Novo "Missão: Impossível" mantém a franquia no topo de Hollywood
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Novo "Missão: Impossível" mantém a franquia no topo de Hollywood


Desde que a franquia Missão: Impossível passou a ser comandada por seu astro, isto é, tornou-se “a Tom Cruise production”, Ethan Hunt vinha protagonizando aventuras cada vez melhores, superando com espantosa facilidade os filmes anteriores, tanto que não hesitei em apontar que Efeito Fallout, sexto capítulo, era o auge da saga três anos depois de pensar o mesmo sobre Nação Secreta. Infelizmente, porém, esse viés de crescimento se encerra agora com Acerto de Contas: Parte Um. Isso não quer dizer que o novo Missão: Impossível é ruim, longe disso, apenas representa uma leve digressão em relação principalmente ao antecessor, o supracitado Efeito Fallout. Impossível mesmo, só a missão de superar aquele que consolidou a franquia de ação como a melhor da atualidade.

A trama do novo filme deixa de lado o frenesi e a adrenalina hiperbólica para estabelecer um retorno às origens, retomando o tom paranoico e conspiratório que marcou o primeiro filme, dirigido por Brian De Palma no longínquo ano de 1996, tendo início com os bons e velhos soviéticos sendo vítimas de um ataque misterioso, numa sequência cujo desfecho traz à memória a recente tragédia envolvendo o submersível da OceanGate. Pouco tempo depois, Ethan Hunt (Tom Cruise, claro) sai literalmente das sombras para aceitar uma missão que o coloca no meio de uma corrida global para tomar o controle de uma poderosa inteligência artificial, agora consciente e com planos que deixariam a Skynet de O Exterminador do Futuro orgulhosa. Ao contrário dos principais governos do mundo, incluindo o dos Estados Unidos, obviamente, Hunt planeja eliminar o parasita digital conhecido como “A Entidade”, mas para isso deve obter as duas partes de uma chave que de alguma forma neutralizará a ameaça.

Nos é dito, a princípio, que o tal macguffin é procurado por agentes de todo o planeta, entretanto, o roteiro escrito por Erik Jendresen (Morte Por Encomenda) em parceria com o veterano de franquia Christopher McQuarrie (também o diretor), concentra suas ações no enigmático Gabriel (Esai Morales, da série Ozark), cuja conexão com o passado de Ethan complica um enredo que ainda inclui a inconstante Viúva Branca (novamente vivida por Vanessa Kirby), a implacável Ilsa Faust (Rebecca Ferguson, roubando a cena desde Nação Secreta), além é claro da IMF (por meio da equipe do protagonista e da cúpula da agência) e de uma dupla cujo único propósito é prender o nobre Ethan Hunt.

Como é fácil perceber, Missão: Impossível - Acerto de Contas: Parte Um conta com um óbvio excesso de personagens e eu nem cheguei a mencionar a vilanesca Paris (interpretada pela estreante Pom Klementieff, a Mantis de Guardiões da Galáxia) e sua confusa parceria com o vilão Gabriel. Isso faz com que o normalmente enxuto Missão: Impossível transforme-se num longa-metragem com cerca de duas horas e quarenta minutos de duração (a maior de toda a série) que mesmo assim não consegue justificar a utilidade de Jasper (Shea Whigham, de O Agente Oculto) e Degas (Greg Tarzan Davis, o Coyote do excepcional Top Gun: Maverick), intérpretes dos já citados encarregados pela captura do protagonista. Se inicialmente eles arrancam boas gargalhadas como alívios cômicos (Jasper está sempre checando o rosto das pessoas para se certificar de que não estão usando as famosas máscaras), função redundante visto que já é tradicionalmente desempenhada pelo ótimo Simon Pegg, eles logo se tornam um inconveniente, aparecendo de formas súbitas e sempre inoportunas.

Mesmo assim, McQuarrie e o montador Eddie Hamilton (Top Gun: Maverick) são competentes o suficiente para impedirem que o inchaço da narrativa seja sentido pelo espectador. Embora jamais atinjam o nível de qualidade apresentado em Efeito Fallout, que enfileirou sequências de ação memoráveis num ritmo impecável, a dupla ao menos não é tola a ponto de tentarem superar as persecuções daquele filme. Tomemos como exemplo a extensa perseguição que acontece nas ruas de Roma: ao invés de buscar adrenalina e ângulos vertiginosos, McQuarrie opta por dividir a sequência em módulos, surpreendendo, por exemplo, ao fazer mudanças durante a ação, seja ao permitir ao protagonista trocar de veículo duas vezes (revelando como funciona a logística da IMF) ou ao obrigá-lo a revezar a direção com Grace (Hayley Atwell, a Peggy da trilogia Capitão América), cuja imperícia como motorista aumenta a tensão e o humor. Aliás, a coragem de desmembrar uma de suas principais perseguições só não é maior do que a confiança ao fazer breves e inteligentes pausas, pois além de situarem o espectador, as tomadas aéreas desses interlúdios trazem novos e surpreendentes contextos (o Fiat 500 turbinado que vai parar no meio de uma imensa escadaria).

