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CRÍTICA | "Bom Menino"

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 13 minutos
  • 3 min de leitura

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É particularmente difícil não estabelecer paralelos entre Presença, lançado no início do ano, e este Bom Menino, uma das estreias da semana nos cinemas brasileiros. O primeiro, um terror sobrenatural dirigido por Steven Soderbergh a partir da perspectiva de uma assombração. O segundo, do mesmo gênero, mas rodado pelo estreante Ben Leonberg do ponto de vista de um cachorro. Enquanto Soderbergh era sabotado pelos efeitos colaterais da própria abordagem (ora, se assumimos o olhar da tal presença, o suspense torna-se praticamente nulo), o único diferencial de Leonberg reside justamente em seu protagonista de quatro patas.


Indy, vale destacar, é mais expressivo que muitos intérpretes humanos e chama atenção o fato de jamais olhar para a câmera, por exemplo. Ele inclusive chega a encarnar com perfeição o típico personagem de filme de terror, aquele sempre sujeito a péssimas escolhas, como ao se entregar ao impulso de seguir as pistas de algo potencialmente maligno ao invés de simplesmente fugir ou procurar ajuda. E na trama, quando seu adoentado tutor se muda para a antiga casa do avô a fim de se isolar, é ele quem acaba encarando manifestações fantasmagóricas.

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Infelizmente, nem a estrela solitária do elenco é suficiente para resgatar a produção da mesmice, pois tudo o que orbita o cãozinho é fruto da imaginação limitada de Ben Leonberg, que além de seu tutor na vida real, também é autor do roteiro ao lado de Alex Cannon. Quando não está se entregando a um didatismo em estado bruto, com personagens conversando sob o óbvio pretexto de transmitir informações ao espectador, a dupla chega a incluir longas sequências em que a câmera para em frente a uma TV apenas para embasar seu discurso sobre a origem do companheirismo entre humanos e cães, esquecendo-se inacreditavelmente de posicionar algum personagem para justificar seu funcionamento.

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Os roteiristas também tropeçam na própria lógica que tentam estabelecer, pois se num momento ouvimos Todd (Shane Jensen), o tutor fictício, afirmar ser impossível separá-lo de Indy, que o acompanha até no banheiro, logo depois é visto deixando-o sozinho em casa. O motivo, claro, é permitir à produção mergulhar Indy (ele interpreta a si mesmo, afinal) em situações que deveriam causar algum susto e/ou arrepio, mas que empalidecem perante a natureza convencional das estratégias da direção.

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Sem o menor pudor, Leonberg apela para vultos atravessando a tela, sussurros sobrenaturais, porões mal-assombrados, sombras se esgueirando pelas paredes, aparições súbitas e toda a sorte de artifícios já desgastados por décadas de uso em Hollywood. E é constrangedor ver uma obra curta como Bom Menino, com pouco mais de 70 minutos de duração, se entregar não a uma ou duas, mas a TRÊS sequências de pesadelo, denotando o desespero de um realizador visivelmente sem ideias.

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Se falta criatividade para o filme sustentar o gênero Terror, sobra personalidade para Leonberg ao menos como diretor. Verdade seja dita, ele alcança bons resultados ao adotar uma abordagem estética que reflete o foco narrativo monopolizado por Indy, ao manter a câmera quase sempre na altura de seus olhos. Dessa forma, dificilmente conseguimos ver além da cintura dos personagens, conferindo ao projeto um visual curiosamente semelhante ao do desenho animado A Vaca e o Frango (1997-1999), em que também víamos apenas as pernas dos humanos. Aliás, até quando Leonberg nos permite algum luxo (especialmente quando Indy está na cama com Todd), os rostos permanecem um mistério, pois estão frequentemente obstruídos por objetos ou simplesmente desfocados, reforçando o protagonismo unidirecional. Outro bom momento é aquele que resume num único plano a própria narrativa, brincando com a perspectiva ao trazer o cachorro gigantesco ao lado de sua casinha enquanto esta é paulatinamente tomada pelas sombras.

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Já a montagem, episódica, confere um ritmo inesperadamente irregular a uma trama enxuta por natureza, ao passo que a trilha de Sam Boase-Miller mostra-se adequada ao priorizar acordes curtos, semelhantes a ruídos, ao invés de recorrer a melodias que tradicionalmente estouram nossos tímpanos quando algo invade a tela. O resultado, senão apavorante, pelo menos garante o clima sinistro tão arduamente sedimentado por Leonberg.

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Que ainda comete o pecado capital de trair uma das características mais marcantes do melhor amigo do homem em prol da tensão barata, mostrando Indy sendo incapaz de antever o retorno de Todd. Afinal, até quem nunca teve a incomparável felicidade de conviver com um cachorro conhece seu hábito de receber com absoluto êxtase a chegada do tutor, normalmente farejado à distância.

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Óbvio até o último segundo de projeção, Bom Menino não chega a ser frustrante como Presença, mas se consegue ser meramente assistível, isso se deve principalmente ao carisma de seu talentoso e improvável protagonista. Depois da atuação marcante do Messi de Anatomia de Uma Queda e agora de Indy, ainda é cedo para pleitear uma categoria do Oscar para intérpretes caninos?


NOTA 5

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