard" fica preso a estrutura convencional
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"A Excêntrica Família de Gaspard" fica preso a estrutura convencional

Filmes sobre núcleos familiares existem aos montes, em todas as culturas. Mas é curioso notar que, com o tempo, o Cinema Francês acabou se especializando nesse tipo de narrativa, expandindo-o para um legítimo subgênero.


No caso de A Excêntrica Família de Gaspard (ou Gaspard va au Marriage, no original), a trama se apresenta como uma espécie de mistura improvável entre Compramos um Zoológico, Os Excêntricos Tenenbaums e, em menor grau, Entrando Numa Fria Maior Ainda. A história é contada a partir do olhar de Gaspard (Félix Moati, competente), um sujeito de 25 anos que embarca numa viagem de trem para comparecer ao segundo casamento de seu pai, esperando encontrar sua família depois de longos anos de afastamento. Durante o trajeto, Gaspard conhece a intensa Laura (Laetitia Dosch, excelente), a quem convida para acompanhá-lo na cerimônia.


Quando Gaspard e Laura chegam ao local, o espectador descobre que a família do rapaz passa longe do convencional, pois vive da administração de um zoológico. Não só isso, os membros, além de misturarem a vida particular com o cotidiano do zoo, são bem peculiares, como o caso da irmã de Gaspard, que acredita ser uma ursa.


O diretor Antony Cordier (do fraco Para Poucos) cria uma atmosfera deliciosa que propicia uma interação saudável entre os personagens sem soar artificial. Além disso para reforçar a intimidade entre os familiares (em especial Gaspard e sua irmã), o roteiro, também de autoria de Cordier, investe pesadamente em sequências de nu, com os personagens tomando banho juntos ou caminhando sem toalha pela casa. Esses momentos, vale destacar, não soam gratuitos e comprovam a competência de Cordier, que dilui o impacto dos nus frontais ao jamais deixar de tratá-los como algo corriqueiro.


Esse clima perdura todo o filme, mostrando a afinidade (e a coragem) do elenco. Gaspard, por exemplo, é interpretado por Félix Moati com um ar de despretensão, nos ajudando a entender sua relação com os familiares, que insistem em vê-lo como a criança dos tempos em que ainda moravam juntos. Mesmo descontente com esse tratamento, Gaspard está sempre com um sorriso estampado no rosto e em nenhum momento, sequer, levanta a voz para alguém, méritos de Moati, que entende que o amor de Gaspard por sua família é maior do que seu orgulho.


Do elenco de apoio, Laura (Laetitia Dosch) encarna com facilidade o papel de espírito livre, aquele tipo de jovem que não tem papas na língua e quando decide realizar algo, dedica-se de corpo e alma. E cabe um elogio especial à química entre Dosch e Moati, que convertem o casal no elemento mais simpático do filme.


Já Coline é vivida por uma Christa Théret (do ótimo Vidas Duplas) que embarca sem reservas em sua jornada insana: vestindo uma pele de urso negro 24 horas por dia, Coline parece ter encarado de forma pouco sã a administração do zoológico. Com direito a hibernações (literalmente) e grunhidos quando ameaçada, ela realmente acredita ser uma ursa, mas graças à inteligência do script, jamais é retratada como maluca. Mais que isso, Coline é uma jovem rebelde e cujos traumas da infância são explorados com delicadeza. E o bom trabalho de Théret pode ser constatado no olhar sempre juvenil que acompanha a moça em suas atitudes.


Incorporando temas exaustivamente explorados por obras semelhantes, A Excêntrica Família de Gaspard parece amarrado demais às convenções do gênero, apresentando personagens únicos e multifacetados num universo já desgastado por anos de exploração cinematográfica. Porém, no final das contas, o saldo permanece positivo, em virtude das boas performances de seu elenco, que confere honestidade às interações vistas na tela.


Graças às peculiaridades de seus personagens, A Excêntrica Família de Gaspard acaba soando muito mais interessante do que a história que se dispõe a contar, rendo boas gargalhadas e um bem-vindo escapismo aos espectadores menos exigentes.


NOTA 6


Crítica originalmente publicada durante o Festival do Rio 2018

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