Em 'Maestro', Bradley Cooper evolui como ator e diretor, mas não como roteirista
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Em 'Maestro', Bradley Cooper evolui como ator e diretor, mas não como roteirista


Ator que começou de muito baixo em Hollywood (fez uma ponta constrangedora em Um Time de Malucos, por exemplo), Bradley Cooper aos poucos foi galgando posições, conquistando espaço, primeiro, como galã. Estrelou comédias românticas bem-sucedidas como Ele Não Está Tão Afim de Você e Sim, Senhor, mas também esteve em Maluca Paixão (que rendeu o famigerado Framboesa de Ouro de Pior Atriz a Sandra Bullock no mesmo ano que conquistou o Oscar por Um Sonho Possível). No entanto, sempre batia na trave ao tentar projetos maiores (ao menos deve agradecer por ter perdido o papel de Lanterna Verde para Ryan Reynolds).


Para se provar, tentou se desvencilhar dos papéis de galã, atirando para todos os lados. Fez terror (O Último Trem e o fraco Caso 39) e passou a ser figurinha carimbada na Indústria logo após o fenômeno Se Beber, Não Case, mas embora tenha conseguido ficar em evidência graças ao fracassado blockbuster Esquadrão Classe A e o inesperado sucesso de bilheteria Sem Limites, ainda faltava uma produção para conquistar prestígio, o que finalmente aconteceria graças a David O. Russell e seu excelente O Lado Bom da Vida. Divisor de águas em sua carreira, o papel do bipolar Pat Solitano rendeu uma surpreendente indicação ao Oscar, feito que se repetiria nos dois anos seguintes com os ótimos Trapaça (também de Russell) e Sniper Americano (de Clint Eastwood)

Com o talento reconhecido, Bradley Cooper pôde começar a pavimentar seu caminho rumo aos filmes autorais e o remake de Nasce Uma Estrela foi justamente seu debute como diretor e roteirista. Sucesso arrebatador de público e crítica, a produção o levou mais uma vez ao Oscar e ainda mostrou suas credenciais como realizador. Outros bons filmes e uma trilogia dos Guardiões da Galáxia mais tarde, eis que surge a oportunidade de protagonizar a cinebiografia do lendário maestro Leonard Bernstein (1918–1990). Martin Scorsese chegou a orbitar o projeto antes deste cair nas mãos de Steven Spielberg, que já havia escalado seu colaborador Josh Singer para escrever o roteiro. No entanto, a paixão de Bradley Cooper não apenas pelo papel, mas pela trajetória de Bernstein era tamanha, que Spielberg achou melhor que o próprio ator tomasse as rédeas do projeto. Sem hesitar, ele assumiu a direção e passou a trabalhar com Singer no roteiro.

Produzido por Martin Scorsese e pela Amblin de Steven Spielberg, Maestro foi exibido sob elogios no Festival de Veneza, enfim chegando com exclusividade ao catálogo da Netflix nessa penúltima semana do ano. Essa versão da história de Leonard Bernstein, talvez o maior maestro estadunidense do século XX e um dos nomes mais influentes da Música Clássica Moderna, sendo um dos responsáveis por popularizá-la, vem se estabelecendo como um possível candidato ao próximo Oscar.

O que salta aos olhos logo de cara em Maestro é a impressionante evolução de Cooper como cineasta: iniciando a projeção com uma tomada grandiosa que começa no quarto do jovem Bernstein e termina revelando a magnitude do teatro no qual se encontra, o realizador mostra um apreço por raccords que traz sofisticação e fluidez ao desenvolvimento da história. Além disso, ao lado do diretor de fotografia Matthew Libatique (A Baleia), cria planos evocativos, como aquele em que, num aposento escuro, filma uma enorme janela como se fosse um palco com as cortinas fechadas, posteriormente revelando-se o quarto que Bernstein dividia com um affair.

Da mesma forma, a performance apaixonada como o maestro e que oferece desafios por englobar diferentes períodos de sua vida, fica evidente na dedicação absoluta que exibe em cena. Trabalhando cuidadosamente o tom de voz e personificando maneirismos, Cooper se destaca não apenas por evocar a complexa personalidade do músico, merecendo destaque na cena em que Bernstein mostra-se numa intensa luta psicológica enquanto decide se deve ou não revelar um segredo à filha, mas também pela energia ensandecida que injeta nas sequências que mostram Bernstein regendo. Nesse sentido, a longa passagem envolvendo um concerto numa catedral representa um dos pontos altos da carreira de Cooper como ator e o credencia para mais uma disputa pelo Oscar.

