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Foto do escritorGuilherme Cândido

Harrison Ford se despede de "Indiana Jones" em aventura digna


Presente no imaginário popular há mais de quarenta anos, Indiana Jones pode ter ficado famoso como o arqueólogo caçador de artefatos históricos que trabalha como professor nas horas vagas apresentado em Os Caçadores da Arca Perdida, aposta dos amigos Steven Spielberg e George Lucas que ainda nem sonhavam com o sucesso que alcançariam (tanto que o título sequer levava o nome do protagonista), comprovando que a ideia de criar uma franquia ainda não existia, mas o que o fez reservar um espaço permanente no coração de cada entusiasta da Sétima Arte foi a capacidade de despertar a simpatia e a empatia do público, que finalmente pôde se identificar com um herói de ação, já que os demais eram figuras anabolizadas e aparentemente indestrutíveis. Jones, no entanto, sempre foi humano, característica ressaltada por Harrison Ford, seu intérprete, em performances que valorizavam a falibilidade do personagem.

Enquanto Stallone, Schwarzenegger, Norris, Lundgren e Van Damme encarnavam protagonistas invulneráveis, que travavam combates mortais com a certeza de que venceriam, Ford criou um herói que mal conseguia escapar do perigo e quando tinha a oportunidade, não hesitava, como na famosa sequência do primeiro filme quando resolve atirar num inimigo que se preparava para um duelo de espadas. Indiana Jones se machucava, se cansava e chegava muito perto da morte, seja por meio de elaboradas sequências de ação, ou por intervenções sobrenaturais. Aliás, quando a ação descambava para o absurdo, até Jones demonstrava incredulidade e a ótima perseguição subterrânea de Indiana Jones e o Templo da Perdição (o segundo e mais fraco capítulo até então) tratou de desafiar as percepções do sujeito.

E quando pensávamos que já sabíamos tudo sobre o personagem, Spielberg e Lucas trataram de fazer o excepcional Indiana Jones e a Última Cruzada, criando uma dinâmica irresistível entre Jones e o pai, vivido pelo grande Sean Connery. Foi nessa terceira aventura que descobrimos a origem de seu nome e até tivemos um vislumbre de sua juventude, com o promissor River Phoenix, precocemente falecido, interpretando o protótipo do aventureiro cinematográfico. E se o quarto filme chegou numa época onde a influência da franquia já se mostrava mais do que evidente, com uma infestação de versões que pegaram carona no sucesso do personagem (como A Múmia e A Lenda do Tesouro Perdido, por exemplo), resultando na aventura menos impactante da saga, o quinto filme chega aos cinemas neste final de semana tendo de responder uma simples pergunta: O mundo ainda precisa de Indiana Jones?

A trama, com altas doses de déjà vu coloca o herói de Harrison Ford novamente à procura de um objeto místico antes que este caia nas mãos dos nazistas. Após uma introdução que relembra os tempos de glória de Indy e ostenta efeitos visuais tão eficazes quanto aqueles empregados pela Marvel para rejuvenescer Michael Douglas e Michelle Pfeiffer em Homem-Formiga e a Vespa, Indiana Jones e a Relíquia do Destino avança para os anos sessenta, dando prosseguimento à jornada do protagonista após os eventos de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal. Ter assistido aos filmes anteriores amplificará os efeitos das homenagens que são feitas, no entanto, se A Relíquia do Destino for sua porta de entrada para a franquia, não se preocupe, pois você não ficará perdido. Vale dizer apenas que James Mangold, herdando a direção de Steven Spielberg, presta inúmeras reverências ao consagrado cineasta, preservando assinaturas e marcas registradas.

O resultado, por outro lado, é um esforço quase obsessivo em tentar emular o estilo de Spielberg, mas que resume-se a referências apenas estéticas, já que a energia e o humor contagiantes que o ícone de Hollywood imbuiu nos quatro filmes anteriores falta ao arcabouço de Mangold, um cineasta que até angariou algum prestígio com Logan e o superestimado Ford vs. Ferrari, mas cuja carreira irregular expõe um profissional que está muito mais para mão de obra contratada do que para o autor que almejava se tornar.

Atrapalha Relíquia do Destino o fato de Mangold optar por algumas sequências de ação puramente digitais ao invés dos efeitos práticos comprovadamente eficazes e que renderam Oscars aos dois primeiros longas. O uso indiscriminado de tela verde se justificava há quarenta anos, quando ainda se apresentava como um luxo caro, mas hoje, principalmente na perseguição a cavalo, se revela contraproducente, gerando um efeito artificial que enfeia uma produção até então digna de aplausos pelas soluções encontradas para fazer do octogenário protagonista um acrobata verossímil.

Pois carisma e presença de cena não se vão com a idade e Harrison Ford comprova isso ao surgir com a mesma irreverência irônica de quarenta anos atrás, mesmo que a energia já não seja a mesma. Inteligente, o ator busca uma aproximação com o arquétipo do herói ultrapassado, lutando contra a obsolescência enquanto tenta se provar necessário. E se a trilogia da década de oitenta apresentava um herói mais humano, este quinto capítulo merece destaque por manter-se fiel à proposta inicial, já que o roteiro jamais faz vista grossa para a idade de Indy, que por sua vez, não faz a menor questão de esconder a passagem do tempo.

