Mirando no público casual, "A Fera" oferece entretenimento simples e direto
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Mirando no público casual, "A Fera" oferece entretenimento simples e direto


De monstros gigantes a animais mundanos, Hollywood vem engrossando o subgênero de filmes “humano vs. animal” há décadas, presenteando o espectador com obras geralmente tensas e que já se revelaram verdadeiras pérolas. Em 1975, por exemplo, o sucesso de Tubarão fez Steven Spielberg abrir as portas para os chamados “filmes de tubarão”, gerando obras de estilos completamente diferentes entre si, como Mar Aberto (2003), o trash Sharknado e o recente Águas Rasas (2016). Por outro lado, este A Fera, embora conste no subgênero mencionando no início do parágrafo, troca o mar pela terra, pois o animal da vez é um leão.


Vale ressaltar que a produção passa muito longe de demonizar o felino, que é tratado pelo roteiro como uma mera força da natureza, deixando os vilões a cargo de caçadores ilegais, aqui encarados como figuras impiedosas e sempre movidas pela ganância. Os leões nada mais são do que vítimas de verdadeiros monstros que os matam para venderem suas presas e garras no mercado negro, mesmo que A Fera se interesse muito mais em explorar as “motivações” do leão do que o impacto causado pelos caçadores no ecossistema.


Investindo num prólogo extremamente eficaz ao mostrar ao público precisamente o que está por vir (para o bem e para o mal), a narrativa nos leva até a savana africana, onde um bando de Vha Zhimis (como são chamados os caçadores ilegais) é visto dizimando um grupo de animais selvagens, deixando escapar apenas um leão. Apelando para o tolo e batidíssimo clichê de terror onde alguém se afasta do grupo apenas para se tornar uma presa fácil, o instinto assassino do leão é revelado com habilidade pela produção, competente ao criar expectativa em torno da figura da fera, que se transforma numa espécie de Liam Neeson do Reino Animal ao buscar vingança.


Enquanto isso, Idris Elba (o Sanguinário do último O Esquadrão Suicida), interpreta Nate, um médico que resolve levar as duas filhas para conhecer o lugar onde conheceu sua falecida esposa num vilarejo sul-africano. Nesse ponto, o roteiro até tenta introduzir algum drama através da relação conturbada entre Nate e a filha mais velha, mas que acaba soando como um mero artifício narrativo para martelar no espectador o sentimento de culpa que move o protagonista, visto que as constantes confrontações da jovem se mostram irritantemente repetitivas, convertendo a personagem num invólucro de chatice ambulante. Nate, então, tenta amenizar os problemas familiares apostando todas as suas fichas num safári guiado pelo seu velho amigo Martin (Sharlto Copley, o Murdock de Esquadrão Classe A), mas que se transforma num pesadelo quando os quatro ficam presos justamente no território do tal leão vingativo.


Matando todos que cruzam seu caminho, o Leão é sempre sentido em cena, seja por meio do rastro de cadáveres ou pela constante sensação de que pode surgir da mata a qualquer momento, fruto também do ótimo trabalho do design de som, capaz de captar nuances de movimentações e cruzá-las com ruídos típicos da selva.


O problema é que por mais que o diretor islandês Baltasar Kormákur (Contrabando) seja competente em extrair tensão e provocar uma considerável parcela de sustos, o fraco roteiro de Ryan Engle (Rampage – Destruição Total) demonstra imensa dificuldade para manter a história verossímil (mais detalhes adiante). Além disso, aparentemente sem ter muito o que contar (o que fica patente através de uma descartável cena de pesadelo), o roteirista limita-se a esticar as sequências ao máximo, esperando que a direção de Kormárkur distraia o espectador.


Hoje um veterano em Hollywood, o cineasta ainda não foi capaz de entregar uma grande obra, logrando relativo êxito com obras ora medianas (como Dose Dupla e o supracitado Contrabando), ora irregulares (Vidas à Deriva), que sempre se beneficiaram de sua habilidade em construir atmosferas carregadas. A Fera não é diferente e, também por conta da boa montagem de Jay Rabinowitz (A Árvore da Vida), jamais permite ao espectador um segundo de respiro.


Apesar do bom ritmo, o filme sempre tropeça nas escolhas equivocadas do roteirista Ryan Engle, que faz Nate tomar decisões questionáveis para alguém em sua situação e, nesse ponto, o terceiro ato representa o exemplo mais claro disso, ao fazer o pai de família abandonar um caminho que claramente já seria capaz de salvá-los para inexplicavelmente decidir parar e tomar uma atitude nada realista. O motivo, claro, não é aquele explicado por Nate às filhas que acabou de colocar em perigo novamente, mas sim o de fazer com que os personagens se movam para um ponto estratégico onde o clímax precisa acontecer. Assim, a trama pode se entregar a um previsível e ainda mais inverossímil epílogo que, mesmo com a direção visceral de Kormárkur, jamais consegue tirar da cabeça do espectador o absurdo que acabou de testemunhar. Os mais atentos não terão dificuldades em ligar os pontos (um grupo de leões territorialistas + o leão principal tingido de preto).


Contudo, A Fera tem a sorte de contar com Idris Elba como o protagonista: além de superar as tentativas de sabotagem do roteiro (que sempre esquece de seus ferimentos), o britânico encarna Nate como um sujeito calmo e de modos comedidos mesmo em situações de perigo, evitando histrionismos e a tentação de transformá-lo num super-homem. Carismático, ele se apresenta como o homem perfeito para o papel, privilegiado também pela boa química com o sempre intenso Sharlto Copley, que aqui foge um pouco do tipo tresloucado que se especializou em interpretar.


Tecnicamente, o grande destaque acaba sendo mesmo o excepcional design de som, com nuances e texturas que ficam ainda mais impressionantes na sequência onde Nate se esconde do leão à noite, eclipsando até mesmo a boa trilha sonora de Steven Price (vencedor do Oscar por Gravidade), que foge do clichê sonoro (nada de tambores ritmados dessa vez). Já a fotografia, de cores saturadas, valoriza os belos cenários africanos, mas se perde durante as sequências noturnas, quando o filme acaba mais escuro do que deveria.


No geral, A Fera é um filme que mira no público mais casual, aquele que busca um entretenimento mais simples e de fácil compreensão. Se consegue fisgá-lo nos dois primeiros atos, com sequências de ação bem executadas e um clima inquietante, seu desfecho, que ainda conta com uma explicação absolutamente artificial (menosprezando a inteligência de quem assiste), demandará uma parcela considerável de boa vontade para ser relevado.


NOTA 5,5

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