Festival Varilux 2023 | "Sob as Estrelas" se escora em clichês para tentar fisgar fãs de Gastronomia
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival Varilux 2023 | "Sob as Estrelas" se escora em clichês para tentar fisgar fãs de Gastronomia


Se a Gastronomia nunca sai de moda, não é errado dizer que a França é uma das maiores responsáveis por isso. Com a obra-prima Ratatouille sendo o primeiro longa-metragem que vem à cabeça ao pensarmos nisso, o subgênero dos filmes culinários já ganhou outro exemplar de respeito esse ano, com o magnífico O Sabor da Vida, exibido no Festival do Rio e, não por acaso, premiado em Cannes e escolhido para representar a França no Oscar. A produção estrelada por Benoît Magimel e Juliette Binoche, no entanto, acaba de ganhar um colega de gênero. Sob as Estrelas também chega ao Brasil graças a um Festival (no caso, o Varilux de Cinema Francês), mas nem de longe se estabelece como um concorrente ao título de Melhor Filme Gastronômico de 2023. Aliás, colocar os dois filmes na mesma frase já é injusto.

Não que o filme de estreia de Sébastien Tulard seja um completo desastre, pois não é. À la Belle Étoile (no original) narra a história real do chef prodígio Yazid Ichemrahen, que aos 23 anos de idade liderou a equipe vencedora da Copa do Mundo de Sobremesas Congeladas. Filho de imigrantes marroquinos, Yazid sempre perseguiu o sonho de se tornar confeiteiro, mas esbarrou no preconceito e na relação tóxica com a mãe. O roteiro escrito por Cédric Ido (que desistiu de dirigí-lo para comandar a ficção científica La Gravité), é adaptado da autobiografia do próprio Yazid e se divide em duas linhas temporais: uma com o protagonista ainda criança e outra focando em suas dificuldades durante a adolescência.

Ambas as perspectivas possuem problemas, principalmente graças à mão pesada de Tulard, mas o filme se aproxima da estabilidade quando se concentra nas desventuras do Yazid interpretado pelo influencer e comediante argelino Riadh Belaïche, que apesar das evidentes limitações dramáticas, tem a oportunidade de protagonizar as sequências menos artificiais da narrativa. O roteiro é especialmente eficiente ao ilustrar o esforço feito por Yazid para comparecer ao sofisticado restaurante no qual faz estágio, percorrendo 180 quilômetros apenas pela chance de aprender com um lendário chef (Jean-Yves Berteloot, excelente como sempre).

Já os primeiros anos de vida do aspirante a Chef são prejudicados pelo melodrama excessivo, que aposta na mãe do sujeito para trazer alguma carga dramática. O problema é que a marroquina Loubna Abidar é sabotada por um papel unidimensional, que não lhe permite explorar qualquer traço de humanidade. Samia é uma mulher que existe apenas para dificultar a vida do filho e, de quebra, encabeçar alguns dos momentos mais constrangedores da história (como aquele em que dá um chilique acompanhando Yazid) e proferindo as piores linhas de diálogo do Cinema Francês recente (“fala comigo, ó filho do pecado!”). Samia, aliás, é o ponto de ligação entre as duas fases do protagonista, trazendo mediocridade a ambas as encarnações do personagem.

Carros-chefes do filme, os momentos que mostram Yazid cozinhando tinham tudo para se estabelecerem como o auge da narrativa, mas fracassam miseravelmente. Minando-se já nos primeiros minutos, quando a confiança do espectador é traída graças a uma ilusão que aniquila a credibilidade da produção (passamos a questionar tudo o que vemos), essas passagens são marcadas por um estilo cafona empregado por Sébastien Tulard, “fetichizando” os alimentos através de uma câmera lentíssima como se estivesse comandando um comercial da Bauducco ou da Nestlé.

Se por um lado, Sob as Estrelas merece elogios por não dar um interesse romântico ao protagonista, o que certamente pioraria a situação, por outro, trai um princípio básico do roteiro ("não conte, mostre") ao precisar que alguém diga que um vilão é talentoso ao invés de oferecer uma oportunidade para o mesmo provar sua competência. Assim, precisamos acreditar que um determinado personagem tem condições de rivalizar com o herói apenas porque alguém diz isso. Para piorar, o antagonista é desprezível gratuitamente, já que nunca ficam claros seus motivos.

E não dá para mencionar os pontos fracos do filme sem apontar o verdadeiro culpado, que atende pelo nome Sébastien Tulard, que estreia no Cinema com o pé esquerdo. Além da já citada mão pesada, ele se embanana ao empregar conceitos básicos: repare, por exemplo, como ele investe em dois establishing shots consecutivos (aquele plano que enquadra a fachada de um estabelecimento antes de partir para o seu interior), demonstrando ter ficado na dúvida e optado por incluir ambos; ou na forma como julga necessário explicar uma elipse (a passagem de tempo que normalmente fica apenas subentendida). Meloso, Tulard também exagera nos closes dramáticos, sabotando por tabela, os esforços de seu elenco, que por sua vez já não é dos mais talentosos.

Como se tivesse uma obrigação social, o roteiro de Sob as Estrelas ainda inclui algumas breves passagens em que apenas menciona a dureza da vida de um filho de imigrantes árabes (através de duas canções). Falando nisso, o carismático personagem Manu (vivido pelo músico Dycosh), se revela uma desculpa artificial para o texto abordar o abismo que separa ricos e pobres. E o que dizer do fato de a produção se lembrar das tais estrelas presentes no título apenas na segunda metade da projeção?

Contando também com uma trilha sonora irregular (vai do piano ao sintetizador bruscamente), o longa ainda retoma uma tradição há muito adormecida: a de escalar um ator de vinte e tantos anos no papel de um adolescente, o que resume com perfeição seu desequilíbrio, ao tentar trazer uma visão europeia para uma história de estrutura hollywoodiana.


NOTA 5

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