"Shazam!: Fúria dos Deuses" | Núcleo familiar salva continuação da banalidade
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Shazam!: Fúria dos Deuses" | Núcleo familiar salva continuação da banalidade

Atualizado: 22 de dez. de 2023


Quando escrevi sobre Shazam!, grata surpresa de 2019, comentei que se tratava de um filme cujo maior trunfo era não se levar a sério, algo impensável nos tempos “sombrios e realistas” que pairavam sobre as produções da Warner/DC. Com um humor inocente e uma atmosfera lúdica contagiante que se beneficiava da influência de alguns clássicos dos anos 80, especialmente Quero Ser Grande, Shazam! foi hábil ao encerrar praticamente todos os arcos que iniciou, gerando um bem-vindo sentimento de conclusão ao espectador, satisfeito em ver toda a trama resolvida. Agora, quatro anos depois, somos apresentados a uma continuação que gera mais apreensão do que expectativa em virtude das incertezas que vão além do filme e atingem os bastidores.

Afinal, além da curiosidade em saber o que será abordado nesta nova aventura, há a expectativa em relação ao que a nova direção criativa da DC reserva para o super-herói. Para quem não se lembra, James Gunn (diretor de Guardiões da Galáxia) e Peter Safran estão reformulando o Universo DC e já anunciaram despedidas (Henry Cavill deixou de ser o Superman e o filme da Batgirl foi cancelado antes de chegar aos cinemas) e novidades que, ao menos por enquanto, não incluem um terceiro filme de Shazam! A boa notícia é que o cineasta David F. Sandberg e sua equipe de roteiristas mantiveram o tom inocente e debochado do filme anterior, acertando também ao focarem no núcleo superpoderoso da família do protagonista. A má é que dessa vez isso é tudo o que eles têm a oferecer.

Escapando da famigerada narração em off que costuma dar o pontapé inicial neste tipo de produção, a história utiliza o guia de um museu para se aprofundar de forma orgânica no misterioso cajado que foi quebrado por Shazam no filme anterior e que retorna como objeto de interesse das novas vilãs, Hespera e Kalypso, interpretadas por Lucy Liu (Xeque-Mate) e Helen Mirren (A Rainha) respectivamente. Relembrando seus tempos como diretor de filmes de terror, David F. Sandberg ilustra os poderes manipulativos de Kalypso, que promove uma espécie de caos viral, como um flerte surpreendente com o gênero que o lançou, abusando de olhos predominantemente negros, destruição e histeria enquanto mantém a câmera num movimento constante que impede o espectador de sair dessa inquietude frenética. Esse momento dura pouco, pois logo depois somos reapresentados ao herói-título, agora atormentado com a pressão de se tornar um líder e tendo de lidar com o distanciamento de Freddy (seu melhor amigo/irmão adotivo), deslumbrado com os poderes recém-adquiridos.

O problema é que diferentemente do seu antecessor, Shazam!: Fúria dos Deuses planta as sementes desses conflitos, mas jamais as permite germinar. A necessidade auto imposta de exercer liderança deixa de ser importante quando os roteiristas decidem recauchutar uma subtrama emocional envolvendo Billy Batson (a versão jovem do super-herói) e sua mãe adotiva. E um desentendimento entre Batson e Freddy, além de ser construído à base de diálogos dolorosamente expositivos (“só porque ele quer voar sozinho por dez minutos, não significa que vai te abandonar como sua mãe”, ele ouve de outro personagem em certo momento), acaba sendo esquecido durante o desenrolar da história, quando as vilãs surgem em cena trazendo mais uma parcela de problemas, já que possuem motivações no mínimo confusas. Se inicialmente elas demonstram um desejo de vingança pelo que aconteceu ao pai, logo essa motivação é adaptada à tradicional ambição de dominar o mundo, mesmo que mais perto do final mudem de ideia e decidam destruí-lo.

Em contrapartida, o filme sempre ganha vida quando se concentra na relação de Billy/Shazam com seus irmãos, desenvolvendo um arco dramático que abarca praticamente todos os personagens, já que a dificuldade em se tornar adulto é um problema comum entre os integrantes da “Família Shazam” e acaba afetando suas atitudes. Além disso, os roteiristas são hábeis ao moldarem as atitudes deles sob a perspectiva da adolescência, o que os leva a agirem com prepotência e de forma inconsequente, mesmo com as melhores intenções. Julgando serem mais sábios do que realmente são, os super-heróis erram com frequência, o que não deixa de ser normal para a idade, mas é estranho para pessoas alheias ao fato de serem protegidas por meros adolescentes (o que motiva o apelido “Os Fiascos da Filadélfia”). Não por acaso, a primeira sequência de ação do filme mostra os heróis salvando cidadãos de uma ponte, mas falhando em impedirem o colapso desta, levando o jornal local a questionar a competência do supergrupo, um artifício pouco original (já foi utilizado em Os Incríveis e Hancock), mas que funciona dentro da narrativa.

Enquanto isso, o humor permanece afiado e fiel ao conceito juvenil que rege o roteiro, que acerta ao ilustrar a personalidade expansiva dos super-heróis através da customização do esconderijo deles (méritos para o design de produção que lança mão de grafites, videogames e acessórios para preencherem o lugar) e da forma como se expressam, seja através de camisas irreverentes (e que ratificam as influências de Os Goonies) ou do próprio linguajar utilizado e que é dominado de forma natural pelos atores mais velhos (especialmente Meagan Good, como a versão adulta de Darla, a caçula do grupo). Já as gags, menos extravagantes em relação à aventura anterior, divertem através de brincadeiras com franquias famosas (aquela envolvendo Velozes e Furiosos é minha favorita) e de uma caneta mágica que rende alguns dos melhores momentos da projeção.

Se narrativamente Shazam!: Fúria dos Deuses enfrenta dificuldades para se destacar no subgênero dos filmes de super-heróis, ao menos tecnicamente deixa a concorrência para trás ao apresentar efeitos visuais que fazem os filmes da Marvel parecerem amadores (principalmente o recente Homem Formiga e a Vespa: Quantumania): se os produtos da Casa das Ideias abusam das cenas noturnas para disfarçarem limitações gráficas em virtude da própria mesquinharia (pobres profissionais de VFX...), a nova produção da Warner/DC não tem medo de posicionar a ação em plena luz do dia, com diversas criaturas digitais interagindo de forma orgânica, um feito elogiável ainda mais se levarmos em conta seu orçamento (nada robusto quando comparado ao último tropeço da Marvel/Disney).

Entregando-se a um clímax tão banal que chega a lembrar os eventos de Lanterna Verde, só para mencionar outro projeto da DC que contava com pessoas fugindo de uma imensa estrutura que destruía ruas e prédios, a produção volta a investir pesado na exposição, constrangendo ao colocar personagens soltando informações enquanto falam sozinhos (“o cajado está absorvendo energia como uma bateria”) ou simplesmente enfatizando o óbvio (“estou escorregando... eu vou cair!”), mas seu maior pecado é desperdiçar atrizes talentosas como Lucy Liu e Helen Mirren, intérpretes de antagonistas unidimensionais concebidas exclusivamente para entrarem em conflito com Shazam e seus irmãos (nem boas frases de efeito elas possuem).

Chegando ao final com uma surpresa que deve animar os fãs da DC, Shazam! Fúria dos Deuses é uma aventura leve e moderadamente divertida que mantém a nossa simpatia apesar de ter perdido um pouco da magia e do frescor do filme anterior.


Observação: Há duas cenas extras.


NOTA 5


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