"Shazam!" resgata inocência esquecida pelos super-heróis atuais
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Shazam!" resgata inocência esquecida pelos super-heróis atuais

Atualizado: 15 de mar. de 2023


Quem nunca sonhou ser um super-herói? Ter superpoderes, salvar o mundo e superar um grande vilão certamente foram desejos que povoaram a sua cabeça, ao menos durante a infância. O Cinema, claro, já retratou os super-heróis das mais diversas formas, desde versões mais sombrias e adultas como Batman – O Cavaleiro das Trevas e Watchmen: O Filme, passando por versões mais debochadas como Kick Ass – Quebrando Tudo e o recente Deadpool, e até mesmo versões mais lúdicas e juvenis como o adorado Superman de Christopher Reeve e este novo Shazam!, nova produção da DC Comics.


Seguindo na recente (e bem sucedida) linha de filmes mais leves e coloridos iniciada por Mulher-Maravilha e mantida com Aquaman, Shazam! talvez seja o primeiro dessa nova leva a se concentrar no caráter humano de seu herói. Antes de se tornar o poderoso super-herói, Billy Batson (Asher Angel) é um adolescente de 14 anos, vale lembrar. E nessa idade, principalmente graças à falta de maturidade, nossas prioridades são outras e a visão de mundo que temos é, na melhor das hipóteses, limitada. O maior trunfo do roteiro de Harry Gayden é justamente entender isso.


Após se perder de sua mãe ainda criança, Billy vive fugindo de orfanatos, fazendo das ruas seu verdadeiro lar. “Família é para quem não sabe se cuidar”, diz o jovem em certo instante, revelando não apenas alguém que não aprendeu o valor da família, como também alguém que se recusa a aceitar fazer parte de uma substituta, pois acredita que a sua verdadeira está lhe aguardando em algum lugar. Entretanto, contra a sua vontade, Batson passa a integrar um lar de acolhimento, com pais e vários irmãos adotivos, resgatados da rua como ele próprio.


Assim, quando num belo dia ele recebe os poderes de um velho mago para proteger a humanidade dos sete crimes capitais, é compreensível que seus primeiros atos sejam entrar numa loja de bebidas e exibir seus recém adquiridos dotes, pois quando ele grita Shazam (nome do tal mago), ele imediatamente se transforma num adulto musculoso vestindo um traje vermelho e com um imenso raio luminoso no peito. Você faria diferente? E é essa singela pergunta que acaba indiretamente movendo toda a narrativa e gerando um grau impressionante e fundamental de empatia.


O cineasta David F. Sandberg (Annabelle 2: A Criação do Mal) demonstra inteligência ao permitir que a história reflita a personalidade de seu protagonista, o que, por consequência, resulta numa atmosfera leve e descontraída onde nada parece ter peso e a maior preocupação do (agora) super-herói permanece a mesma: reencontrar sua mãe. Essa opção de abordagem, evidentemente, gera efeitos colaterais, já que ao drenar o peso dramático da trama, os conflitos são pesadamente diluídos. Por outro lado, a decisão jamais deixa de soar orgânica e até mesmo gags mais escrachadas como o momento onde Shazam dança o tema de Rocky Balboa enquanto solta raios pelas mãos, soa apropriada precisamente por sabermos que estamos acompanhando a história de um adolescente.


Por falar em gags, Shazam! é facilmente a produção da DC Comics com maior inclinação para o humor. “Inclinação” não, mergulho mesmo e com essa quantidade tão expressiva, era de se esperar que nem todas as tentativas funcionassem. O primeiro ato, por exemplo, mostra-se irregular tentando desajeitadamente se equilibrar entre o tom fabulesco e o farsesco. Aliás, o script abraça tão calorosamente a narrativa tradicional nesse primeiro terço que surge até mesmo uma variação da célebre frase “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, imortalizada pelo primeiro Homem-Aranha, de Sam Raimi. Passado o momento de revirar os olhos, a trama volta a engrenar assim que Batson encontra sua nova família, e sua interação com os parentes adotivos tornam-se o ponto alto da primeira metade.


Nesse aspecto, Asher Angel é hábil ao impedir que Billy se torne uma figura antipática, mesmo com as consecutivas tentativas de se isolar dos calorosos familiares. Oferecendo uma performance segura, Angel, mesmo com pouca idade, não parece sentir o peso de seu personagem, ainda que seja levemente ofuscado pelo sempre ótimo Jack Dylan Grazer (It: A Coisa), como o melhor amigo de Billy, que alcança uma combinação arrebatadora de carisma e vulnerabilidade. Porém, o grande destaque da produção é mesmo Zachary Levi (Thor: Ragnarok), que capta com perfeição o espírito juvenil que o papel demandava. Investindo em inflexões e maneirismos enérgicos, Levi jamais deixa de soar como uma criança no corpo de um adulto. O ator também aproveita seu bom timing cômico para suavizar piadas menos sofisticadas e enriquecer aquelas mais inspiradas como toda a sequência que se passa numa loja de conveniências.


Por outro lado, Mark Strong, que já encarnou um vilão da DC anteriormente no fracassado Lanterna Verde, pouco pode fazer com o burocrático Dr. Silvana, cujas motivações soam tão genéricas quanto sua história de origem. Outro ponto negativo sobre o personagem é seu visual nada cativante, todo trabalhado no preto convencional e que só não é mais decepcionante do que a patente falta de inspiração da equipe criativa em conceber uma única sequência memorável com o personagem; e nem mesmo os embates com o herói chegam a empolgar do ponto de vista da ação, o que é um problema. Felizmente, o que falta em adrenalina sobra em humanidade.


Além de resistir à tentação da megalomania, Shazam! acerta ao manter a coerência da narrativa ao ficar longe do chavão do “mundo em perigo”, o que é plenamente justificável pela visão limitada de Billy Batson, como falei mais acima. Mas a verdadeira humanidade de Shazam! reside na honestidade de seu discurso que prega igualdade, merecendo elogios pelo questionamento “de que adianta um poder se não pudermos compartilhá-lo?”, amarrando as diversas subtramas que ainda envolvem superação, inveja, egoísmo, exibicionismo, bullying e tudo aquilo presente na vida de um adolescente.


Um pouco mais contido em suas referências aos quadrinhos, o longa também merece aplausos por saber rir do seu próprio universo, tirando sarro de clichês consagrados (ser imune a balas pode ser mais divertido do que parece) sem precisar esfregar na cara do espectador o que está fazendo (ao contrário do recente Vidro). Ter grandes poderes demanda, sim, grandes responsabilidades, mas também dá para curtí-los. Nesses momentos, Shazam! torna-se o mais divertido filme da DC Comics.


Exibindo uma singela homenagem a Quero Ser Grande (sua óbvia inspiração) e a clássica cena do teclado gigante, Shazam! é um filme que sabe usar o convencional a seu favor, mostrando para aquela criança que existe dentro de cada um de nós que qualquer um pode ser um super-herói. Voar e soltar raios pelas mãos possuem seu charme, mas humanidade e empatia também são superpoderes.


Observações: Há duas cenas adicionais.


NOTA 7

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