"Black Tea" fracassa como romance e exagera na afetação dramática
*Filme visto durante o Festival do Rio 2024
Integrando a mostra competitiva do mais recente Festival de Berlim, assim como Gloria!, Black Tea – O Aroma do Amor, novo longa-metragem de Abderrahmane Sissako, nem de longe lembra o brilhantismo de Timbuktu, trabalho anterior do cineasta mauritano e que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2014.
Apesar de bem construído visualmente, graças não somente à fotografia saturada de Aymerick Pilarski (A Grande Muralha), mas também ao design de produção de Véronique Sacrez (Amor Eterno) – que criam imagens harmoniosas através da combinação de cores como vermelho (normalmente lanternas), dourado e marrom, a produção apresenta um casal que falha miseravelmente no requisito básico para qualquer romance cinematográfico: torcer para ficarem juntos.
Interpretando uma marfinense que se muda para a China em busca de uma vida melhor, Nina Melo (Faces de Uma Mulher) até tenta criar uma protagonista forte e simpática, mas esbarra em diálogos que só fragilizam a personagem, seja pelo tom ridículo com que se gaba do fato de estar saindo com um habitante local (“meu homem é chinês”), ou pelo embate contraditório que tem com uma amiga “se não é feliz aqui, volte para o lugar de onde veio!”.
E afinal de contas, o que diabos Nina vê em Cal (Han Cheng, de Um Dia de Verão), sujeito que até chega a despertar curiosidade no início, especialmente na sequência onde explica a liturgia do chá, sua maior paixão, mas depois se revela extremamente entediante, refletindo o tom pretensioso do roteiro. O cidadão simplesmente tem a mania de falar em tom solene, como se estivesse declamando um poema ao invés de conversando. E suas “pérolas de sabedoria” soam como frases retiradas de palestras motivacionais, algo piorado pela importância incutida em suas inflexões (“não se arrependa do passado e nem se preocupe com o futuro! Viver é coexistir entre passado e futuro”). Não bastasse o fato de ser um chato de galocha, o homem, tão seguro em suas palavras e posando de sábio, estranhamente se cala diante do ex-sogro quando este vocifera atrocidades de cunho racista na presença de Nina. Ao que parece, idade não é garantia de sabedoria...
Mas a direção também perde o foco ao se dispersar entre vários coadjuvantes, soando prolixa e perdendo o ritmo ao dar espaço para personagens que jamais fazem jus ao tempo de tela que recebem. Para piorar, o roteiro coescrito por Abderrahmane Sissako e Kessen Tall (parceiros também em Timbuktu, por incrível que pareça) escorrega em diálogos expositivos (“essa era a frase mais dita pelo seu melhor amigo antes de se mudar para o México”) e ainda é prejudicado pela trilha sonora do israelense Armand Amar (O Concerto), que tenta guiar as emoções do espectador ao sublinhar a atmosfera de cada cena.
Por fim, há uma sequência (puramente novelesca) em que é possível resumir Black Tea - O Aroma do Amor, um fracasso narrativo de grandes proporções: em determinado momento, o filho de Cal, interpretado por Michael Cheng, o flagra num instante íntimo com Nina. Cheng caminha até receber o foco da câmera (quase é possível sentir quando ele pisa na marcação), faz uma expressão de choque e sai de cena. É um momento breve, mas tão mecânico em sua encenação e tão rasteiro no conflito que busca criar, que serve como um espelho para todo o longa-metragem em si.
NOTA 3
Parabéns pela crítica