"Men - Faces do Medo" | Metáforas femininas são ofuscadas por final obtuso
top of page
  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Men - Faces do Medo" | Metáforas femininas são ofuscadas por final obtuso


Começando a carreira na Literatura (A Praia e No Limite da Realidade) foram adaptados de livros dele, o britânico Alex Garland aos poucos foi expandindo seu trabalho para outras mídias. Primeiro enveredando pelo caminho do Cinema, estreando com Extermínio e depois assinando Sunshine – Alerta Solar (ambos dirigidos pelo conterrâneo Danny Boyle), partiu para os games (é dele a reinvenção de Devil May Cry), até emplacar mais um ótimo filme, o subestimado Dredd – O Juiz do Apocalipse.


Dois anos depois, Garland decidiu dirigir seu próprio roteiro, impressionando a indústria com o excelente Ex_Machina: Instinto Artificial, que não apenas lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original como levou a estatueta por Melhores Efeitos Visuais, desbancando filmes mais badalados, como Mad Max: Estrada da Fúria e O Regresso. Já Aniquilação, seu segundo projeto como roteirista e diretor, revelou uma coragem admirável por parte do agora cineasta, desafiando o público com um longa-metragem provocador e repleto de ambições, mas que dividiu opiniões. Entretanto, se foi capaz de gerar debates acalorados, uma certeza Aniquilação foi capaz de oferecer: a de que Alex Garland não era o tipo de realizador conformista, pois demonstrava ser incapaz de permanecer em sua zona de conforto. Men – Faces do Medo, seu mais novo filme, ratifica essa constatação, pois além de trilhar um caminho tematicamente desafiador (e controverso), Garland novamente dá de ombros às expectativas da indústria, oferecendo outra obra que dividirá opiniões.

Na trama, Jessie Buckley (indicada ao último Oscar por A Filha Perdida) interpreta Harper, uma londrina que acabou de passar por uma tragédia pessoal e busca um tempo para si, afastando-se da metrópole. Para isso, ela aluga uma luxuosa casa no interior, mas o que era para ser um retiro tranquilo e com espaço para reflexões, logo revela uma série de acontecimentos estranhos e que remetem à experiência traumática pela qual passou.

Inicialmente apresentando-se como uma válvula de escape, o vilarejo que abriga o casarão escolhido por Harper se destaca pelo mesmo ambiente bucólico que marcou os dois filmes anteriores de Garland. Mas se em Ex_Machina e Aniquilação a natureza era praticamente uma personagem, refletindo os conflitos dramáticos do script, aqui surge como gatilho de renovação, com o verde da paisagem contrastando com o vermelho que predomina no interior da casa, num reflexo pouco sutil do tumulto psicológico que vive Harper.

Nesse ponto, Jessie Buckley, atriz de talento evidente e com a carreira em franca ascensão após despontar em Estou Pensando Em Acabar com Tudo, entrega-se de corpo e alma ao equilibrar-se perfeitamente entre a fragilidade decorrente do sentimento de culpa que carrega e a força para encarar seus demônios internos. É admirável, por exemplo, como Buckley consegue expressar intensidade, patente durante uma discussão com o namorado num flashback, sem descambar para o overacting.

Ela deixa o exagero para seu diretor Alex Garland, que borra a linha entre texto e subtexto para articular suas alegorias (nada sutis) sobre diversas problemáticas tipicamente femininas. Passando o estranhamento inicial por ter sido concebido por um homem e estar sendo conduzido pelo mesmo, Men aborda questões como patriarcado, masculinidade tóxica e violência doméstica, mas de formas nem sempre plenamente satisfatórias. Para isso, o autor lança mão de recursos que vão desde o diálogo puramente carregado, como nas palavras do vigário justificando a agressão sofrida por Harper, passando pelo simbolismo (a mulher comendo o fruto proibido), até momentos mais literais no terceiro ato (explicarei mais adiante).

Rory Kinnear (o Tanner dos 007 com Daniel Craig), um ator de carreira longa, mas discreta, tem a oportunidade de comprovar seu talento ao interpretar não apenas um, mas 8 personagens, sendo hábil ao distinguir cada um deles. Como o senhorio falastrão, por exemplo, Kinnear opta por uma dicção mais carregada (também por conta das próteses que utiliza), adotando um caminhar vacilante e curvado que destoa de sua fala rápida e grave. Já como o Vigário, o ator surge com a postura sempre ereta, caminhando com passos firmes, embora mais lentos (transmitindo cautela) e com uma expressão serena que encontra eco em sua fala pausada e com tons baixos. E não para por aí, pois o britânico ainda vive um policial (esse já se aproximando de suas encarnações habituais), uma criança (com ajuda de CGI, logicamente), um barman e dois clientes do mesmo bar, além de também viver o misterioso homem nu que assombra Harper.

É essa figura enigmática quem marca a chegada do suspense em Men, quando a paranoia paulatinamente vai tomando conta da protagonista e levantando outro questionamento ao colocar policiais para fazerem pouco caso das preocupações da moça deixando clara a intenção de Garland em amarrar todos os elementos narrativos a problemas enfrentados pelas mulheres, sedimentando a produção como um thriller rico e coeso, mais interessado no discurso do que em sustos fáceis, apesar de abraçar o horror corporal em seus instantes finais.

Mas é surpreendente constatar como ele prefere abandonar a história que estava contando para se entregar a um final obviamente concebido com o intuito de embaralhar seus elementos dramáticos. Ao invés de partir de um ponto complexo e aos poucos fornecer as ferramentas para o espectador fazer sua própria interpretação, Garland faz o inverso, concebendo uma estrutura clara em seus objetivos, mas que busca embaçar sua conclusão, como se quisesse embutir à obra uma aura enigmática, de decodificação hermética. Quando, na verdade, tudo o que Alex Garland faz é complicar a trama, pois tenta alcançar um nível de complexidade que Men não possui.

Nada que impeça o espectador de desfrutar das paisagens exuberantes, fotografadas diligentemente por Rob Hardy, em sua terceira colaboração com Garland, que capta momentos de puro esplendor, como nos planos abertos que valorizam as planícies floridas e verdejantes do interior inglês, mas que também não se furta de intrigar, como no espetacular enquadramento simétrico (presente num dos cartazes do filme) em que Harper surge no centro da imagem em contraluz, de pé num túnel enquanto vemos sua silhueta refletida numa poça. Men também se beneficia de uma trilha eficiente, que utiliza corais para embalar a atmosfera sinistra que permeia toda a narrativa, já repleta do suspense que Garland costuma construir em seus filmes.

Assim, se Alex Garland começou tão bem sua carreira como diretor em Ex_Machina, cujo final me provocou empolgação pelo seu próximo projeto, Men – Faces do Medo representa mais um ligeiro retrocesso em sua carreira, que agora me desperta mais receio do que ansiedade. Pois mesmo que Garland ainda não tenha sido capaz de dirigir uma obra ruim, seguindo nesse viés de queda, passa a gerar preocupação com seu próximo filme.


NOTA 6,5


bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0