Franquia "Caça-Fantasmas" se perde com filme frio e sem perspectiva de futuro
Atualizado: 17 de abr.
Como já expliquei no artigo que publiquei recentemente (e que pode ser lido aqui), Caça-Fantasmas é o tipo de franquia destinada à eternidade. A marca, extremamente popular (leia-se rentável) jamais descansará em paz. Dois filmes não foram o bastante para a centenária Columbia (hoje controlada pela Sony) e nem mesmo a morte de um dos criadores e membros originais foi capaz de frear a produção de um novo filme, após o fracassado reboot feminino de 2017. Mas se Ghostbusters: Mais Além, parecia ter encontrado em Jason Reitman (filho de Ivan, o diretor original) o comandante ideal para colocar a franquia de volta nos trilhos, combinando humor e emoção, este mais novo capítulo da cinessérie contraria tudo o que havia se mostrado auspicioso.
A trama de Ghostbusters: Apocalipse de Gelo respeita o tempo que se passou desde que a família Spengler deixou Oklahoma para viver em Nova York. Aqueles que não assistiram ao filme anterior não precisam se preocupar, pois além de várias referências, o roteiro faz uma retrospectiva que rememora, até mesmo, eventos dos primeiros filmes, o que possibilita a captação de novos fãs e ainda acena aos já existentes. Seguindo a mesma fórmula consagrada pela produção de 1984, Apocalipse de Gelo apresente uma poderosa entidade buscando formar um exército de mortos-vivos e congelar o nosso mundo. E se você achou os planos do vilão pouco inspirados, saiba que esta é apenas a ponta do iceberg (com o perdão do trocadilho).
A produção, agora comandada por Gil Kenan (co-roteirista do anterior e diretor de aventuras juvenis como a animação A Casa Monstro e o irregular Cidade das Sombras) enfileira personagens, mas perde uma batalha hercúlea para torná-los relevantes para a história. Especialmente o núcleo mais jovem, que deveria representar o futuro da franquia, mas carece de personalidade. Isso porque os conflitos que regem os membros da família Spengler e seus agregados são, na melhor das hipóteses superficiais e, na pior das hipóteses, irritantemente artificiais.
Phoebe (McKenna Grace, mais uma vez interpretando uma jovem superdotada), tão importante no filme anterior graças à ligação que possuía com o avô, agora é relegada a um arco dramático bobo envolvendo a pouca idade, ao passo que Trevor (Finn Wolfhard, o Mike da série Stranger Things) não dá prosseguimento ao relacionamento com Lucky (Celeste O’Connor), que apesar de se mudar com este para Nova York, é relegada ao décimo plano. Antes dela, ainda temos o divertido Podcast (Logan Kim) e o surgimento do misterioso Nadeem (Kumail Nanjiani). Para inchar ainda mais o elenco, ainda temos Callie (Carrie Coon) e Gary (Paul Rudd), agora vivendo sob o mesmo teto e encarando o lado duro de criarem adolescentes ao mesmo tempo que assumem o ofício de Caça-Fantasmas.
E por falar neles, o roteiro ainda procura espaço para encaixar os membros do elenco original, mesmo que em papéis menores, especialmente Bill Murray, que dá o ar da graça em três ou quatro momentos. Dan Aykroyd é o único que parece estar se divertindo em cena e talvez por isso seu Ray Stentz tenha sido mais bem aproveitado pela montagem. Por mais que seja agradável ver nossos velhos amigos de volta, é impossível não perceber que o roteiro não faz o menor esforço para justificar essa reunião, como fica claro quando Winston, há décadas aposentado, solta um “vamos trabalhar!” do nada, tirando o paletó para colocar a mochila de prótons.
Esse tipo de lacuna permeia vários níveis da frágil dramaturgia que rege a nova produção. Por quê Dana (Sigourney Weaver) não está presente, mas Melnitz (Annie Potts), inclusive, aparece promovida? Qual o motivo para Peter resolver aparecer equipado no clímax? Como está o relacionamento entre Trevor e Celeste? Há também uma indecisão envolvendo um possível relacionamento queer, que, provavelmente vitimado por covardia, jamais chega a algum lugar, prejudicando, inclusive, um segmento mais sensível da história.
Se falha tão miseravelmente no quesito emocional (consequência principalmente da saída de Jason Reitman), ao menos esperava-se que Ghostbusters divertisse como uma comédia, mas a verdade é que nem o humor é abundante dessa vez e até o material fornecido para os veteranos comediantes é insuficientes (Murray, tão brilhante no primeiro filme, ganha duas frases de efeito e nada a mais). Pouco conteúdo e mínimo esforço de uma produção que parece concebida apenas para lucrar, o que explica as deslocadas aparições dos mini-pufts. O que sobra é justamente o apelo à memória afetiva dos fãs, que dificilmente não abrirão um largo sorriso ao ver os Caça-Fantasmas originais devidamente uniformizados e reunidos no terceiro ato, mas pouco para uma franquia que almeja a vida eterna, mesmo que em outro plano de existência.
O elenco jovem, apesar de simpático e repleto de energia não é tratado com o devido cuidado pelo roteiro, limitando-se a figuras opacas e unidimensionais. Além disso, a obrigação de incluir o grupo original, ironicamente, traz mais problemas do que benefícios à história, pois além de insuficiente em termos narrativos, impede a série de seguir em frente e só fortalece a impressão de que não há perspectiva para o futuro, pois o núcleo criado para angariar o público mais jovem, não foi suficientemente preparado para sustentar uma marca tão pesada. Isso para não mencionar a tristeza de ver aspirantes a Caça-Fantasmas protagonizarem sequências de ação tão burocráticas, salvas esporadicamente por pequenas referências a elementos clássicos (um certo fantasma verde, por exemplo).
Usar a nostalgia para atrair o público não chega a ser um problema. Na verdade, por mais que numerosas produções sejam despejadas todos os anos nos cinemas tentando apelar para a memória afetiva do público, há algumas realmente dignas de nota, como o excepcional Top Gun: Maverick e até mesmo o já citado Ghostbusters: Mais Além. A questão é que ambos oferecem muito mais do que simplesmente nostalgia e possuem em comum justamente o elemento que faz mais falta a este mais novo Caça-Fantasmas: Coração.
Frio como sugere seu título, burocrático e repleto de furos narrativos, este Caça-Fantasmas merece mesmo a troca de título para o “Ghostbusters” original, evidenciando uma mudança de diretriz que comprova que a franquia morreu e está presa em nosso plano astral apenas graças a afeição de seus amados fãs.
NOTA 4
Observação: Como já é tradição na franquia, há uma sequência durante os créditos finais.
Parabéns pela crítica