"Megatubarão 2" decepciona ao se levar a sério demais
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Megatubarão 2" decepciona ao se levar a sério demais

Atualizado: 11 de ago. de 2023


Quando Megatubarão estreou em 2018, poucos levavam fé na combinação entre tubarões gigantes e o carrancudo Jason Statham. Havia uma certa curiosidade para saber se a produção seguiria os passos da franquia trash Sharknado ou se trilharia o caminho de um cinema mais clássico, inaugurado por Steven Spielberg com o seminal Tubarão (1975) e que rendeu uma série de obras produzidas na esteira do seu sucesso, como Do Fundo do Mar (1999) e Águas Rasas (2016). O orçamento volumoso, fruto de um investimento chinês, já havia apontado o caminho e Megatubarão acabou faturando alto nas bilheterias, surpreendendo até a Warner, estúdio responsável.


Dos mais de 520 milhões de dólares arrecadados, 152 milhões vieram somente do mercado chinês, atraído pelas estrelas locais presentes no elenco. A quantia superou, inclusive, a bilheteria norte-americana, que não passou dos 150 milhões. Diante de tamanho sucesso, era inevitável que veríamos novamente Jason Statham contra megalodontes num futuro bem próximo. Esse futuro chegou e se chama Megatubarão 2, produção que ampliou suas conexões com os chineses (o investimento foi mantido, afinal), incluindo ainda mais diálogos em mandarim e garantindo a participação de Wu Jing, um dos grandes nomes do cinema chinês contemporâneo.

Meg 2: The Trench (no original), apesar de contar com um apoio massivo vindo do país asiático, segue a clássica fórmula Hollywoodiana que há décadas dita a política de continuações: repetir o que deu certo e aumentar a escala. O problema é que os realizadores parecem não ter entendido que o segredo por trás do inesperado sucesso do primeiro filme residia no fato de o roteiro jamais se levar a sério, investindo num tom aventuresco descompromissado que permitia ao espectador rir do absurdo de sua premissa e se divertir com o desenvolvimento ainda mais ridículo da história.


Após um prólogo que ilustra a cadeia alimentar da época na qual os megalodontes reinavam absolutos, isto é, há 65 milhões de anos, com uma infinidade de animais pré-históricos recriados em CGI e culminando na majestosa primeira aparição do verdadeiro astro da produção (o megatubarão do título), somos reapresentados a Jonas Taylor (Jason Statham), agora um “eco guerreiro” que aceita missões em prol do meio ambiente, como denunciar empresas responsáveis por descarte ilegal de resíduos químicos no mar. Mas sua fama como “matador de megalodontes” não demora a seguí-lo, fazendo com que seja contratado para explorar, mais uma vez, a termoclina, local explicado didaticamente pelo filme anterior como “o fundo falso” do oceano e que abriga os tais megalodontes.

Tal missão, na verdade, se revela como uma longa explanação dos realizadores sobre o potencial criativo oferecido pelo lugar. Criado especificamente para o filme, a termoclina apresenta uma vegetação singular, com espécimes coloridos e bioluminescentes, além de possibilitar outras criaturas colossais. Estamos diante de uma produção do mesmo estúdio de Godzilla e King Kong, afinal, e a Warner não perde tempo. Aliás, eu não ficarei surpreso caso anunciem um projeto unindo os três monstros, mas voltemos ao presente.


A primeira hora de Megatubarão 2 passa muito longe daquilo que se espera de um filme como esse e que foi prometido pelo departamento de marketing. Ao invés de focar na interação das criaturas pré-históricas com o mundo moderno, o roteiro escrito a seis mãos opta por atirar os personagens em sequências subaquáticas desinteressantes, apostando num suspense tremendamente malconduzido, já que fica evidente que vários momentos são esticados para gerar expectativa e engordar a duração da projeção. Ao invés de sustos e tensão, a produção acaba por provocar apenas bocejos.

O cineasta Ben Wheatley, que despontou com o bom Free Fire: O Tiroteio (2016) e teve a audácia de comandar o remake de Rebecca (2020), clássico de Alfred Hitchcock, até traz boas soluções visuais, como na ótima movimentação da câmera ao acompanhar as lutas corporais, sempre com poucos cortes e bons ângulos. O britânico, inclusive, sugere uma bem-vinda conexão entre os dois grandes rivais da história, os Humanos e os Tubarões: repare como a forma com que a câmera passeia pelo corpo do monstro a partir do seu olho é a mesma utilizada para percorrer o submersível pilotado pelo herói e cuja escotilha é redonda.


