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'Amores Materialistas' busca análise sem surpresas sobre relacionamentos

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 1 de ago.
  • 4 min de leitura

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"Você faz com que eu me sinta valiosa." 


Depois de se revelar ao mundo com o maduro e catártico Vidas Passadas (2023), que não só foi indicado ao Oscar de Melhor Filme como lhe rendeu também uma nomeação a Melhor Roteiro Original, a sul-coreana Celine Song pode ter pego alguns de surpresa quando anunciou Amores Materialistas como seu projeto seguinte. Um triângulo amoroso interpretado pelos atores mais quentes da Indústria e mais fotogênicos da atualidade? Retrocedemos aos anos 2000?


Song, no entanto, demonstra ser mais do que uma cineasta comodamente investida em tendências e apesar de construir e posicionar todos os ornamentos típicos de uma comédia romântica do início do milênio, ela logo puxa o tapete e joga tudo pelos ares em prol de uma trama mais propensa a debater sobre os relacionamentos numa fase mais reflexiva da vida.

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Embora Materialists, no original, comece com o pé na porta, firme em suas cínicas convicções a respeito do amor, aos poucos Song amolece o coração da mesma forma que sua protagonista, enxergando um prisma mais esperançoso e brilhante frente à racionalidade cinzenta e desalentadora de antes. Em outras palavras, a grande estreia da semana cutuca e provoca os tropos da Comédia Romântica clássica, mas no final do dia, colhe resultados semelhantes.

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Escrito e dirigido por Celine Song, o longa-metragem apresenta Lucy (Dakota Johnson), uma mulher de trinta e poucos anos extremamente bem-sucedida como “matchmaker”, uma versão moderna dos casamenteiros de antigamente. Aludindo ao título, a mulher enxerga seu ramo de trabalho como um verdadeiro negócio, no qual seus clientes são ativos presentes numa cartela de investimentos. Olhando de fora, Lucy está ajudando pessoas desconhecidas a encontrarem o par perfeito em troca de uma soma substancial de dinheiro. Por dentro, os indivíduos são apenas números, algoritmos em busca de compatibilidade.

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Tudo muda quando ela conhece Harry (Pedro Pascal), um investidor de verdade em busca do “match” perfeito. Atraente, culto, estiloso e dono de uma conta bancária voluptuosa, ele é o que os “matchmakers” chamam de Unicórnio, pois possuem uma combinação tão perfeita quanto rara. No caso de Lucy, o sujeito torna-se ainda mais especial pelo fato de compartilhar não apenas o pensamento frio sobre o amor, mas também a expectativa de um relacionamento. São apenas negócios, afinal. Ela não o deixa escapar e quem somos nós para julgá-la?

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Eis, então, que surge John (Chris Evans) outro homem ridiculamente bem apessoado, mas sem dinheiro e dividindo um apartamento minúsculo. Seu diferencial é ter um passado com Lucy, um namoro que chegou ao fim justamente pelas dificuldades financeiras do rapaz frente às ambições da moça. Ainda perseguindo a carreira de ator, mas fazendo bicos como garçom, John tem a seu favor o olhar sincero e o papo amigo, características que impedem Lucy de se concentrar no romance com Harry.

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Amores Materialistas poderia usar essa premissa para entregar um daqueles romances açucarados de fim de noite tão populares na Televisão, mas Song é inteligente o bastante para perceber que Lucy é racional demais para sucumbir a dilemas, facilitando o caminho para um estudo quase minucioso sobre relacionamentos e que é transmitido por meio de longos diálogos filmados com a secura que se espera de uma cineasta objetiva.

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Ajuda o fato destes monólogos serem recitados por atores carismáticos e talentosos, ainda mais quando são ambientados nos luxuosos interiores novaiorquinos. O compositor inglês Daniel Pemberton, conhecido pelos acordes agressivos de obras como O Agente da U.N.C.L.E. (2015) e Homem-Aranha no Aranhaverso (2018), surpreende com uma trilha incidental melódica que casa bem com as contrastantes canções escolhidas para manter a atmosfera cool do projeto desde os primeiros segundos de projeção.

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Pascal, emendando seu terceiro lançamento nos cinemas apenas esse ano, parece ter sido escalado para interpretar a si mesmo, exibindo o mesmo visual de sempre e a mesma cadência vocal. Para não dizer que o chileno oferece apenas o que dele se espera, há uma preocupação maior com a postura, o que corrobora sua composição mais contida, acertadamente evitando rompantes emotivos até nos momentos climáticos (note como ele mantém a pose mesmo acuado na cozinha).

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Para quem já frequentou o quarto vermelho de Christian Grey, é curioso ver Dakota Johnson na pele de uma celibatária voluntária, ainda que seus questionamentos acerca do marido perfeito divirtam por apontar uma conotação evolutiva. Filmes como Cha Cha Real Smooth: O Próximo Passo (2022) e principalmente The Friend (2019) mostraram que a filha de Don Johnson é capaz de atuar, portanto não me entenda mal quando digo que a moça está em território conhecido, alinhando-se tematicamente à visão de Celine Song. Johnson tem química com seus parceiros e caminha a passos largos para se tornar o símbolo desse tipo de filme. Por fim, Chris Evans, com seu costumeiro olhar de filhote carente, faz de John um personagem fácil para o qual torcer, por mais que não vá muito além do texto.

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Que, por sua vez, é afiado. “Quero estar com você por seus ativos intangíveis, não por seus bens materiais, que são baratos e não duram. Os intangíveis só ficam mais afiados, não degradam” é o tipo de fala que poderia sair de um robô, mas Song torna um diálogo palatável ao sair da boca de alguém como Pedro Pascal, que o transforma numa síntese perfeita do discurso materialista da obra. Enquanto isso, “você não é feio, só não tem dinheiro”, mostra que a sul-coreana também sabe trabalhar o humor sem perder a essência.

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Celine Song, todavia, vai além, utilizando a empresa onde trabalha Lucy como um avatar das grandes corporações. Dito isso, diante da impessoalidade de sequer tratar seus clientes pelo nome completo sob a desculpa do anonimato (Mark P. e Sophie L. soam como personagens da série Ruptura), não é de se espantar que a tal empresa não fará esforços para resolver uma crise, partindo para outra assim que a oportunidade surge no horizonte. O show deve continuar e a economia não pode parar, não é verdade?

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Da mesma forma que F1: O Filme fez de tudo para disfarçar que terminaria exatamente como seus colegas de gênero, Amores Materialistas até joga um tempero sobre o prato romântico (satisfatório) que serve, o que ameniza, mas não muda o fato de ser uma refeição cujo sabor já sabemos qual será.


NOTA 7

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