"A Luta de uma Vida" e o peso esmagador que uma escolha pode ter
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"A Luta de uma Vida" e o peso esmagador que uma escolha pode ter

Com um início de carreira avassalador, imediatamente caindo nas graças do público e da crítica, o cineasta Barry Levinson emplacou Bom Dia, Vietnã em 1987, Rain Man em 1989 (pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Diretor) e Bugsy em 1991, mas teve dificuldades para manter o alto nível nos anos seguintes, quando se viu seduzido por produções mais comerciais como Assédio Sexual (1994) e Esfera (1998). E o cenário ficou ainda mais nebuloso na década seguinte, quando entrou numa fase irregular ao assinar obras distintas como os bons Vida Bandida (2001) e A Inveja Mata (2004), mas também os fracos Candidato Aloprado (2006) e Fora de Controle (2008).

A carreira de Levinson finalmente se reergueu quando o cineasta firmou uma parceria com a HBO, o que rendeu obras elogiáveis como Você Não Conhece o Jack (2010) e O Mago das Mentiras (2017). Ainda que não tenha se afastado do Cinema, se consolidou na TV, tendo produzido e dirigido uma infinidade de séries, entre elas Dopesick (para a concorrente Hulu), que concorre ao Emmy esse ano. E após flertar com uma volta por cima em O Último Ato em 2014, Levinson mantém a boa fase ao lançar este The Survivor, produção da HBO que chega aos cinemas brasileiros neste final de semana sob o título A Luta de Uma Vida.

Contando com um elenco talentoso encabeçado por Ben Foster (Contrato Perigoso), Vicky Krieps (Tempo), John Leguizamo (Encanto), Peter Sarsgaard (Batman) e Danny DeVito (Jumanji: Próxima Fase), o filme narra a história de Harry Haft (Foster), boxeador polonês que durante o período em que ficou preso num campo de concentração, foi obrigado a lutar contra outros judeus para sobreviver e manter acesa a chama da esperança de reencontrar seu grande amor. Com o término da Segunda Guerra Mundial, Haft se muda para os Estados Unidos, mas o sentimento de culpa e suas memórias o impedem de atingir a grandeza no esporte.

A roteirista Justine Juel Gillmer (estreando no Cinema) logo de cara informa que a história se baseia nas memórias de Haft, que foi de “O Orgulho da Polônia” a “Sobrevivente do Holocausto” em pouco tempo. Para contar sua trajetória, Gillmer fragmenta o roteiro em três linhas temporais: a principal tem início na década de 40, acompanhando Haft em sua jornada repleta de altos e baixos como boxeador; a secundária, mais avançada, mostra o polonês, já envelhecido, caminhando numa praia enquanto reflete sobre sua vida, especialmente o período em que viveu num campo de concentração e que o atormentaria para sempre, como fica evidente na terceira e última frente narrativa ilustrada por flashbacks em preto e branco.

Vivido por Ben Foster sob pesada maquiagem, Haft é um homem de modos comedidos: quase sempre olhando para baixo e falando em tom sereno, ele é incapaz de esconder as cicatrizes da guerra. Ator cujo talento nunca foi plenamente reconhecido, Foster oferece uma interpretação sensível marcada pela entrega absoluta. Afinal, ele perdeu quase 30 quilos para encarnar Haft em sua fase como prisioneiro e ganhou mais de 20 quilos de massa muscular para retratá-lo como boxeador. O resultado é uma performance que chama atenção pela fisicalidade, mas que merece fartos elogios por seu alcance dramático.

Do elenco de apoio destacam-se o sempre excelente John Leguizamo, como o treinador de Haft e uma ponta marcante de Danny DeVito, que aproveita o pouco tempo de tela para construir um personagem fascinante, que também sofreu por ser judeu. Já Billy Magnussen, um intérprete que já mostrou limitações até mesmo em filmes pouco exigentes como A Origem do Dragão e o recente 007 – Sem Tempo Para Morrer, surge opaco na pele de um oficial nazista, não fazendo muito mais do que ostentar um sorriso em seu rosto pouco expressivo.

Tecnicamente, por outro lado, A Luta de Uma Vida merece créditos não apenas pela ambientação fidedigna, mas também pela excepcional iluminação. Méritos também para a fotografia de George Steel (da série Sandman). Já Barry Levinson conduz a trama com alguma elegância, adotando movimentos de câmera que só abandonam a fluidez durante as burocráticas sequências de luta. Enquanto isso, o compositor Hans Zimmer (que esse ano já assinou a extraordinária trilha de Top Gun: Maverick) apresenta um de seus trabalhos mais discretos.

Potente em seu discurso sobre o ódio ser uma característica inerente ao Homem, A Luta de Uma Vida também é corajoso ao abordar as escolhas feitas por Harry Haft, estimulando um debate desafiador. “Escolhas feitas quando se está faminto” e “só porque escolhi ser o martelo, não significa que gosto de bater no prego” são só alguns exemplos dos ótimos diálogos que ilustram o embate de ideias entre Haft e o oficial nazista vivido por Billy Magnussen. Além disso, ao relacionar o holocausto com o massacre de indígenas pelas mãos de estadunidenses, a produção novamente merece ter sua coragem ressaltada.

Embora escorregue em seus planos finais ao mastigar para o público uma resolução que havia sido transmitida com requinte logo antes, A Luta de Uma Vida oferece uma experiência que busca o tempo todo tirar o espectador de sua zona de conforto moral através de um personagem que recebeu mais golpes da vida do que de seus oponentes no ringue.


NOTA 7


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