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Em 'Animais Perigosos', os tubarões são meros coadjuvantes

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 19 de set.
  • 3 min de leitura

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Poderíamos atribuir ao destino a estreia deste Animais Perigosos acontecer no ano do quinquagésimo aniversário de Tubarão. Mas a verdade é que a obra-prima de Steven Spielberg inaugurou não apenas a era moderna dos blockbusters, como abriu caminho para um subgênero inteiramente focado no mais temido predador dos oceanos, resultando numa infinidade de produções sendo lançadas ano após ano. Se mantivermos os filmes b e os trash na equação, a tiragem provavelmente chega a ser mensal. Por incrível que pareça, os tubarões não são os tais animais perigosos como o título antecipa e isso é apenas um dos problemas deste longa-metragem exibido na Quinzena dos Realizadores do mais recente Festival de Cannes.


Spielberg já declarou arrependimento por alimentar a má-fama dessa criatura, sendo responsável por traumatizar uma geração inteira de cinéfilos (incluindo este que vos escreve) e engrossar a lista dos portadores de selacofobia. O cineasta vencedor de três Oscars recebe uma enxurrada de críticas até hoje e talvez esse tenha sido o motivo que levou o australiano Sean Byrne a encerrar um hiato de dez anos desde que lançou The Devil’s Candy, seu último longa-metragem.

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Quem se deixar levar pelo material de divulgação, vai experimentar um nível de frustração do tamanho de um Grande Tubarão Branco, pois o roteiro escrito pelo novato Nick Lepard utiliza os animais como meras ferramentas. Ou melhor, é o personagem de Jai Courtney quem o faz. Presente numa saraivada de fracassos hollywoodianos como A Série Divergente, O Exterminador do Futuro Gênesis e o famigerado Esquadrão Suicida, o ator retorna à sua terra-natal para interpretar um imprevisível assassino em série obcecado por... isso mesmo, tubarões.

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Famoso na costa australiana por oferecer a seus clientes a oportunidade de mergulhar com os ditos-cujos, Tucker geralmente elege como vítimas moças destemidas em busca de aventura. Ele as atrai apenas para posteriormente oferecê-las como alimento aos tubarões, enquanto filma tudo e aumenta sua macabra coleção. Uma dessas jovens é Zephyr (Hassie Harrison), uma solitária surfista que tem o azar de cair nas garras do bandido justamente após passar a melhor noite de sua vida com o adorável Moses (Josh Heuston), que lutará bravamente para descobrir o paradeiro da amada.

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É até nobre da parte da produção se preocupar em deslocar a vilania das criaturas marinhas para os humanos, aqui ilustrados por Tucker como monstros muito mais perversos. O problema é a forma irregular com que o diretor Sean Byrne aproveita a presença dos tubarões, que aparecem apenas esporadicamente e sem oferecer qualquer tipo de tensão. Nem mesmo uma ensanguentada Zephyr caindo na água serve de motivação para Byrne, que ignora o potencial da sequência para despertar algum nervosismo na plateia. Aliás, passamos a projeção inteira ansiando por eles e quando finalmente somos atendidos, a decepção é inevitável. E nem me refiro ao parco tempo de tela, mas sim pelos efeitos visuais questionáveis da produção, o que também pode ter contribuído para seu uso homeopático.

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Para piorar, nem os humanos são bem trabalhados pelo roteiro, já que protagonizam uma dinâmica repetitiva de situações, por mais que a trilha sonora ostensiva de Michael Yezerski faça de tudo para provocar alguns sustos e/ou tensão. Já o diretor de fotografia Shelley Farthing-Dawe faz um ótimo trabalho captando as belezas naturais da Austrália. Embora a texana Hassie Harrison, a Laramie da série Yellowstone (2020-2024), possua todos os atributos de uma final girl competente, incluindo o carisma e a disposição para soltar uma frase de efeito cafona no aguardado confronto final, o destaque do filme fica mesmo por conta de Jai Courtney, que aproveita cada segundo de tela para criar um sujeito cuja característica mais temível é precisamente sua instabilidade psicológica (e uma análise de Zephyr dá uma boa pista sobre suas reais motivações). Me peguei surpreso desejando ver mais dessa composição expansiva, mas nada histriônica, algo que nunca pensei em escrever sobre Courtney, normalmente incapaz de oferecer uma performance marcante.

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Esculhambando os limites da suspensão de descrença durante o terceiro ato, quando nossa heroína protagoniza uma parcela de absurdos, ao entrar na sessão para assistir a Animais Perigosos esteja certo de que a cena mais emblemática será aquela em que o psicopata canta “Baby Shark” pouco antes de fazer sua primeira vítima. E isso já diz muito sobre o que te espera.


NOTA 4

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