Estilo de Wes Anderson não disfarça falta de substância de "Asteroid City"
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Estilo de Wes Anderson não disfarça falta de substância de "Asteroid City"

Atualizado: 14 de ago. de 2023


Conhecido pela forte identidade visual empregada em seus filmes, Wes Anderson é o tipo de realizador que deveria ser encarado como um patrimônio do Cinema. Responsável por obras excepcionais como O Grande Hotel Budapeste e a animação em stop-motion O Fantástico Sr. Raposo, Anderson geralmente era capaz de impedir que os predicados estéticos de seus projetos soassem como floreios, utilizando seu estilo marcante em prol de narrativas envolventes e povoadas por personagens fascinantes. Infelizmente, não é esse o caso de Asteroid City, primeira obra da filmografia de Anderson em que a forma se sobrepõe ao conteúdo. Ou, no caso, há muito estilo para pouquíssima substância.

Ambientado numa cidadezinha fictícia que além de dar nome à produção divide semelhanças pontuais com Roswell e Los Alamos, Asteroid possui apenas 87 habitantes, mas um evento dedicado a homenagear jovens e brilhantes cadetes acaba atraindo um contingente incomum de pessoas, desde uma estrela de cinema até uma família abalada por uma tragédia. Além disso, o roteiro escrito pelo próprio Wes Anderson dá conta de adicionar uma camada metalinguística, fazendo com que toda a realidade retratada no lugar seja apenas uma peça teatral, cuja encenação está sendo televisionada. O autor da obra, inclusive, é um dos participantes, assim como o diretor e até mesmo o narrador.

A premissa instigante ainda é beneficiada pela visão peculiar do cineasta texano, que faz questão de incluir todas as suas marcas registradas, desde os planos simétricos, passando pelos enquadramentos milimetricamente planejados, os rígidos movimentos de câmera e as cores fortes. Além, claro, de uma galeria de personagens capaz de dar vazão aos diferentes tipos de humor presentes no versátil arcabouço do diretor, que pega elementos emprestados das screwball comedies (os diálogos rápidos) e até mesmo da deadpan comedy (manejada com perfeição pelo cineasta finlandês Aki Kaurismaki e que consiste em extrair humor de personagens inexpressivos). Isso tudo embalado numa estrutura que deixa claro o absoluto domínio de Anderson sobre a linguagem cinematográfica, lançando mão de recursos que vão desde a razão de aspecto até a utilização de cores e ângulos holandeses.

O problema é que todos esses predicados estão a serviço de uma narrativa que vai se tornando desinteressante à medida que percebemos que Asteroid City é, na verdade, uma história oca, ao contrário do recente A Crônica Francesa, por exemplo, veículo utilizado pelo cineasta para tecer comentários políticos e sobre a Arte. Aqui, tudo parece feito para orbitar o pacote Wes Anderson, como se o filme fosse feito sob medida para agradar aos fãs do seu estilo. A partir do momento em que o espectador compra a ideia, Anderson parece pouco interessado em oferecer algo mais. O protagonismo, por exemplo, é pulverizado entre os personagens. Se inicialmente temos Jason Schwartzman, colaborador habitual do diretor, tendo uma importância considerável dentro da história, logo Edward Norton surge em cena reivindicando seu espaço, até que Scarlett Johansson rouba as atenções para si.

Não ajuda o fato de Anderson inchar o elenco ao conceber papéis para praticamente todos os grandes atores com quem trabalhou nos últimos anos, fazendo com que nomes como Steve Carell, Margot Robbie e Jeff Goldblum se contentem com um tempo limitadíssimo de tela, o que não deixa de ser frustrante, ainda mais se levarmos em conta o talento dos três. Em contrapartida, Schwartzman é o que chega mais próximo de ter seu personagem desenvolvido, pois além de se beneficiar da química com Scarlett Johansson, é ele o responsável por ancorar dramaticamente a narrativa, já que o enlutado pai de família que interpreta possui tempo suficiente para ser explorado pelo roteiro.

Isso não impede, claro, que Asteroid City seja um deleite para os olhos, sendo mais uma obra da filmografia de Anderson a exibir um design de produção absolutamente irrepreensível, conferindo personalidade à cidade-título, mas sem abandonar completamente a aura cênica. Os figurinos também marcam pontos positivos para o projeto, algo já recorrente na carreira de um realizador cuja atenção quase obsessiva ao visual costuma elevar o nível das histórias que conta. E não deixa de ser divertido ver como Anderson jamais se permite conceber um enquadramento que não seja simétrico (a não ser que isso sirva para complementar algo dentro da narrativa), fazendo com que um simples passo lateral de um ator seja suficiente para fazer a câmera buscar a centralização novamente.

Assim, por mais que Asteroid City ofereça um entretenimento acima da média do que tem chegado às telas hoje em dia, não deixa de ser uma das obras menos eloquentes de Wes Anderson, um cineasta que já começa a ter dificuldades para evitar o desgaste proveniente de seu estilo. Que ele não demore a encontrar novas formas de surpreender o público dentro de sua peculiar e especial visão.


NOTA 6


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