'Amores à Parte' aborda o divórcio com bom humor e inteligência
- Guilherme Cândido
- 19 de ago.
- 3 min de leitura

Em meio a tantas comédias românticas descartáveis entulhadas no streaming e o retorno do tipo de besteirol que costumava fazer sucesso entre o final dos anos 90 e o início do milênio, Amores à Parte chega aos cinemas pela contramão de uma Indústria cada vez mais convicta da idiotização de seu público. Se Que Horas Eu Te Pego? (2023) e Todos Menos Você (2024) representam um retrocesso, desta vez estamos perante um oásis de inteligência num deserto de mediocridade. Não que os filmes citados sejam bombas indesculpáveis, pois há um compreensível charme em ver (bons) atores atraentes exalando química de vez em quando. Mas o que Splitsville (no original) faz de melhor, além de provocar gargalhadas genuínas, é se negar a subestimar a inteligência de seu público.
Michael Angelo Covino dirige e estrela ao lado do roteirista Kyle Marvin o tipo de produção independente talhada para arrebatar as plateias de Sundance, mas os elogios que recebeu também no Festival de Cannes chancelam o talento da mesma dupla por trás do criativo e sensível A Subida (2019). Se naquele filme, Covino e Marvin esmiuçaram uma longa amizade entre dois homens, agora eles estendem o escopo para os relacionamentos amorosos. O que aconteceria se um desses amigos dormisse com a esposa do outro? Na verdade, a situação é um pouco mais complexa.

Marvin é Carey, um sujeito de bom coração que é dispensado pela esposa justamente quando ambos faziam uma viagem de carro para visitar o melhor amigo dele, o endinheirado Paul (Covino), cujo casamento com a bela Julie (Dakota Johnson, do recente Amores Materialistas) parece perfeito. O segredo para um longo e saudável matrimônio, no entanto, é revelado pelo casal como sendo a opção pelo relacionamento aberto. A falta de exclusividade é tida como um fator determinante para desconfigurar a traição, que imediatamente deixa de ser uma preocupação. Assim, num momento de vulnerabilidade, Marvin não se preocupa em resistir à tentação de dormir com Julie quando esta lhe oferece um ombro amigo. Um erro que deveria ser facilmente superado, ou assim pensava o honesto Carey poucos momentos antes de confessar o episódio a Paul, que surpreendentemente encara da pior forma possível.

O resultado representa apenas um entre os vários pontos altos da narrativa, com os amigos se engalfinhando numa longa briga dentro da luxuosa casa de veraneio de Paul, que utiliza cada (valioso) item doméstico como uma arma em potencial, numa coreografia engenhosa que remete diretamente às lutas dos filmes de Jackie Chan.

Para além da comédia, com doses bem administradas por Covino, o roteiro de Marvin se permite ir um pouco além das convenções do gênero, oferecendo um olhar sincero e sóbrio sobre os relacionamentos contemporâneos. O que desequilibra essa abordagem é a perspectiva maniqueísta do texto, que privilegia o lado de Carey e nega o contraponto de Ashley (Adria Arjona, do ótimo Assassino por Acaso), sua ex.

Embora seja divertido ver os desdobramentos do rompimento deles, Amores à Parte contraria o próprio compromisso com a honestidade ao forçar nossa torcida pelo protagonista. E se é fácil nos simpatizarmos com Carey, é porque Kyle Marvin encarna com perfeição o fracassado adorável, arquétipo tão comum em histórias desse gênero. Da mesma forma, Covino faz o canalha irresistível sem qualquer dificuldade, beneficiando-se da química que ambos exibem graças à amizade fora das telas. E se a ausência de material dramático não deixa alternativa a Arjona senão abraçar o humor, Dakota Johnson dá mais um passo para se consolidar como uma versão atualizada de Meg Ryan, interpretando outra mulher sob a pressão de um dilema.

Tratando com naturalidade tabus como nudez e sexo, Amores à Parte ainda possui algumas cartas na manga, brindando o espectador com reviravoltas que brincam com a natureza cíclica de nossas vidas (e relacionamentos), culminando num desfecho que entrega sagacidade quando todos os sinais apontavam para o clichê.
NOTA 7