Festival Varilux 2023 | "As Bestas" é a versão de Sorogoyen para "Sob o Domínio do Medo"
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival Varilux 2023 | "As Bestas" é a versão de Sorogoyen para "Sob o Domínio do Medo"

Atualizado: 19 de nov. de 2023


Em meados de 2010, o casal de classe média Martin e Margo Verfondern resolveu deixar sua cidade-natal na Holanda e se mudar para um vilarejo no interior da Galícia, região conhecida como “O Velho Oeste Espanhol”, mas o que era para ser um refúgio pacífico no norte da Península Ibérica se transformou num pesadelo. Acontece que Martin se colocou no meio dos planos da cidade para receber um empreendimento que supostamente traria dinheiro aos poucos residentes do local. A relação entre eles se deteriorou rapidamente ao ponto de se transformar num caso de polícia. Claro que esse episódio chamou atenção, rendendo o elogiado documentário Santoalla e inspirando o cineasta espanhol Rodrigo Sorogoyen a realizar este As Bestas, longa-metragem que arrematou nove prêmios Goya (o Oscar espanhol), além de fazer boa passagem por festivais como Cannes e San Sebastián.

No roteiro escrito por Sorogoyen ao lado de Isabel Peña (O Candidato), os protagonistas são Antoine (Denis Ménochet, de Peter Von Kant) e Olga (Marina Foïs, de A Sindicalista), franceses cultos e bem educados que se mudam para o interior espanhol à procura de uma vida mais próxima da natureza. Agricultores habilidosos, eles passam a viver da terra, mas estranhamente não são aceitos pela comunidade. Antoine, adota um estilo de vida regrado: dedicando as manhãs ao cultivo de tomates e outros vegetais, ele passa as tardes dedicando-se a um trabalho voluntário, revitalizando moradias locais e encerra o dia no bar local, quando acaba esbarrando com os vizinhos.

São essas breves confraternizações que indicam ao espectador que há algo entre o gigante francês e aqueles camponeses espanhóis e aos poucos descobrimos que Antoine e Olga foram os responsáveis por impedirem a venda dos terrenos comunitários a uma empresa de energia eólica. Tal tema começa a ficar recorrente no Cinema Espanhol, pois também foi abordado no bom Alcarràs, vencedor do Urso de Ouro no ano passado. Enquanto a maior parte dos aldeotas permanece resignada, é o rústico Xan (Luis Zahera, de Infiesto, Original Netflix) quem toma para si a tarefa de extravasar o ressentimento pela oportunidade desperdiçada.

Num dos melhores momentos da projeção, Xan, interpretado com fúria e desprezo por Zahera, explica a Antoine que seus conterrâneos sempre foram miseráveis, mas só se deram conta disso quando o tal empreendimento eólico surgiu no horizonte. E o francês acabou por personificar esse futuro roubado, ceifando a chance de finalmente deslumbrar uma realidade próspera e abandonar o esforço braçal que tem lhe acompanhado desde o nascimento.

A animosidade crescente entre os dois é bem explorada por Sorogoyen, que extrai suspense e tensão, especialmente de um determinado embate noturno à beira de uma estrada, mas é graças à inquietante trilha sonora de Olivier Arson (do surpreendente Porquinha) que a produção consegue tirar o espectador de sua zona de conforto através de efeitos sonoros incômodos.

Trazendo paralelos com o indigesto Sob o Domínio do Medo (1971), As Bestas levanta discussões sobre xenofobia e conflito de classes, somando pontos importantes não apenas por conferir uma motivação plenamente compreensível aos vilões, como também por não pintar Antoine como uma criatura angelical. Quando um policial comenta sobre um suposto caso de menosprezo por parte do homem, nosso primeiro impulso é ficar ao lado do herói, mas o roteiro faz questão por corroborar essa tese mais para frente.

Aliás, se Dénis Menochet é hábil ao conectar as metáforas do roteiro, que a todo momento busca ligações com a perturbadora sequência de abertura (quando, em câmera lenta, dois homens tentam domar um cavalo). Xan se apequena perante o abrutalhado francês, que por sua vez não deixa de brincar a respeito de sua natureza animalesca (repare quando ele imita um urso durante um mergulho). Da mesma forma, Marina Foïs aproveita o fato de sua personagem possuir o mais azeitado arco dramático da história e brilha ao ilustrar as nuances que marcam a personalidade de Olga. Seria ela tão submissa ao marido como sugere sua filha? O próprio final faz questão de alimentar esse crescimento por parte da personagem.

Mesmo que As Bestas se mostre claudicante na dinâmica perniciosa entre Antoine e Xan, que renderia um filme de gênero mais contundente, merece créditos por sublinhar a beligerância que vem se revelando com uma frequência cada vez maior na Europa, ainda mais se colocarmos a política na equação (o Brexit está aí para provar). E a omissão das autoridades em casos como esse (coincidentemente, uma policial brasileira se recusou a agir essa semana e repercutiu na imprensa) só servem para encorajar o nacionalismo exacerbado.


NOTA 7

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