'Até o Cair da Noite' revigora noir com trama romântica complexa
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

'Até o Cair da Noite' revigora noir com trama romântica complexa


Seja por sua premissa ou pelo que sugere o pôster, Bis ans Ende der Nacht (no original) é uma produção alemã que toma goles generosos da fonte do noir: Apresenta um protagonista policial errante em um caso que se torna ainda mais complicado graças a uma femme fatale. Mas o novo filme de Christoph Hochhäusler tem ambições maiores do que simplesmente emular a narrativa dos filmes policiais influenciados pelo Expressionismo Alemão e que levaram multidões aos cinemas na década de 40.


Isso porque a trama busca adicionar camadas inesperadas ao relacionamento entre o detetive Robert (Timocin Ziegler) e Leni (Thea Ehre). O primeiro utiliza a segunda para se aproximar de Victor (Michael Sideris) um ex-DJ que agora administra um site voltado para o tráfico de drogas. Leni, por sua vez, está em condicional, sendo vigiada de perto por Robert. As coisas se tornam complexas quando fica claro para o espectador que os dois se envolveram romanticamente antes dela ser presa (justamente por causa de drogas). Mas não de um jeito tradicional.

Acontece que Leni já foi Leonard, homossexual que aceitou traficar drogas para financiar seu processo de transição para o sexo feminino, sendo preso antes de efetivamente concluí-lo. O que torna tudo ainda mais fascinante é que Robert se apaixonou por Leonard, não por Leni e considera uma traição o fato de o ex-amante ter se tornado uma mulher trans. Tanto que uma sequência marcante no segundo ato traz o policial tentando acariciar Leni e, sendo impedido de tocar sua genitália, explode. Alguns simbolismos enriquecem a narrativa, como a sequência que abre a projeção (um apartamento sendo redecorado, com móveis e pintura dando uma nova identidade a um mesmo espaço).

Diante de um conflito tão complexo, é natural que a trama investigativa fique relegada ao segundo plano, o que pode frustrar os fãs do gênero. A ação, aliás, só irrompe de fato no terceiro ato, com um breve e desajeitado tiroteio encerrando os trabalhos. Porém, o foco do roteiro escrito por Florian Plumeyer está mesmo no conturbado relacionamento entre Robert e Leni. O desejo do policial em financiar a cirurgia da amada remete a Um Dia de Cão, clássico de Sidney Lumet protagonizado por Al Pacino em 1975.

Enquanto isso, outras subtramas não atingem o mesmo grau de desenvolvimento, como o triângulo representado por Robert, Leni e Victor, cujas interações soam confusas em vários momentos (o disfarce do protagonista só dificulta as coisas nesse sentido). Não funciona a atração sugerida entre o vilão e Robert, assim como sua proximidade com Leni ocasionalmente deixa de convencer. A falta de uma exploração maior da nova identidade de Leonard (e a reverberação em seu entorno), soa frustrante, ainda que seja compreensível que os realizadores tenham optado por limitar o escopo.

Afinal, estamos diante de um neo-noir incomum, um thriller policial que incorpora questões LGBT e as explora com sucesso em sua iniciativa de trazer um relacionamento mais rico do que o habitual Policial X Femme Fatale. Lembrando o nacional Berenice Procura (2017) em alguns aspectos (especialmente os sentimentos do protagonista), Até o Cair da Noite é uma experiência peculiar e que renova o fôlego de um subgênero quase centenário.


NOTA 7


Crítica publicada durante o Festival do Rio 2023

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