Por outro lado, essa evolução apresentada na frente e atrás das câmeras não se reflete em suas habilidades como roteirista, mesmo ao lado de um profissional gabaritado e experiente como Josh Singer (vencedor do Oscar por Spotlight e responsável pelo script de obras igualmente notáveis como O Primeiro Homem e The Post - A Guerra Secreta. Assim como aconteceu em Nasce Uma Estrela, o Bradley Cooper roteirista demonstra uma verdadeira aversão a conflitos, colocando obstáculos nas vidas de seus personagens, mas quase sempre fugindo pela tangente logo depois. É o que acontece, por exemplo, na relação entre o protagonista e sua filha mais velha. Na já citada conversa entre os dois, quando ela busca esclarecer um boato envolvendo a sexualidade do pai (que mesmo hesitando acaba mentindo), a história segue até que pai e filha retomam contato. Eles conversam como se ela já soubesse a verdade (“não quero falar sobre isso”, chega a dizer). Ora, como a jovem descobriu a mentira do pai? Qual foi sua reação? E Leonard, como se defendeu? Ele foi perdoado?

Os roteiristas parecem satisfeitos com a mera introdução de um conflito, seguindo em frente sem se preocupar com os desdobramentos. Estranhamente, eles se entregam a grandiosos embates mais tarde, principalmente entre Leonard e Felicia, sua esposa, escancarando que tais choques não são episódios orgânicos dentro de um relacionamento longo, mas sim eventos artificiais para atenderem às demandas da trama. Além de pular momentos-chave da vida do maestro, Cooper e Singer ainda escorregam feio nos diálogos expositivos, como no primeiro encontro entre Leonard e Felicia (uma troca embaraçosa de biografias) e a participação em um programa de TV (fazendo uma retrospectiva do casamento dos convidados).

E já que mencionei Felicia Montealegre, atriz costarriquenha que conviveria com Leonard Bernstein por 27 anos até perder a batalha contra um câncer, é impressionante como sua intérprete simplesmente rouba o filme para si. Mesmo dona de um currículo que inclui obras excepcionais como Drive e Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi e tendo trabalhado com artistas renomados como Baz Luhrmann e os Irmãos Coen, Carey Mulligan, confesso, nunca chegou a me convencer. Talvez por performances irregulares, muitas vezes sem energia, ou por simplesmente lhe faltar uma personagem que revelasse seu repertório. Pois, desta vez, é impossível não reconhecer os talentos dramáticos da atriz duas vezes indicada ao Oscar, cuja personagem é quem sustenta o maior peso dramático do filme.

Quem ainda torcer o nariz para a atriz, pode dizer que Felicia é quem apresenta os principais conflitos da história e motiva o protagonista, ou seja, é quem tem as melhores oportunidades mesmo diante de um Bradley Cooper sublime em cena (e sob a própria direção). Mas qualquer hesitação em apontar esta como a performance da vida de Mulligan se dissipa durante o terceiro ato, quando é encarregada de interpretar Felicia em seus piores e derradeiros momentos.

Claro que isso tudo serve para mostrar que Cooper também é um produtor de mão cheia, tendo arquitetado um Oscar Bait quase perfeito. Na verdade, se é perfeito ou não, só saberemos em 10 de Março, quando os vencedores forem anunciados, mas a verdade é que ele mostrou ter feito o dever de casa. Com o prêmio de atuação principal tradicionalmente indo para as mãos de intérpretes que se submeteram a longos processos de maquiagem ou transformações físicas, é claro que o astro daria um jeito de surgir em cena sob engenhosas próteses que o deixam, com espantoso realismo, com a aparência de um idoso. Em contrapartida, a produção exagera ao colocar o protagonista para ostentar um voluptuoso nariz postiço, algo que distrai o espectador mais do que aumenta a proximidade física entre ator e biografado.

No final das contas, por mais que tenha me incomodado com o trabalho de Cooper como roteirista, preciso elogiar a sensibilidade com que ele retrata o complexo estado psicológico de Felícia, parte de um relacionamento peculiar. Afinal, ela redefine os padrões de compreensão ao aceitar que o marido saia ocasionalmente com outros homens, já que tem plena consciência de que jamais poderá suprir todas as suas necessidades, pedindo apenas discrição como condição. Ao invés de nutrir ciúmes ou rancor, ela se apega ao inexorável sentimento que une o casal, algo que Bernstein jamais conseguiria com outra pessoa, independentemente do gênero.

Da mesma forma, mesmo que o roteiro seja insuficiente ao trabalhar o dom de Leonard Bernstein, optando por se ater a sua vida conjugal, Maestro é verossímil como poucos ao retratar a natureza solitária de alguém que vive de escrever, resultando num dos diálogos mais inspirados do longa (e que reproduzo com ligeiras modificações): “Uma pessoa criativa, um escritor, seja ele de partituras, romances ou roteiros se comunica com o mundo de uma forma muito privada e tem uma vida interior grandiosa, mas não a exterior.”

Com isso, o segundo trabalho de Bradley Cooper como autor, o primeiro a frente de um Original Netflix, pode até cometer erros semelhantes à sua estreia cinco anos atrás, mas revela um artista em franca evolução e cuja determinação dá indícios de que o caminho certo já está sendo percorrido. O destino, esperamos, parece ser uma questão de tempo.


NOTA 7,5


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