"Infiltrado na Klan" tem Spike Lee debochando do racismo
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Infiltrado na Klan" tem Spike Lee debochando do racismo

Iniciando a projeção com um monólogo racista recheado de ódio, Infiltrado na Klan tem em Alec Baldwin o cartão de visitas da história, que dá sinais de seriedade e densidade dramática. Mas ao vermos Baldwin gaguejar e se irritar com seus erros frequentes percebemos que o humor será a principal ferramenta para retratar o preconceito racial da sociedade estadunidense da década de 70. O que Spike Lee faz, na verdade, é mostrar que, infelizmente, não houve evolução e os Estados Unidos (assim como o restante do mundo) continuam a oportunizar a intolerância racial como forma institucionalizada de pregar o ódio.


O roteiro acompanha Ron Stallworth (John David Washington, filho de Denzel) um policial negro que além de conviver com o preconceito racial em várias camadas, recebe a missão de infiltrar-se na Ku Klux Klan, entidade supremacista com quem mantém contato apenas telefônico. Para comparecer às reuniões, Ron envia seu parceiro Flip (Adam Driver, o Kyle Ren de Star Wars), caucasiano, mas que esconde sua origem judia dos adeptos supremacistas. Essa história poderia facilmente ser encarada como absurda, não fosse o "detalhe" de ser baseada nos fatos reais retratados num livro de autoria do próprio Ron Stallworth, matéria prima para o roteiro dirigido por Spike Lee (Malcolm X).


O que diferencia BlacKkKlansman (no original) de outras obras sobre o racismo, é a intenção de pregar a igualdade ao invés de focar apenas no viés revanchista por parte dos negros. Aqui, os brancos não são retratados como caricaturas unidimensionais e malignas, pelo contrário. Muitos, como Flip, aderem à causa negra sem hesitar, contribuindo para a missão de Ron. Algo que Barry Jenkins não soube equilibrar em seu novo filme, Se a Rua Beale Falasse.


Evitando qualquer traço de violência ou subterfúgio vingativo, o roteiro investe no deboche para ridicularizar os membros da KKK e seus simpatizantes. E esses momentos, carregados de ironia e acidez, revelam-se os mais divertidos da produção, como as inúmeras conversas telefônicas em que Ron passa-se por caucasiano ao falar com os supremacistas, que são encarados como os tolos que são.


Normalmente, critica-se o humor que utiliza uma minoria como escada, mas os membros da KKK, despidos de qualquer sinal de empatia ou humanidade, são a exceção, transformando-se em alvos deliciosamente fáceis. Como lidar com alguém que defende uma bíblia somente para brancos, encara negros como macacos e prega o extermínio como forma de ‘purificar’ a nação estadunidense? Caricaturas prontas, o roteiro mal precisa se esforçar para extrair humor.


John David Washington encarna Ron como um verdadeiro símbolo do Blaxploitation, pronunciando frases de efeito e agindo com a desenvoltura de um personagem concebido para ser cool (isso para não mencionar o figurino de cores fortes). Embora não tenha a virilidade que o papel demanda, Washington possui um olhar honesto que traz credibilidade ao papel, enfatizando o lado humano de Ron acima de tudo. Já Adam Driver investe numa composição mais contida, surpreendendo nos momentos mais cômicos com o generoso auxílio do afiado texto.


Alcançando a catarse com discursos distintos entre si, mas igualmente poderosos, como aquele feito por Kwame (Corey Hawkins, de Kong: A Ilha da Caveira) numa universidade e o acerto de contas entre Ron e o líder da KKK por telefone, Infiltrado na Klan encerra-se com chave de ouro ao mostrar imagens reais de manifestações racistas e brigas generalizadas, (efeitos do ódio alimentado pela sociedade), chegando ao ápice da coragem ao mostrar uma imensa bandeira dos Estados Unidos de cabeça para baixo, com o azul e o vermelho substituídos pelo preto e o branco. Isso logo depois de uma cartela com a seguinte mensagem “Não há lugar para o ódio”.


Forte, envolvente, cínico, ágil, ácido e divertidíssimo. Adjetivos não faltam para ilustrar o quão espetacular é Infiltrado na Klan. E a impressão que fica ao final é que não existe cineasta no mundo que aborde o racismo como Spike Lee. Só ele é inteligente o bastante para responder ao ódio através do humor. E é uma proeza fazer alguém rir de sua própria vergonha. Que a Academia não ouse esnobá-lo dessa vez.


NOTA 9,5

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