Sendo assim, o roteiro aproveita esse orgulho de Indy por uma vida dedicada a aventuras em prol da preservação da História como um subterfúgio para mostrar que o preço pago durante a fase final de sua carreira talvez não seja tão alto. Sim, a idade o deixou mais rabugento e melancólico, não desperdiçando oportunidades de escancarar os efeitos colaterais de conciliar os cotidianos como professor e arqueólogo, mencionando as dores e as cicatrizes psicológicas no mesmo tom jocoso que sempre marcou o personagem, antes um caçador de relíquias históricas e agora uma peça digna de ser exposta num museu, como ele mesmo diz em determinado momento à Helena, interpretada pela britânica Phoebe Waller-Bridge, postulante da vez à sucessão do trono.

Depois de apresentar Shia LaBeouf como substituto natural de Ford numa ideia logo abandonada graças aos problemas pessoais do ex-astro de Transformers (que não soube lidar com a ascensão meteórica em Hollywood), a franquia dessa vez deposita um ilusório futuro sobre os ombros da premiada estrela da série Fleabag. Ilusório, pois sabemos que a passagem de bastão nunca foi além de uma brincadeira para Steven Spielberg e George Lucas. Dessa forma, a Helena de Waller-Bridge, mesmo apresentando conhecimento, paixão e vigor físico suficientes para assumir a titularidade do papel, fica no meio do caminho entre as funções impostas pelo roteiro. A hesitação vista em O Reino da Caveira de Cristal é sentida aqui, com Helena relegada à mesma dinâmica enferrujada entre parceiros com alta diferença de idade, mas que dessa vez soma-se a um apoio emocional/físico que permite ao espectador conhecer a já citada faceta melancólica de Jones, ao mesmo tempo que preenche as lacunas entre este e o filme anterior.

Embora carregue um peso dramático até então inédito dentro da saga, não se engane: Indiana Jones e a Relíquia do Destino busca oferecer o mesmo tipo de aventura à moda antiga consagrada pelos capítulos anteriores. E mesmo que o diretor James Mangold não seja Steven Spielberg, ele mostra-se capaz de conduzir a ação com a competência necessária, especialmente durante os espetaculares primeiros trinta minutos, quando a história se move velozmente até culminar numa ótima sequência envolvendo um trem em movimento e que nos remete aos melhores momentos da franquia. Esta passagem, aliás, já deixa clara a intenção de Mangold em prestar reverência ao trabalho de Spielberg, investindo em sombras e feixes de luz nos olhos dos personagens e apresentando-os através de silhuetas, como o vilão vivido pelo extraordinário Mads Mikkelsen.

Depois de despontar como o memorável Le Chiffre de 007 Cassino Royale, o ator dinamarquês especializou-se em antagonistas de superproduções hollywoodianas e agora soma a saga Indiana Jones a uma galeria que já inclui Os Três Mosqueteiros, Doutor Estranho e Animais Fantásticos. Incorporando-se a uma franquia que nunca foi conhecida por apresentar vilões cativantes, Jürgen Voller não se diferencia tanto daqueles que já cruzaram o caminho de Indy, ainda que se beneficie da performance debochada de Mikkelsen, sendo mais um nazista a buscar o MacGuffin da vez. Ou, no caso, “os MacGuffins”.

Iniciando a história com a Lança de Longino (conhecida por ter tirado sangue de Cristo), antes de partir para a Anticítera de Arquimedes, servindo como motor narrativo, isto é, o objeto de interesse dos principais personagens, A Relíquia do Destino adota um ritmo que se não chega a ser frenético, ao menos faz as quase duas horas e vinte minutos de duração passarem despercebidas, salpicando respiros pontuais que mantém o interesse do público através de participações especiais que jamais soam gratuitas. Além disso, o veterano compositor John Williams garante a nostalgia dos fãs ao oferecer mais um ótimo acompanhamento musical retrabalhando os temas clássicos. Já os efeitos visuais, embora irregulares como complementos gráficos dos set-pieces, soam bem mais convincentes quando empregados no rejuvenescimento de Harrison Ford durante o prólogo, surgindo como uma versão aprimorada do trabalho gráfico visto no subestimado TRON: O Legado (que esbarrava na textura emborrachada do jovem Jeff Bridges), surpreendendo ao manter marcas de expressão, por exemplo.

Sempre divertido e ocasionalmente taciturno, este prometido capítulo final ainda faz uma brincadeira com uma tendência particularmente enervante das grandes produções contemporâneas (especificamente aquelas encarregadas de finalizar sagas) e que não revelarei para manter este texto livre de spoilers, mas que escancara a diferença de mentalidade entre os que dominaram a Indústria até pouco tempo atrás e aqueles que o fazem atualmente, dando um desfecho para Indy que, se não se equipara, ao menos faz jus às suas inesquecíveis três primeiras aventuras.

Num determinado momento de Indiana Jones e a Relíquia do Destino, o herói se vê no meio de uma imensa passeata e, para fugir de perseguidores, resolve puxar um grito de guerra que é imediatamente atendido pelos joviais manifestantes, mostrando que seu apelo continua intacto, mesmo perante um público possivelmente jovem demais para dimensionar a sua grandeza, num momento em que os realizadores certamente torcem para que se confirme metalinguístico, desafiando a já anunciada aposentadoria de um dos maiores e mais queridos personagens do Cinema.


NOTA 6,5


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