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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Cínico e ácido, "O Menu" oferece experiência imprevisível


Na filosofia do grego Epicuro (341 a.C. – 271 a.C.), chamado de “O Profeta do Prazer” e “O Apóstolo da Amizade”, é um dever do homem tornar a vida presente a melhor possível. E o melhor tipo de vida é o de prazer, não qualquer um, mas um refinado. Em outras palavras, a doutrina epicurista, enraizada no Hedonismo, é o estilo de vida que adota o prazer como o principal meio de obter a felicidade humana.


Nesse contexto, somos apresentados a Tyler (Nicholas Hoult, o Fera dos últimos X-Men), um sujeito tão apaixonado pela alta gastronomia que é capaz de repreender Margot (Anya Taylor-Joy, de O Homem do Norte), por estar fumando. Não pelo fato de o cigarro fazer mal à saúde, mas sim porque “anestesia as papilas gustativas”. Ela, claro, não entende o fascínio dele por Julian Slowik (Ralph Fiennes, o M do 007 com Daniel Craig), Chef prestigiado que marca presença em reality shows e comanda o Hawthorne, um restaurante tão remoto quanto requisitado. Tão requisitado, que faz um gourmet como Tyler desembolsar alegremente os $ 1.250 cobrados pela experiência gastronômica oferecida por Slowik.

O problema é que especificamente na noite em que Tyler resolve jantar no tal restaurante, o Chef está apresentando um novo menu, especialmente concebido para sua seleta clientela, composta por 12 pessoas pomposamente transportadas pelo barco do Hawthorne que, como não poderia deixar de ser, fica localizado numa pequena ilha não identificada. A partir do momento que nos damos conta de quem (ou de que tipo de classe social) poderia realmente se dar ao luxo de pagar tão caro por um jantar, percebemos que os clientes tem muito mais em comum entre si do que se imagina e Slowik possui uma carta na manga para cada um deles.

Escrito por Seth Reiss (veterano dos programas de variedades estadunidenses) e Will Tracy (da premiadíssima série Succession), o filme é inteiramente estruturado em cima dos pratos concebidos por Slowik, ganhando cartelas espirituosas que emulam o linguajar típico dos cardápios. A irreverência presente nas legendas é sentida também nos diálogos, que abusam da acidez, mas sem perder a elegância. No subtexto, fica evidente o asco sentido pela produção em relação à alta sociedade, vista pelo Chef como seres desprezíveis e dignos de uma vingança bem articulada.

Vivido por um Ralph Fiennes completamente confortável ao assumir uma postura refinada e de fala firme (características já emuladas por ele no ótimo O Grande Hotel Budapeste), O Chef Slowik é um sujeito que claramente usa a faceta de homem sereno para esconder suas intenções maquiavélicas. Orgulhoso de seu trabalho, ele se entrega a longas apresentações antes de servir suas criações, mesmo estando diante de figuras que obviamente despreza. Nesse ponto, o clima bélico entre Slowik e Margot reflete uma situação não prevista apesar do tempo considerável de preparação. Ela, como ele, veio de baixo e está alheia ao cotidiano de privilégios que marca a rotina da maioria de seus clientes.

Intérprete talentosa que vem aproveitando cada oportunidade que ganha em Hollywood, Taylor-Joy é hábil ao transmitir o desinteresse de Margot pelo evento gastronômico, divertindo com tiradas que reforçam o abismo de diferenças que a separam de Tyler, que por sua vez é encarnado por Nicholas Hoult como um jovem fotogênico que aparenta levar uma vida próspera, beneficiando-se de uma composição que arranca boas gargalhadas por ilustrar o patético pedantismo do rapaz, quebrado apenas nas interações com o ídolo.

Inteligente, o roteiro cria situações para que os próprios personagens revelem suas características, presenteando o espectador com alguns dos melhores e mais cínicos diálogos do ano, muitos articulados como críticas sutis a figuras que orbitam a indústria, como atores e empresários. Sobra até mesmo para a Crítica, encarada pelos roteiristas como armas poderosas capazes de destruírem carreiras. Entretanto, a relevância da crítica vivida por Janet McTeer (da série Ozark) é uma forma solene de respeitar essa classe, cuja importância na vida de Slowik é transmitida através dos vários recortes de jornais guardados pelo Chef.

Num mundo globalizado onde o acesso à informação tornou-se absolutamente democrático, chancelando a banalização da Crítica, diluída em canais do YouTube desprovidos de conhecimentos teórico e técnico (qualquer um pode fazer um vídeo chamando uma opinião de análise), é cristalina e poderosa a cutucada que O Menu dá nos famigerados influencers e “produtores de reviews”, que abundam redes sociais e plataformas vociferando termos e linguagens que, na prática, não compreendem, contribuindo para a formação de um público cada vez menos instruído. E a sequência com Tyler sendo convidado a preparar uma refeição é a forma encontrada pelo filme de “se vingar”.

Dotado de um saboroso humor negro, O Menu é uma experiência singular e imprevisível, que provoca reflexões elaboradas na base do deboche sem jamais se levar a sério, apontando o dedo para o pedantismo afetado enquanto ri do próprio cinismo.


NOTA 8

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