"Guardiões da Galáxia" chega ao fim como a melhor trilogia da Marvel
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Guardiões da Galáxia" chega ao fim como a melhor trilogia da Marvel


Quando Guardiões da Galáxia estreou, no já longínquo ano de 2014, um relativamente desconhecido James Gunn ousou investir no seu estilo estando num ambiente tradicionalmente hostil a inovações. Trata-se de uma megacorporação, afinal, e o modelo de sucesso precisa ser seguido à risca. Adaptando-se tranquilamente à “Fórmula Marvel”, Gunn ofereceu ao público uma aventura bem humorada e extremamente colorida, mas cujo maior trunfo estava em seus personagens, a alma do filme. O sucesso acachapante de bilheteria elevou os periféricos Guardiões a queridinhos do público, equiparando-se aos grandes nomes da Marvel (estúdio e editora), mas não foram os únicos a experimentarem uma mudança de status.

É aí que voltamos a James Gunn, roteirista responsável por filmes de terror de segunda categoria (13 Fantasmas, Seres Rastejantes) e produções infantis (Scooby-Doo). Esporadicamente assumia também a cadeira de diretor, como no bom Super, que consolidaria seu humor verborrágico. Portanto, é curioso notar como, aos poucos, Gunn foi galgando posições dentro da Marvel e conquistando espaço na Indústria, sem fazer muito alarde. Mais admirável ainda é vê-lo brilhando não apenas com os super-heróis da Casa das Ideias, mas também com os da concorrência, já que foi ele o responsável por mostrar como se adapta Esquadrão Suicida. Hoje, Gunn chega para encerrar a trilogia que criou estando muito maior do que como começou, mas o faz com a mesma personalidade e a mesma competência que lhe valeram seu prestígio atual. Isso não significa que Guardiões da Galáxia Vol. 3 seja apenas uma reprodução dos filmes anteriores, diga-se de passagem.

A projeção já começa num tom surpreendentemente sombrio com Peter Quill (Chris Pratt), depressivo e entregue à bebida após a morte de sua amada Gamora (Zoe Saldaña) durante os eventos de Vingadores: Guerra Infinita. Normalmente alegres, os créditos iniciais acompanham essa atmosfera melancólica ao trazer Quill embriagado sendo carregado enquanto o título surge. Como se não bastasse, uma nova ameaça se apresenta na forma do misterioso Adam (Will Poulter), ser superpoderoso apresentado numa das cenas prós-créditos do filme anterior como uma criação dos Soberanos, nação que buscava vingança contra os Guardiões.

Ao contrário dos longas anteriores, em que não chegávamos a sentir de fato que os heróis corriam algum risco real, Adam trata de derrubar essa zona de conforto a socos e rajadas de energia, derrotando um por um de formas violentas e espantosamente gráficas (alguém chega a ter o braço quebrado) até ferir gravemente Rocket (Bradley Cooper). Antes de conseguir fugir, porém, Adam é responsável por fazer Peter Quill retomar seu posto como líder dos Guardiões. Já a condição de Rocket, agora numa espécie de coma, oferece duas oportunidades: dar um novo propósito a Quill, determinado a impedir que o amigo seja mais um a morrer na sua frente e permitir que o roteiro explore a origem do guaxinim.

Se dramaticamente o artifício funciona, em termos estruturais a história é seriamente prejudicada, já que é dividida em duas linhas narrativas. A jornada de Quill, Nebula, Drax, Mantis e Groot em busca da cura para Rocket é entrecortada por longos flashbacks sobre o seu passado, que funcionam isoladamente ao desenvolverem o personagem, mas que destoam do restante do filme. Pois James Gunn não economiza recursos para transformar essas passagens nos momentos mais tristes e dolorosos de toda a franquia, investindo em cenários escuros e uma fotografia sem vida que refletem o sofrimento pelo qual Rocket passa. Para quem ama os animais, também é particularmente devastador ver a expressão entristecida do guaxinim ainda filhote passando pelas mesmas experiências genéticas que seus amigos (uma coelha, uma lontra e um leão-marinho), numa crítica nada sutil a utilização de animais em laboratórios (especialmente no setor de cosméticos). Assim, o primeiro ato é marcado pelo desequilíbrio, com flashbacks cadenciados e pesadíssimos entrando em conflito com as missões agitadas e descontraídas dos demais membros do grupo.

