Festival Filmelier no Cinema: #1 - Herói de Sangue
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival Filmelier no Cinema: #1 - Herói de Sangue


Durante a Primeira Guerra, a França teve de apelar às suas colônias africanas para engrossar os regimentos que combatiam os alemães. Quando os voluntários se esgotavam, os líderes franceses não hesitavam em invadir aldeias com o intuito de sequestrar civis inocentes, atirando-os no meio dos campos de batalha. Aqueles que se recusavam, pagavam um preço tão alto quanto aquele cobrado aos que tentavam esconder adolescentes e jovens adultos, protegendo-os do sofrimento certo. É o caso de Bakary e Thyerno Diallo, senegaleses que tentaram, sem sucesso, escapar das garras dos franceses.


Conduzido com certa paciência durante o primeiro ato, quando o ar contemplativo permite ao espectador entender as raízes do relacionamento entre pai e filho, Herói de Sangue soma pontos pela fotografia afeita ao contraluz e a enquadramentos que valorizam as paisagens locais. Enquanto isso, o roteiro escrito pelo próprio diretor Mathieu Vadepied em parceria com Olivier Demangel, estabelece o contexto sem forçar na exposição, embora careça de urgência ao ilustrar a tensão representada pela proximidade cada vez maior dos colonizadores.

Nota-se, no entanto, um certo distanciamento que por vezes gera uma impressão negativa da produção. Não é difícil, para nós espectadores, discernir entre oprimido e opressor, mas o texto está tão empenhado em fazer ressalvas e tão temerário em apontar com firmeza, que estão sempre surgindo atenuantes. Após uma dúzia de franceses tocarem o terror na aldeia dos protagonistas, por exemplo, não demora a aparecer um oficial benevolente para corroborar a tese avessa ao posicionamento. Da mesma forma, o outro lado também possui sua parcela de vilões. Em Dunkirk, aliás, Christopher Nolan foi mais feliz ao desviar a atenção do espectador, trocando o foco no “inimigo” (lembremos que os alemães sequer eram citados) pelo caráter imediato da sobrevivência do protagonista, escapando de soar como um conto “chapa branca”. Interessa ao cineasta Mathieu Vadepied o relacionamento entre Bakary e seu filho, que é testado não apenas em combate, mas através dos seus desdobramentos, muitas vezes revertidos em conflito.

Conflito que por sinal nasce de forma boba, com Bakary e Thyerno invertendo papéis no campo de batalha a medida em que o último conquista a confiança de seus superiores e sobe na hierarquia. Enquanto o pai trabalha às margens para garantir um jeito de escapar, o filho se deslumbra com o poder e a liberdade que caem no seu colo. É o prenúncio de um desfecho óbvio em que as duas personalidades entrarão em rota de colisão na hora de decidir o que fazer ante a iminência de uma batalha decisiva e com alto potencial destrutivo. Se inicialmente Bakary leva na esportiva a interpretação do papel de subalterno perante o filho, aos poucos ele percebe que a distância entre os dois vai se alargando e não do jeito que ele imagina.

Na maior parte do tempo, porém, a produção lida de forma tímida com o contexto da guerra, evitando a todo custo abraçar um dos lados da história, algo que fica evidente na descartável narração que acompanha o epílogo, adotando chavões como “na guerra não há vencedores” com a mesma confiança assumida por um adolescente encerrando sua apresentação sobre a guerra e seus males. Com isso, a Guerra ganha um relato que peca pelo excesso de cautela, resvalando numa isenção que limita o escopo da obra.

A condução de Valdepiaud, mais conhecido pelo trabalho na equipe técnica de Intocáveis, maior sucesso e divisor de águas da carreira de Sy, evidencia um cineasta ainda cru demais para se entregar a uma narrativa tão densa como a de Herói de Sangue. Burocrático, Valdepiaud falha em injetar energia na trama, ora protocolar na concepção da ação, ora lânguido no enfoque do drama, com os picos emocionais diluídos em tropos que suplicam pelo auxílio de Omar Sy, que oferece mais uma atuação expressiva e carismática, ou seja, características que escapam da visão de Vadepied.

Até porque, quando o diretor se afasta do texto para se concentrar na ação, não se sai muito melhor. Os planos quase sempre fechados escondem a magnitude dos estragos de explosões e tiros, muitas vezes relegados a efeitos sonoros e chuvas de terra que orbitam personagens cujos contatos com os horrores da guerra são apenas esporádicos através de breves encontros com soldados desmembrados ou sobreviventes feridos. A própria participação do jovem Adama (Clément Sambou), é tratada pelo roteiro como um artifício obrigatório para manter o público a par do que está em jogo, como um lembrete pouco sutil de que Herói de Sangue é um filme de guerra.

Diante de resultados tão medianos no que diz respeito à guerra e com uma abordagem apenas superficial do contexto histórico que a embasa, cabe ao astro Omar Sy a tarefa de guiar o espectador por uma narrativa com apelo remoto para aqueles alheios ao que foi o conflito. Sy, por outro lado, como descendente de senegaleses, é uma das partes interessadas no sucesso do filme (ele também é produtor, diga-se), mas a centralização em seu personagem, quando não excessiva, apenas desfoca, dando a impressão de que há uma história mais interessante no âmago de Herói de Sangue, mas que permanecerá soterrada sob os alicerces da relação entre Bakary, Thyerno e as trincheiras.


NOTA 6,5


* Filme visto através de screener enviado pela organização do festival

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