E se a produção sofre para se equiparar aos seus antecessores em termos de escala, ao menos o clímax reserva um set-piece digno dos melhores momentos da franquia, ao colocar a maior parte do elenco a bordo do famoso Expresso do Oriente. Ao contrário de filmes recentes que também utilizaram trens em sequências de ação (vide o novo Indiana Jones), Acerto de Contas Parte Um não se contenta em colocar personagens se digladiando sobre os vagões ou no interior destes, aproveitando para mostrar de forma mais realista (mas não menos espetacular) as dificuldades de escapar de um acidente de trem. Mais uma vez direção e montagem decidem dividir a sequência em segmentos, com o eventual descarrilamento (em plena região montanhosa) representando uma ruptura da atmosfera, antes calcada no frenesi da troca de golpes, depois concentrada na tensão da fuga.

Assim, uma série de obstáculos se enfileira enquanto Ethan Hunt tenta escapar de vagões em queda. Seja um piano pendurado por uma frágil corda, utensílios de cozinha ou um fogão explosivo, o filme oferece um grau de tensão ainda maior do que a luta pelo detonador no final de Efeito Fallout. No restante do tempo, todavia, a produção não vai muito além do tradicional corre-corre a pé, do perde-ganha de objetos importantes e das alianças que são forjadas e quebradas, algo corriqueiro dentro da série, mas concebido de forma acima da média quando comparado aos demais filmes de ação da atualidade. Por outro lado, é difícil negar o desperdício de potencial dentro da narrativa, como A Entidade, cuja ameaça é subaproveitada.

Ao conceber um organismo digital como vilão do carro-chefe de sua carreira, Tom Cruise, uma das maiores estrelas ainda em atividade, defensor do Cinema como experiência, bastião dos efeitos práticos e que passa muito longe de ser um alienado, manda uma mensagem clara ao mundo em tempos de crescimento do uso de inteligência artificial (algo que vem impactando a Indústria, motivando, inclusive, a mais recente greve dos roteiristas de Hollywood). Não é coincidência que o roteiro de Missão: Impossível, assim como o de Top Gun: Maverick, leve às massas um discurso de valorização do fator humano, demonizando o digital enquanto mostra que o analógico ainda pode funcionar. Cruise há muito tempo deixou de ser um mero ator e como produtor de sucesso mais do que comprovado, não deixa de demonstrar preocupação com o que está acontecendo, especialmente dentro de sua profissão.

Se em Top Gun: Maverick, Cruise se dispôs a bater de frente com um sistema cada vez mais hostil à criatividade e cedendo aos poucos à pasteurização digital (“não é o avião, é o piloto”, “estou para ser extinto, mas não hoje”), com tons ainda mais dramáticos num contexto pandêmico (“sei o que vai acontecer se eu não continuar”), em Missão: Impossível ele atualiza seu direcionamento, apontando os riscos de uma vida (ou de uma Indústria) refém da tecnologia, dependente de uma realidade puramente digital. A exacerbação do tema para fins de espetáculo merece concessões, evidentemente, mas Tom Cruise não se esquiva do posicionamento. É possível ainda fazer interpretações sobre a relação humana com a tecnologia e a toxicidade do ambiente digital, mas essas são elucubrações que não vão muito longe quando examinadas com maior cuidado.

Pois interessa ao Cruise Produtor o entretenimento acima de tudo, incluindo a permissividade de um marketing mais do que conivente com as acrobacias mortais do ator, pois agora capitaliza em cima de sua faceta “inimigo número um dos dublês”. Se por um lado a estratégia já se mostrou eficaz (a bilheteria bilionária de Top Gun: Maverick comprova isso), em Acerto de Contas Parte Um, o tiro pode sair pela culatra. O espectador que acompanhou os alardeados bastidores exaustivamente divulgados da sequência em que Tom Cruise salta de um precipício pilotando uma moto antes de acionar o paraquedas, pode ficar frustrado quando descobrir que essa estripulia rende poucos minutos na tela, por mais que a equipe técnica valorize cada segundo (a trilha sonora chega a ser eliminada para o silêncio ser substituído pelo som ambiente).

Potencialmente frustrante, também, é o vilão Gabriel, vivido pelo bom, mas opaco Esai Morales. O roteiro até tenta injetar algum peso no personagem, uma espécie de avatar da Entidade, forçando uma ligação com o passado de Ethan (os fãs do primeiro filme são recompensados), mas a ideia morre na praia, pois também não há química entre Morales e Cruise. Outro ponto negativo é a frequente interrupção da narrativa para explicar o que está acontecendo. Tramas que envolvem espionagem geralmente são complexas e, quando desenvolvidas sem cuidado, truncadas. Temendo isso, os roteiristas investem em vários momentos protagonizados por personagens que repetem o que acabaram de ouvir como se dissessem diretamente para o público (“espera aí, você está me dizendo que...”, “então quer dizer que...”). Para piorar, o roteiro promete uma carga dramática que jamais é cumprida e uma passagem específica (você saberá quando assistir) é posicionada de forma equivocada dentro da história, não havendo tempo suficiente para que o impacto seja sentido, já que o show deve continuar, afinal.

Um show que nunca deixa de ser divertido, vale ressaltar, mostrando que assim como escrevi sobre Nação Secreta, a franquia Missão: Impossível segue firme e forte sua vocação para o espetáculo, oferecendo mais uma experiência cinematográfica que faz jus à credibilidade de seu protagonista. Se não se equipara aos seus excelentes antecessores, ao menos se coloca acima da média do que é produzido atualmente.


NOTA 8


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