Superado esse momento de irregularidade, James Gunn é hábil ao articular todos os elementos que fizeram de sua franquia uma das mais amadas dentro do Universo Marvel, apostando nas cores intensas e na profusão de piadas para mergulhar o espectador numa atmosfera leve que disfarça com perfeição os 150 minutos de projeção, preenchidos com a desenvoltura que faltou ao inflado filme anterior. Diferente dos projetos mais recentes da Marvel (principalmente os fracos Thor: Amor e Trovão e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania), o terceiro Guardiões da Galáxia exibe efeitos visuais sempre convincentes a serviço de um design de produção que se caracteriza pela inventividade. Seja pela enorme nave em formato de caveira ou pelos imensos cenários simétricos e dourados que refletem a busca incessante dos Soberanos pela perfeição, o Volume 3 jamais soa gratuito ou pouco original.

Já a ação se revela o ponto alto do filme, evidenciando também a evolução de Gunn como cineasta e sua preocupação em fazer de sua aventura derradeira um blockbuster com B maiúsculo. Como seus antecessores, há espaço de sobra para humor e referências inusitadas usando elementos da cultura popular dos anos 80 (Patrick Swayze e Alf – o ETeimoso são apenas alguns exemplos), mas Gunn reserva um tempo precioso para impressionar o espectador e a sequência rodada em plano-longo num corredor é espetacular, mantendo a câmera sempre próxima dos personagens enquanto estes executam coreografias fluidas e estilosas (a canção que toca durante esse momento é a cereja do bolo).

Por falar em canção, o compositor britânico John Murphy (O Esquadrão Suicida) é inteligente ao guardar o tema dos Guardiões composto por Tyler Bates (que assinou a trilha incidental dos dois últimos) apenas para momentos específicos do terceiro ato, optando por acordes mais incisivos e orientados para a ação enquanto isso. E para surpresa de absolutamente ninguém, Guardiões da Galáxia Vol. 3 ainda apresenta uma trilha matadora, cortesia do gosto musical eclético de James Gunn que consegue comportar Radiohead, Alice Cooper e Earth, Wind & Fire no mesmo projeto. Outro ponto que salta aos olhos é a independência em relação ao Universo Marvel, pois este deve ser o filme com o menor número de conexões com os demais projetos do estúdio.

Mesmo com ação de qualidade, um visual apurado e uma história envolvente, a alma da franquia sempre residiu nos personagens e em suas interações, o que não é diferente aqui. Drax (Dave Bautista) e Mantis (Pom Klementieff) representam o alívio cômico e protagonizam as melhores gags do roteiro, com o brutamontes ganhando a oportunidade de mostrar seu lado mais delicado, ao passo que a Nebula de Karen Gillan se encarrega de trazer alguma seriedade à equipe, apesar de protagonizar uma ótima piada ao lado do Peter Quill vivido pelo sempre carismático Chris Pratt.

Entretanto, por mais que Pratt seja eficiente numa cena repleta de carga emocional na segunda metade, aqueles que esperam por uma profundidade maior do relacionamento entre Quill e Gamora talvez saiam levemente desapontados, mas não tanto quanto os fãs do Adam Warlock de Will Poulter (Família do Bagulho). Figura importante nos quadrinhos, Warlock era uma promessa antiga de James Gunn, mas não chega a aparecer em mais do que cinco cenas por aqui. A frustração é ainda maior quando fica claro que Gunn criou material suficiente para ser explorado (o personagem passa por uma tragédia que poderia aproximá-lo de Peter Quill, por exemplo, e sua inocência é esquadrinhada apenas com fins cômicos). Talvez a Marvel tenha optado por diminuir a presença de Adam Warlock para enxugar a duração, uma interferência que também é sentida através dos diálogos expositivos que buscam rememorar os eventos que afetaram os Guardiões, num didatismo que não costuma aparecer nos trabalhos de James Gunn.

Diante de um marketing que não mediu esforços para apresentar o Volume 3 como a última aventura deste grupo de personagens, é um alívio constatar que Gunn não se sentiu seduzido pela tendência recente de esculpir tragédias super-heróicas, permanecendo fiel até o fim aos conceitos que estabeleceu no primeiro filme. Depois de nove anos dedicados a proteger a galáxia, incluindo um traumático embate com o maior vilão da Marvel até o momento, os Guardiões mereciam uma apoteose, concebida através de uma rima visual com o auspicioso epílogo do Volume 1.

Com isso, James Gunn se despede da Disney em grande estilo, pois se não entrega o melhor “volume” dentre seus Guardiões da Galáxia, ao menos pode orgulhar-se de ter concebido a melhor trilogia do Universo Cinematográfico da Marvel, gerando imensa expectativa sobre a próxima fase de sua carreira, como o líder criativo da nova Warner/DC, concorrente que terá a sorte de contar com a mente privilegiada de um artista que entende como poucos o gênero com o qual trabalha por tanto tempo e pelo qual transita com tanta segurança. Batman, Superman e companhia estão em excelentes mãos.



Observação: Há duas sequências adicionais feitas sob medida para os fãs da trilogia


NOTA 7,5


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