Festival Filmelier no Cinema: #7 - A Noite do Dia 12
top of page
  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival Filmelier no Cinema: #7 - A Noite do Dia 12


Todo ano, mais de 800 homicídios são cometidos na França e apenas 20% são solucionados”, diz o letreiro que abre a narrativa, deixando claro ao espectador que no final de A Noite do Dia 12 não haverá um bandido sendo preso pelo crime cuja investigação preencherá os próximos 110 minutos de projeção. É também uma forma de o diretor e roteirista Dominik Moll mostrar que não se trata de um filme policial qualquer, apesar de seguir o caminho de obras memoráveis do gênero, como Zodíaco e Memórias de Um Crime. Moll está mais interessado nos policiais do que no próprio caso em si, que serve como mero subterfúgio para observarmos como a vida daqueles homens é afetada diariamente pela investigação. Não que o crime seja banal, afinal, trata-se de uma adolescente queimada viva.

A trama, inspirada num crime real, substitui Paris por Grenoble, cidade cercada pelos alpes franceses e palco de um crime hediondo que mobilizou toda a polícia local, justamente quando o delegado estava prestes a se aposentar, fazendo com que seu jovem substituto, o idealista Yohan (Bastien Bouillon) herdasse logo de cara o que viria a se tornar o caso mais emblemático de sua carreira.

Passada a introdução, filmada por Moll com uma crueza digna de David Fincher, La Nuit du 12 (no original) se concentra nos problemas enfrentados não apenas pela investigação, mas por seus membros. E é aí que reside o diferencial abordado no primeiro parágrafo, pois somos apresentados a profissionais verossímeis, que nunca deixam de parecer humanos. Yohan, o protagonista, é o mais fechado dentre os integrantes da força policial, mas brilhantemente desenvolvido pelo roteiro sem recorrer a qualquer tipo de diálogo expositivo.

Se não o vemos divertindo-se durante sua folga ou sequer buscando relacionamentos amorosos, é porque trata-se de um legítimo workaholic, daqueles que levam trabalho para casa e não conseguem conversar sobre algo que não seja trabalho. Além disso, também fica nítido através de gestos e atitudes (no melhor estilo “não conte, mostre”) que Yohan é educado e generoso, pois não nega ajuda a um colega que passa por problemas conjugais, oferecendo o sofá de sua casa, ao passo que apesar de evidentemente afetado pela investigação (ele chega a brigar com um amigo durante um percurso de carro), ele sempre respeita os procedimentos legais, não hesitando em repreender um oficial quando este ataca um suspeito de violência doméstica.

Pois nos meandros das apurações, A Noite do Dia 12 também articula pacientemente os elementos que comporão o discurso do roteiro, que aborda a violência de gênero com firmeza. Inicialmente, por exemplo, durante uma simples conversa descontraída no almoço, os policiais debatem sobre o matrimônio, já que o mais jovem do regimento está prestes a se casar. “Sua namorada está grávida?” pergunta alguém, escancarando a crença de que o casamento só é válido em caso de gravidez. “Não é porque o relacionamento de vocês deu errado que o meu também tem que dar”, rebate o novato.

A verdade é que quanto mais longe a investigação se vê de encontrar um culpado, mais perto fica de uma verdade inconveniente e que é verbalizada durante um depoimento: “Todos os homens são culpados”, afirma a melhor amiga da vítima alguns momentos antes de alguém questionar o fato de apenas homens estarem investigando um caso envolvendo uma mulher. Pois é praticamente inevitável num ambiente totalmente masculino esbarrar em justificativas absurdas que buscam desqualificar a vítima, especialmente quando se trata de alguém com uma vida amorosa movimentada. “Homens matam e são julgados por outros homens”, diz uma policial em certo momento. Com isso, o roteiro escrito por Moll em parceria com Gilles Marchand, preenche a lacuna deixada pela ausência de solução com um problema endêmico na Sociedade, viciada em condenar mulheres que “gostam de anormais”, como aponta um oficial que poderia muito bem ser um dos internautas que inundam as redes culpando vítimas de estupro pela forma de se vestirem, por exemplo, ao invés de se concentrarem na atrocidade cometida.

Tecnicamente impecável, A Noite do Dia 12 se beneficia de um trabalho de fotografia que merece elogios por não recorrer à típica estratégia de banhar a narrativa em tons sombrios, permitindo que a história se desenvolva às claras, com tomadas ricas em cores quentes. Também é preciso destacar a elegância de planos como aquele que sobrepõe dois policiais e a mãe da vítima ajoelhada perante o memorial da filha, num reflexo da janela de onde é observada (repare também como a luz de um poste fica estrategicamente na cabeça de Yohan). A competência do designer de produção Michel Barthélémy também pode ser constatada na forma como preenche os escritórios vistos ao longo da projeção, destacando-se o gabinete de uma juíza, repleto de pastas vermelhas que representam o amontoado de casos sem solução no qual está mergulhada. E já que mencionei os recursos encontrados para desenvolverem seus personagens, sou obrigado a reconhecer os ótimos efeitos sonoros que enriquecem situações dramáticas (note a respiração pesada de um policial prestes a invadir uma casa ou a forma que outro redige seu relatório).

E como não admirar um procedural que não tem medo de se aprofundar nos procedimentos de seus detetives? Prepare-se para vê-los tendo problemas com a impressora, preenchendo documentos (e se incomodando com distrações de outros policiais) e encerrando o expediente indo até o estacionamento. Poucas vezes foi dado tanto destaque aos detalhes burocráticos como acontece aqui, permitindo que o espectador tenha contato com etapas que não costumam se desenvolver com frequência em produções semelhantes, como o pânico que toma conta de Yohan pouco antes de comunicar uma mãe sobre o falecimento da filha.

É uma pena que o roteiro não demonstre o mesmo cuidado ao abordar a repercussão do caso na imprensa, citada por uma juíza durante o terceiro ato (“não é porque a Mídia se desinteressou que devemos parar de investigar”) sendo que em nenhum momento vemos um jornalista ou tomamos conhecimento de qualquer tipo de cobertura jornalística. Da mesma forma, a decisão de Yohan em mudar o local em que anda de bicicleta se revela como um artifício bobo em seu simbolismo e que destoa do que foi apresentado por Moll e sua equipe até então.


O que não impede A Noite do Dia 12 de ser um filme policial extremamente envolvente e bem realizado, oferecendo ao espectador uma visão diferente e original de uma investigação ao se aprofundar não apenas nos métodos de seus investigadores, mas na vida pessoal de cada envolvido.


NOTA 8

bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0