'Moana 2' acerta na aventura, mas não repete a excelência musical do anterior
Moana, sucesso de público, de crítica e duas vezes indicado ao Oscar (perdeu para Zootopia em Melhor Animação e para La La Land em Canção Original), tinha todos os elementos de uma clássica aventura Disney: as músicas contagiantes, os conselhos dos sábios anciões, animais fofinhos prontos para virarem bonecos de pelúcia, um coadjuvante carismático e um visual de cair o queixo. Mesmo com toda essa roupagem tradicional, o que saltava aos olhos era justamente sua protagonista, uma personagem forte, independente e que desafiava as convenções há décadas dominantes no histórico do estúdio de Walt Disney. Ao invés de uma donzela indefesa sendo salva por um príncipe encantado e tornando-se princesa ao final, tínhamos uma jovem aspirando explorar o mundo e sem qualquer ambição de casar. Tratava-se de uma quebra de paradigmas forte como há muito tempo não se via, tudo isso embalado pelas ótimas composições do multitalentoso Lin-Manuel Miranda, mente por trás de hits em A Pequena Sereia e Encanto, só para ficar em dois exemplos recentes.
Em crise após uma série de fiascos, a Disney resolveu jogar seguro, apostando em continuações de seus maiores sucessos e a bilheteria bilionária de Divertida Mente 2 certamente a encorajará a seguir essa fórmula (Toy Story 5 e Mufasa vêm aí, afinal). Moana, por outro lado, é um sucesso relativamente recente: há espaço suficiente para ser preenchido pela nostalgia? E mais: precisamos de Moana 2? As respostas talvez não sejam convidativas, mas a verdade é que a animação revela-se avessa a riscos e dificilmente desagradará o seu público. Um banquete para quem espera mais daquilo que deu certo, mas morrerão de fome os que clamarem por alguma ambição.
Novamente escrito por Jared Bush (responsável pelos scripts de praticamente todos os sucessos da Disney na última década), mas agora ao lado de Dana Ledoux Miller, que co-dirige em parceria com David G. Derrick Jr. e Jason Hand, Moana 2 tem início pouco tempo depois dos eventos que encerraram o original. Moana, um pouco mais velha, agora é uma exploradora consolidada, inspirando a admiração de toda Motunui, mas algo acontece e seu povo precisa se conectar com outras nações, lançando nossa heroína numa missão que a colocará no caminho de vilões e, claro, do semideus Maui.
Se a qualidade da animação continua digna de aplausos, com a água sendo uma atração à parte, o lado musical da história sente demais a ausência de Lin-Manuel Miranda. As letras preguiçosas, a melodia sem inspiração e o visual ok dão aos interlúdios uma cara de clipe barato, com um pop genérico tomando conta da maior parte da trilha sonora, agora a cargo do jovem duo Abigail Barlow e Emily Bear, vencedor do Grammy por um musical não-oficial de Bridgerton lançado no TikTok. Se há algum lampejo da magia do filme de 2016, este reside na canção “Beyond”, precisamente por trazer semelhanças com “How Far I’ll Go”, carro-chefe da produção e aquela com mais chances de repetir sua inspiração e chegar ao Oscar. Referências a faixas amadas como “You’re Welcome/De Nada” e “Shining” também servem para levantar um pouco o nível das canções.
Felizmente, a falta de criatividade musical não interfere na ótima aventura conduzida a seis mãos e Moana deixa de lado o humor físico tão presente no anterior (quem não lembra de suas quedas na água?) para se tornar uma verdadeira heroína de ação, resgatando a ótima química com Maui, que passa a primeira metade pouco utilizado. O primeiro ato, diga-se de passagem, é disparado o mais irregular, trazendo um volume tão grande de informações, que personagens se enfileiram para contar histórias (a todo o momento a narrativa é interrompida para alguém dizer algo como “Era uma Vez...”, “Há muito tempo...” e suas variações). Um personagem traumatizado por um evento, reaparece em perfeito estado, como se nada houvesse acontecido e nem o rabugento personagem idoso (que se desespera sempre que alguém começa a cantar) é suficiente para disfarçar mais esse tropeço. Em contrapartida, o terceiro ato oferece o misto de ação e emoção que costuma marcar esse tipo de lançamento Disney, compensando as falhas anteriores.
Apesar de os espectadores da, agora, franquia terem crescido desde que o primeiro chegou aos cinemas, Moana 2 se certifica de captar novos fãs, conectando-se aos pequenos através de acenos à cultura digital (dancinhas de TikTok e memes como o da cabra que grita estão no pacote). Espere também por uma enxurrada de gírias e se muitas soam anacrônicas como “seu povo vai de arrasta pra cima!”, “fui moleque” e “respeita as mina” (créditos para a dublagem brasileira), outras são assumidas pelos próprios personagens (em certo momento, Maui faz menção a um e-mail e explica aos confusos colegas que “isso fará sentido daqui a dois mil anos”).
Maui, aliás, é peça-chave na estrutura narrativa que espelha o filme de 2016. Se lá Moana aparecia para levantar o moral do semideus, salvando-o até, desta vez é ele quem tira a moça da fossa. Essa inversão pode não ser criativa, mas funciona e abre boas possibilidades. Já os coquinhos (Kakamora) que roubaram a cena no original, são reaproveitados de uma forma ainda melhor, pois é dado um sentido para sua jornada pelos oceanos. A presença de um desses guerreiros na tripulação de Moana é outro acerto, contribuindo não apenas para o humor, mas especialmente com a ação (por incrível que pareça).
No final das contas, vale tudo para colocar essa ótima heroína (não é uma princesa!) em evidência, inspirando mais uma geração de meninas a aspirarem por algo maior do que as convenções sociais impõem. E se a ideia é transformar Moana em franquia (há várias brechas para o terceiro filme), que tragam de volta Lin-Manuel Miranda para recuperar a alma musical perdida nesse divertido e envolvente, mas irregular segundo capítulo.
NOTA 7
Observação: Há uma sequência durante os créditos finais
Parabéns pela crítica