Em grande estilo, 'Missão: Impossível - O Acerto Final' promove suposta despedida
- Guilherme Cândido
- há 4 horas
- 7 min de leitura

Embora seja mais lembrado por seu papel como o impetuoso piloto de caça Pete ‘Maverick’ Mitchell na agora bilionária franquia Top Gun, o legado mais marcante de Tom Cruise, provavelmente a última legítima estrela de Cinema ainda em plena atividade, foi deixada em Missão: Impossível, adaptação da série homônima criada por Bruce Geller na década de 60. A versão das telonas, no entanto, superou o programa das telinhas e em 1996 começou a traçar o caminho que a transformaria na maior grife do Cinema de Ação contemporâneo, além de transformar o Ethan Hunt de Cruise no equivalente estadunidense ao britânico James Bond, guardadas as devidas proporções, é claro.
O norte-americano não possui o mesmo charme do espião a serviço secreto de Sua Majestade e jamais alcançará seu prestígio em escala global, mas nenhum intérprete de 007 chegou perto de exibir a entrega física (e psicológica), o comprometimento para com o público e a dose certa de loucura de Tom Cruise, que em 2022 recebeu de ninguém menos do que Steven Spielberg a alcunha de “salvador do Cinema”, quando peitou estúdios e plataformas de streaming ao insistir na estreia de Top Gun: Maverick nos cinemas, o que representou não apenas um estrondoso êxito de bilheteria (quase um bilhão e meio de dólares arrecadados mundialmente), como trouxe de volta grande parte do público perdido durante a época da pandemia.

A confiança em Cruise, no entanto, foi abalada com o lançamento de Missão: Impossível – Acerto de Contas: Parte Um, anunciado como o penúltimo capítulo da série cinematográfica. A produção acabou ofuscada pelo fenômeno barbenheimer e obteve um resultado comercial abaixo do esperado, ainda mais considerando seu orçamento robusto, inchado por diversos problemas, desde protocolos pandêmicos até a greve dos roteiristas. Estima-se que os custos da derradeira aventura de Ethan Hunt, rebatizada como O Acerto Final (o “parte 2” acabou caindo), se aproximem dos quatrocentos milhões de dólares. Tamanho investimento demandava um tratamento diferente e os produtores (Tom Cruise e o diretor/roteirista Christopher McQuarrie) fizeram deste o maior filme da franquia. Eles queriam sair por cima, encerrando com um estouro. E conseguiram, mesmo que aos trancos e barrancos.

Novamente escrito por McQuarrie em parceria com Erik Jendresen, Missão: Impossível – O Acerto Final começa quatro meses após os eventos do filme anterior e, por isso, já larga atrás, pois parte de uma premissa cujo potencial era limitado por uma dupla fraca de vilões. E se a maligna inteligência artificial chamada de A Entidade finalmente diz a que veio, cumprindo a promessa de representar a maior ameaça já enfrentada, seu assecla Gabriel (Esai Morales), infelizmente segue o caminho oposto, revelando-se uma presença ainda mais opaca. Não bastassem os batidíssimos planos de dominação global, o antagonista chega a tomar decisões questionáveis durante o terceiro ato, principalmente quando se vê numa situação favorável frente aos seus perseguidores (não detalharei para evitar spoilers).

Os roteiristas também não parecem muito confiantes em relação à Entidade, fazendo questão de repetir as ‘habilidades’ do organismo digital a cada 10 minutos. Aliás, a repetição é uma estratégia tão recorrente que chega a irritar em vários momentos e parte da culpa reside na intenção de tornar o enredo excessivamente complexo, contrariando um padrão consolidado na série (se tratando de trama, menos é mais).

Aqui, McQuarrie e Jendresen conseguem contornar o obstáculo consequente do inchaço de personagens, dando tempo de tela suficiente para absolutamente todos brilharem, mas claudicam ao mastigarem os planos a todo momento, fazendo malabarismos para, pelo menos, diversificar na hora de se entregarem aos diálogos expositivos. Desde personagens completando frases, repetindo o que acabaram de ouvir ou mesmo a utilização indiscriminada de narrações, O Acerto Final passa mais tempo explicando planos do que executando-os, resultando num ritmo tremendamente irregular durante a primeira hora de projeção.

Felizmente, quando a dupla se convence de que o espectador já sabe o que são Podkova, Sevastopol e Veneno Digital, suas respectivas funções e como obtê-los, o filme engrena e entra numa escalada de tensão sustentada pelo diretor, que mesmo com quase três horas de projeção a conduzir, é competente ao manter a trama interessante, fisgando o espectador não só através das excepcionais sequências de ação, mas também ao subir paulatinamente os riscos até o ponto de começarmos a questionar se Hunt e sua equipe realmente darão conta do recado dessa vez. E quando há a união entre risco e espetáculo, o resultado beira o sublime.

A sequência climática pode até ser o carro-chefe da produção, sendo a queridinha do pessoal do marketing ao chamar atenção para as tradicionais peripécias de Tom Cruise, agora pendurado e chacoalhado no exterior de um biplano em pleno voo. O posicionamento perfeito das câmeras, que capturam o efeito do vento no rosto do sexagenário ator e ampliam a vertigem provocada pelas acrobacias da aeronave em nada devem às proezas dos longas anteriores. Entretanto, a longa passagem com Hunt no interior de um submarino merece tantos elogios quanto.

