Projeto James Bond #23: 007 Operação Skyfall (2012)
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Projeto James Bond #23: 007 Operação Skyfall (2012)

007 Operação Skyfall

(Skyfall, 2012)

Reiniciando a série com uma abordagem realista, séria e adulta, 007 Cassino Royale cumpriu com méritos a missão de estabelecer Daniel Craig como James Bond apesar do pessimismo de muitos fãs que não conseguiam enxergá-lo como alguém capaz de assumir o legado de um ícone do Cinema. O fato de aquele ter sido um grande filme, um dos melhores da série, gerou um tremendo efeito colateral, pois estabeleceu um padrão praticamente inalcançável às continuações futuras. O problema é que 007 Quantum of Solace sequer conseguiu ser um bom longa-metragem, dificultando uma tarefa já complicadíssima ao mostrar-se incapaz de ser até mesmo comparado à estreia de Craig como Bond. Parte do insucesso de Quantum of Solace como narrativa, porém, residiu em justificativas que iam além do filme, como expliquei na crítica sobre o filme. Afinal, entre 2007 e 2008 inúmeras produções foram afetadas pela greve dos roteiristas.

Não bastasse a obrigação de restaurar a confiança dos fãs, abalada com o tropeço representado pelo filme anterior, os produtores de 007 ainda tiveram de lidar com o peso simbolizado pelo aniversário de cinquenta anos da franquia, iniciada em 1962 com 007 Contra o Satânico Dr. No. Em outras palavras, mais do que um bom filme, a nova aventura de James Bond deveria homenagear e fazer jus às vinte e duas que vieram antes. Para tocar o projeto, Barbara Broccoli e Michael G. Wilson não pouparam esforços (e recursos) para contratarem a melhor equipe possível e repetiram a arriscada aposta num diretor sem muita afinidade com filmes de ação.

O fracasso de Marc Forster em Quantum of Solace não impediu a dupla de produtores de procurar o vencedor do Oscar Sam Mendes (por Beleza Americana) para dirigir o que deveria ser o capítulo mais especial da franquia. O cineasta não só topou o desafiou como se cercou de alguns dos maiores talentos da indústria, como o diretor de fotografia Roger Deakins (Bravura Indômita) e o compositor Thomas Newman (quinze vezes indicado ao Oscar). O olhar de Deakins para a ação é percebido em vários momentos, mas fica escancarado numa luta em contraluz, investindo em silhuetas que agregam valor artístico ao filme. O veterano duas vezes vencedor do Oscar é responsável por fazer de Skyfall uma das produções mais esteticamente refinadas da franquia. Já Newman opta por uma mescla de composições modernas com o pontual uso das melodias clássicas de John Barry e Monty Norman, tocadas em momentos que reverenciam o passado da franquia, como ao vermos o emblemático Aston Martin de 007 Contra Goldfinger (equipado com o famoso botão de ejeção).

A nostalgia, como não poderia deixar de ser, é um sentimento muito explorado por 007 Operação Skyfall, que apela à memória afetiva dos fãs da série através de inúmeras referências que se ajustam à proposta de correção de rota empregada pela produção após o decepcionante filme anterior. O aniversário de 007 cai como uma luva, pois dá à equipe criativa chances de retomar a mitologia da franquia numa via de mão dupla, já que além de servirem como tributo, são incorporadas à nova fase, oxigenando-a ao trazer velhos personagens com novas caras.

Os escritórios modernos e repletos de equipamentos tecnológicos (como painéis touch screen e imensas telas) do MI6 são substituídos por ambientes mais rústicos, assim como nos primeiros filmes de James Bond, com cenários construídos à base de madeira e alguns elementos que farão a alegria dos fãs (como a mesa da secretária de M). Além disso, o já citado resgate de personagens clássicos que compreensivelmente ficaram de fora dos dois filmes anteriores, coloca atores mais jovens para viverem figuras queridas da série. Não como referências gratuitas, pois todos servem à trama principal trazendo questionamentos que enriquecem o discurso do filme.

É o caso de Q, por exemplo, imortalizado pelo saudoso Desmond Llewelyn em 17 filmes e rejuvenescido ao ser interpretado por Ben Whishaw (Perfume: A História de um Assassino), tornando-se um garoto prodígio da tecnologia que é cooptado pelo MI6 para defender a Grã-Bretanha de possíveis ataques cibernéticos, modernizando também sua função dentro da história. A atualização do contexto dá total liberdade para Whishaw redefinir a divertida relação do rabugento Q com o debochado Bond, personificando um dos argumentos centrais do filme: o eterno conflito entre o velho e o novo. Agora, Bond desdenha de Q em função de sua pouca idade, ao passo que o quartel-mestre assume uma faceta arrogante ao julgar-se tão capaz quanto o agente, já que é peça fundamental no xadrez digital.

