Mostra de SP 2023 | Simon Baker se reinventa em "Limbo"
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Mostra de SP 2023 | Simon Baker se reinventa em "Limbo"


Mais conhecido como o galã de obras como O Diabo Veste Prada, Em Busca da Fama e As Muitas Mulheres da Minha Vida, o australiano Simon Baker custou a obter o reconhecimento que sempre mereceu. Performances acima da média em filmes como O Assassino em Mim e Terra dos Mortos foram majoritariamente ignoradas pelo público. Foi com a série The Mentalist, sucesso acachapante de audiência, que Baker finalmente passou a ser considerado o grande ator que nunca deixou de ser, mas que o sucesso com as mulheres eclipsou ao longo da carreira. Dono de um sorriso tão largo quanto seu carisma, ele fez de Patrick Jane uma das figuras mais queridas da Televisão norte-americana, recebendo, inclusive, uma indicação ao Emmy pelo papel.


Entretanto, ainda falta conquistar a Indústria Cinematográfica e, para isso, ele vem escolhendo, nos últimos anos, papéis cada vez mais distantes do arquétipo sedutor que costumava interpretar. A aposta da vez é o detetive Travis Hurley, personagem que oferece a oportunidade de surgir absolutamente irreconhecível em cena, atendendo exatamente sua demanda de desconstruir a imagem de galã. Em Limbo, Simon Baker interpreta um investigador que é designado para um caso que ocorreu num vilarejo remoto. Tão remoto que é preciso cruzar centenas de quilômetros de deserto até vislumbrar sua silhueta.


Como o próprio título do filme escancara, o tal vilarejo serve como uma representação bem próxima do que é entendido como limbo, a indefinição por natureza, um lugar de esquecimento, fora do alcance dos deuses, onde se deposita inutilidades. Poderia muito bem ser a última parada antes do inferno, mas para o detetive Travis Hurley é apenas um local de trabalho. Um ambiente carente de cores e vivacidade, como a própria fotografia ilustra com perfeição ao envolver a narrativa num preto e branco opressor. É tudo tão pesado que não há, sequer, uma única faixa musical até poucos segundos antes do surgimento dos créditos finais, nem mesmo um toque telefônico melódico, já que o celular do protagonista vibra, mas não toca.


Mas o personagem central, que mais parece ter saído de um film noir da década de 40 (Simon Baker curiosamente estava no elenco de Los Angeles: Cidade Proibida, que homenageou o gênero), não é diferente, com seu ar taciturno, o passado nebuloso e o vício em heroína escondendo um homem quebrado por dentro. Travis já foi casado, mas hoje sequer é capaz de definir o relacionamento que possui com o filho, de quem se distanciou após julgar que a ex-esposa “encontrou coisa melhor”. Ele está tão acostumado à hostilidade, à dificuldade, que encara com absoluta indiferença o desprezo que recebe dos cidadãos locais. Conformado, trata-se de um herói caído, como se há muito tempo tivesse desistido de tentar fazer parte da sociedade. Não por acaso, agora ele se encontra no tal limbo, habitado por seres descrentes, que buscam cuidar apenas de si.


O roteiro, também escrito pelo diretor Ivan Sen, um descendente de aborígene, faz questão de utilizar a história como uma grande alegoria para tecer comentários sobre a cisão social que acomete a Austrália, com os nativos ocupando um espaço apenas periférico, às margens de um sistema moldado para privilegiar os brancos, denotando uma mazela típica de ex-colônias, com o Brasil incluso. A má vontade da polícia local em investigar o desaparecimento de uma jovem não-branca parece não importar muito a Travis, mas dita o relacionamento de toda a população com o caso. O detetive é um mero incômodo, cutucando uma ferida aberta sem se importar muito com as consequências.


Apesar de eficiente ao construir essa atmosfera desconfortável, fazendo o espectador sentir na pele o clima pesado que paira sobre o protagonista, Limbo possui uma trama banal, daquelas produzidas em escala industrial para preencherem os enlatados noturnos norte-americanos. O diferencial, infelizmente, é negativo, pois trata-se de uma investigação excessivamente vagarosa, visto que a teia de acontecimentos se desenvolve a passos de jabuti, sem apresentar eventos que mexam com as percepções do espectador, o que talvez seja a combinação perfeita para entediar os entusiastas de thrillers investigativos mais enérgicos, envelopados pelas convenções hollywoodianas. Aqui, o primeiro e único movimento de câmera só acontece após meia hora de projeção, depois disso há uma sucessão de planos estáticos e por vezes repetidos, como as inúmeras sequências em que vemos Travis dirigindo.


O ritmo irregular não favorece as críticas sociais dispostas na tela, pois falta energia, pegada à condução exageradamente rígida de Ivan Sen, que parece tão confiante na construção do ambiente que acaba negligenciando a substância, com o enredo empalidecendo diante da estrutura, o velho caso do estilo sem conteúdo. Pesa contra o realizador a incapacidade de disfarçar as muletas narrativas que lança mão, dificultando por exemplo, nossa percepção acerca do vício de Travis, pois o vemos apenas uma vez fazendo uso de heroína. A subtrama do homem martirizado pelo relacionamento distante com o filho é outro claro dispositivo canhestramente manuseado por Sen, obviamente traçando um paralelo com o protagonista, que luta pela reaproximação dos dois como uma espécie de redenção por tabela.


Já as analogias envolvendo o lugar e o título da produção são pouco mais do que curiosidades interessantes. O tempo de viagem gasto por Travis para chegar ao local e a necessidade de possuir um carro para se deslocar por meio da aridez quase inóspita, cortada por longas estradas e crateras é um dos pontos positivos, estimulando o espectador a fazer as conexões e refletindo sobre a situação enfrentada pelos personagens. A tal cidade, forjada por desavenças sociais, encrostada de preconceito, é como um paiol prestes a pegar fogo, faltando uma simples faísca, como o desaparecimento da jovem de ascendência indígena Charlotte, para finalmente explodir.


Enquanto isso, Simon Baker, dotado de um carisma inesgotável, segue sua jornada para longe dos papéis de galã que marcaram grande parte de sua bem-sucedida carreira. As marcas de expressão e os óculos são apenas indícios da ausência de vaidade do ator, cuja caracterização remete ao trabalho de Nicole Kidman no subestimado O Peso do Passado, filme policial com perfil semelhante de protagonista. Como Travis Hurley, Baker despe-se dos figurinos impecáveis e do sorriso inebriante, encarnando um sujeito derrotado, que parece viver apenas para o trabalho. O australiano emplaca o segundo longa-metragem em menos de três anos que busca retratar as mazelas da sua terra-natal.


Menos palatável do que o aspirante a épico Terras Perigosas, Limbo se sustenta como estudo de personagem graças ao talento de seu protagonista e até logra algum êxito como exemplar do gênero policial, mesmo que o ritmo exageradamente cadenciado aniquile qualquer possibilidade de alçar voos maiores.


NOTA 6,5


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