Assim como na soberba fuga do trem que encerrou o antecessor, Ethan Hunt enfrenta uma série de obstáculos improváveis que acentuam a inquietação a níveis corriqueiros no âmbito da franquia, mas muito acima da média fora dele. Tudo isso, claro, sem recorrer a cortes frenéticos, apenas acreditando no poder dos planos minuciosamente construídos (e dependentes da suspensão da descrença, como não poderia ser diferente).

Quando não concentra suas atenções na vilã principal, que em determinados momentos parece até ler mentes e em outros induz a infantilidades, como o mapa que mostra em tempo real a progressão de seus planos, o novo Missão: Impossível se apresenta como um blockbuster quase perfeito, seguindo de perto a fórmula arrebatadora de Top Gun: Maverick e parte dela, claro, é executada com maestria por Tom Cruise, cuja intensidade chega a ser comovente e torna impossível não torcermos por seu triunfo.

Além do habitual comprometimento, Cruise presta reverência à série presenteando seus fãs mais ardorosos com referências que vão desde a data de estreia do primeiro filme (22 de maio de 1996 tem uma importância considerável na trama) até objetos cênicos (a faca de Krieger), passando por elementos narrativos (o Pé-de-Coelho de Missão: Impossível III) e culminando numa participação especial inesperada, fazendo uma das várias conexões com o longa de 96. E caso você não seja um espectador assíduo, fique tranquilo, pois a narrativa inclui diversas montagens que funcionam como uma espécie de “melhores momentos” da franquia, cumprindo por tabela as funções de refrescar a memória e contextualizar os marinheiros de primeira viagem. Ninguém fica para trás.

Do ponto de vista dramático é louvável a intenção de desconstruir a imagem de Ethan Hunt como salvador da pátria, apesar de a dupla de roteiristas não ir muito além. Nunca chegamos a entender o homem por trás do mito, cujas façanhas (super) heroicas o distanciavam de nós. Hunt estava mais para um avatar da Ação, do que para um ser humano de carne e osso e nem a perda de pessoas próximas ajudou na identificação com quem acompanha suas aventuras há tanto tempo. Se sete filmes produzidos em quase trinta anos não foram capazes de desenvolvê-lo como personagem, este oitavo filme nem se dá o trabalho de insistir, contando com a inteligência de McQuarrie e Jendresen para jogar com a reputação do sujeito.

Ilsa Faust, vivida com brilhantismo pela talentosa Rebecca Ferguson poderia ser o divisor de águas nesse sentido, estabelecendo-se como um ponto de ruptura ao apelar para a faceta humana de Ethan. Pena que a sueca não suportou a grandeza de uma produção como Missão: Impossível e acabou pedindo para sair. Sua ausência, que já havia impactado Acerto de Contas, é sentida ainda mais quando percebemos com clareza a correção de rota feita às pressas, com a entrada de Hayley Atwell tentando preencher essa lacuna. Grace, sua personagem, evolui entre os dois filmes, exibindo habilidades aprimoradas, mas recai na mesma relação com o protagonista, transparecendo a impressão de que Ethan (e consequentemente Missão: Impossível) vive num looping quando o assunto é parceira de missão/interesse amoroso. Sem contar que o tempo não é amigo de Atwell, sob a perspectiva do desenvolvimento de Ferguson.

Outra ausência sentida é a do humor, tão presente a partir do quarto capítulo e aqui diminuído em prol da seriedade de uma subtrama política capitaneada por Angela Bassett. Mesmo que a atriz surja segura e carismática, a geopolítica traz menos pontos positivos do que a divertida postura dos personagens frente aos absurdos que marcam sua rotina de trabalho (quem não lembra de Benji zombando das resoluções no último segundo?).

Falando no operativo vivido por Simon Pegg, a equipe ganha uma bem-vinda renovação, com as adições de Greg Tarzan Davis e Pom Klementieff, abrindo portas para um futuro oxigenado da série, caso Cruise realmente opte pela saída (na qual não acredito). Davis e principalmente Klementieff têm considerável presença de cena, construindo personagens fortes e com boas dinâmicas graças a uma construção cuidadosa que começou ainda no filme de 2023. Ving Rhames e Pegg, veteranos, ocupam um inédito espaço dramático, visto que passamos a temer pela vida daqueles mais qualificados para uma possível substituição.

Quem acabou substituído de fato foi o virtuoso Lorne Balfe, compositor titular dos dois últimos lançamentos, mas ocupado demais para repetir a função, transferindo-a para seu pupilo, Max Aruj, que assume a batuta ao lado de Alfie Godfrey. Aruj e Godfrey promovem um retorno às origens, referenciando diretamente as melodias imortalizadas por Lalo Schifrin, o que fica claro logo na sequência pré-créditos, dando pistas das homenagens que viriam a seguir.

Uma celebração em larga escala que jamais perde de vista o espetáculo, Missão: Impossível – O Acerto Final pode ficar de fora do pódio quando elencamos as melhores entradas da franquia, mas oferece uma satisfatória e digna despedida. Não para a marca, valiosa demais para ser deixada de lado, convenhamos, e muito menos para Cruise, a julgar pelo final tão auspicioso quanto aberto de seu personagem. Mas para um ciclo que, se de fato se encerra (e sabemos como Hollywood funciona), o faz provocando a sensação indubitável de dever cumprido. A missão de cravar o nome na história dos filmes de ação não era de fato impossível...
NOTA 7,5