Nesse ponto, o roteiro de Skyfall chega a superar o de Cassino Royale, ecoando seu discurso em vários núcleos da história. O MI6, por exemplo, tem sua relevância questionada visto que os agentes já não são mais os únicos recursos disponíveis, ao passo que tanto M, quanto Bond, se veem como relíquias tentando sobreviver num cenário cada vez mais hostil às tradições. Baluarte dos métodos do passado, Bond é a principal arma de M na luta contra a obsolescência, na tentativa de comprovar que o fator humano ainda é crucial nas missões.

E é aí que entra Silva, vilão interpretado pelo espanhol Javier Bardem, pois é ele quem toca essa ferida aberta nos corredores do Serviço Secreto Britânico e dispõe de instrumentos suficientes para abalar a confiança da Inglaterra nos métodos antiquados do MI6. Vencedor do Oscar pelo memorável Anton Chigurh de Onde os Fracos Não Tem Vez, Bardem tornou-se um especialista em vilões e mostra ser a escolha perfeita para rivalizar com Bond num contexto tão especial como o aniversário da série. Apresentado de forma criativa ao surgir no fundo de uma imensa sala caminhando em direção a Bond (e à câmera) enquanto faz o típico discurso de um vilão ‘Bondiano’, Silva destaca-se pela performance afetada de Bardem, sem jamais deixar de representar perigo, sendo responsável também por uma cena marcante onde Bond sugere a ele que pode já ter se relacionado com homens no passado. Aliás, o roteiro de Skyfall promove um legítimo mergulho na história de James Bond, fornecendo informações pequenas, mas reveladoras, como os nomes de seus pais e o local onde cresceu.

Enquanto isso, Daniel Craig segue eficaz como o agente secreto: surgindo com uma barba por fazer que demonstra não apenas a decadência física de 007, que relaxa em relação à sua aparência após os eventos da excelente e surpreendente sequência pré-créditos, como denuncia através dos fios brancos seu envelhecimento. Craig é eficiente ao retratar as mudanças sofridas por Bond, que aos poucos retoma a velha forma, mas passa por maus bocados até recuperá-la. O ator britânico também possui enorme química com Judi Dench, cuja M ganha ainda mais importância ao protagonizar uma subtrama com Bond que encerra um longo arco envolvendo o relacionamento iniciado em 007 Cassino Royale. E se Cassino Royale apresentou Vesper Lynd como uma bond girl inesquecível, Skyfall acaba colocando poucas beldades no caminho de 007, já que, com a introdução de algumas figuras do passado do agente, sobra pouco espaço para o desenvolvimento de potenciais amantes. Berenice Marlowe é a mais próxima de conseguir um arco próprio, saindo-se bem ao encarnar uma figura que seria ainda mais fascinante caso tivesse um tempo de tela maior.

Já os créditos de abertura atingem um grau altíssimo de sofisticação, com animações que impressionam pela qualidade e também por refletirem a história que viria a ser contada sem apelar para silhuetas femininas dançantes. Beneficiada pela voz potente e inconfundível de Adele, prodígio na época e presença recorrente em premiações graças ao seu talento, a canção-tema fez muito sucesso e ficou marcada como a primeira da série galardoada com o Oscar. “Skyfall” deve ter sido motivo de orgulho dos produtores, já que trouxe de volta a tradição da série de atrair grandes intérpretes e presenteou o público com uma música que conseguiu ser moderna sem abandonar as raízes tradicionais.

A ação, embora menos frequente do que no capítulo anterior, impressiona pela escala, deixando transparecer os 200 milhões de orçamento que ficaram pequenos diante da bilionária bilheteria que fez de Operação Skyfall o 007 mais lucrativo da série. Os dois melhores momentos da produção, vale ressaltar, são a ótima perseguição de moto que ocorre logo no início e toda a sequência que começa num tribunal e termina numa estação de metrô. Méritos também para o montador Stuart Baird, que injeta energia sem sacrificar a compreensão do que está acontecendo, além de prezar pelo entendimento da geografia de cena. Em contrapartida, o confronto final entre Silva e Bond pode ganhar pontos por ecoar os temas do roteiro, mas causam estranheza pelo flerte com Esqueceram de Mim e o distanciamento da tradição da franquia.

Funcionando como um reboot dentro de um reboot, 007 Operação Skyfall aproveita a comemoração pelos 50 anos de James Bond para voltar às suas raízes, reapresentando personagens e fazendo acenos a cenários e elementos clássicos da franquia, aproveitando-os para uma bem-vinda correção de rota após o decepcionante 007 Quantum of Solace. Vale lembrar que embora a série tenha optado por retomar o modelo tradicional, James Bond permanece o mesmo e seu desenvolvimento como personagem continua a pleno vapor, agora com o benefício da curiosidade de vê-lo adaptar-se à modernidade. Pois se há um legado indiscutível deixado pelo Bond de Daniel Craig é o eterno dilema entre o velho e o novo, passado e futuro, tradição e modernidade que acaba saindo do âmbito narrativo para contaminar a natureza do próprio herói.


NOTA 8


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