Os pontos positivos param por aí, pois Wheatley também é o responsável pelo redirecionamento da franquia. Se a obra anterior abusava do tom aventuresco para embalar uma trama descompromissada, esta continuação resolve aproveitar a figura de Jason Statham, um dos maiores astros de ação em atividade, para fazer uma mudança brusca de gênero. A fim de se adequar à nova demanda de sequências de ação, até o coadjuvante DJ (Page Kennedy), que no longa de 2018 sequer sabia nadar, agora sabe até lutar, transformando-se numa espécie de Jason Bourne ao aniquilar inimigos com poucos golpes, incluindo socos poderosos e chutes rodados, além de carregar uma mochila repleta de armas e “itens de emergência”.

Outra novidade, essa mais sensível e ainda mais problemática, é o fato de a produção se levar a sério demais, tornando impensável a inusitada sequência do filme anterior com Jason Statham nadando para longe de um tubarão enquanto cantava “Continue a Nadar”, imortalizada pela Dory de Procurando Nemo. A equipe de roteiristas, curiosamente a mesma do sucesso de 2018, acha mais importante adicionar uma descartável consciência ambiental tão deslocada que chega a ser cafona, como os comentários sobre a exploração do meio ambiente e o comportamento predatório dos seres humanos. Infelizmente, o único discurso que funciona é aquele direcionado aos ricos, mas que só aparece na meia hora final, coincidentemente a melhor parte do filme.


Nesse período, a produção entrega tudo aquilo que prometeu, abraçando a galhofa de vez ao mostrar os tubarões se esbaldando num arquipélago repleto de milionários desavisados. É quando vemos Jason Statham armado com arpões explosivos e pilotando um jet-ski enquanto tenta diminuir o número de vítimas que, seguindo uma tendência recente de Hollywood, fazem parte da elite econômica. Assim como aconteceu em O Menu e Triângulo da Tristeza no ano passado, os ricaços são encarados como figuras repugnantes, hedonistas e inescrupulosas, preocupadas apenas com dinheiro e prontos para serem castigados. Era para o filme todo seguir essa dinâmica, mas infelizmente isso só representa os trinta minutos finais.

Até lá, somos bombardeados com diálogos tenebrosos servindo apenas para transmitirem informações do jeito mais artificial possível. Para demonstrar uma característica de Jonas: “Você sempre se arrisca demais”. Para enfatizar a recompensa da missão: “Bilhão com B?”. Ou para mostrar as dificuldades impostas pelo fundo do mar: “é impressão minha ou andar 3 km na água é uma tarefa árdua?”. Para piorar, também há aquele tipo de diálogo que explica exatamente o que estamos vendo, como quando um determinado personagem, que teve a brilhante ideia de tentar domesticar um tubarão gigante (nem me pergunte o motivo), vê o aquário vazio, com um enorme rombo na grade de contenção e solta um “deve ter escapado”. E o que dizer do momento em que alguém acha um telefone por satélite e imediatamente consegue pedir por resgate simplesmente após apertar um botão e dizer “Alô? É do ‘Resgate Global’?” Depois dessa, quase dá para entender a forma trôpega com que descobrimos a motivação dos vilões (“aqui é o único lugar que dá para extrair isso”).


E por falar em vilões, nosso “eco guerreiro” acaba entrando em conflito com duas caricaturas: uma executiva endinheirada e que obviamente é vista tomando champanhe num apartamento de luxo, com vista panorâmica, enquanto diz se importar apenas com o lucro ao desdenhar da possível morte de seus funcionários; e uma versão genérica de Danny Trejo saída diretamente de um filme de brucutu da década de 80 e cuja única função narrativa é sair no braço com o protagonista.

Preocupando-se demais em tentar justificar o injustificável e trazer um propósito para uma narrativa obviamente vocacionada para o entretenimento escapista, Megatubarão 2 é um filme que tinha tudo para ser, no mínimo, tão divertido e inofensivo quanto o primeiro filme, mas que ao se levar a sério demais, só será lembrado como uma das decepções de 2023.


NOTA 4


 

Confira também a crítica em vídeo:



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