"Nosso Sonho" adjudica trajetória de Claudinho e Buchecha
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Nosso Sonho" adjudica trajetória de Claudinho e Buchecha


Ao longo dos últimos anos, refletindo a falta de criatividade latente de Hollywood, os cinemas têm sido inundados por cinebiografias, sejam elas estrangeiras ou nacionais. Casos de Bohemian Rhapsody (Queen), Rocketman (Elton John), I Wanna Dance With Somebody (Whitney Houston), Simonal (Wilson Simonal) e de Minha Fama de Mau (Erasmo Carlos), só para ficar nos exemplos mais recentes. O que todos têm em comum é o mesmo modelo formulaico que impede pouquíssimas variações, algo que foi objeto de escárnio do ótimo Walk Hard - A História de Dewey Cox. A bola da vez é Nosso Sonho, filme que busca narrar a trajetória dos MCs Claudinho e Buchecha.


Por mais engessada que seja, no entanto, a produção tende a contar com a boa vontade do espectador, especialmente daquele que viveu os anos 90. E não é difícil entender os motivos por trás de tanto carinho. Afinal, além de dominar as paradas popularizando o chamado “Melody” (variação mais romântica do Funk), a dupla esbanjava carisma e simpatia por onde passava. Infelizmente, em Julho de 2002, um acidente de carro acabou ceifando precocemente a vida de Claudinho aos 26 anos, encerrando uma parceria que mal chegou a completar 8 anos. Essa tragédia chocou e comoveu os brasileiros na mesma medida.

Nosso Sonho refaz os passos da dupla, mas sob a perspectiva de Claucirlei Jovêncio de Souza, o Buchecha, servindo de narrador e núcleo emocional da história. Suas intervenções em off, muitas vezes intrusivas e descartáveis, felizmente desaparecem sem maiores explicações durante o segundo ato. Se em algum momento houve a ambição de fazer um retrato íntimo da dupla, o tiro saiu pela culatra, pois o espectador só tem acesso a Claudinho, já que o Cláudio Rodrigues de Mattos permanece um mistério até o fim. Embora seja perceptível o carinho dos realizadores pelo cantor, o excesso de cuidado do roteiro o mantém afastado, transformando-o num estranho aos olhos do público. Essa falta de profundidade dá um caráter de chapa branca à obra e frustrará aqueles que quiserem conhecer a história de Claudinho.

Dele, sabemos apenas que tem língua presa, se mudou pouco tempo antes de conhecer Buchecha (ainda criança) e é tão determinado quanto carinhoso, especialmente no trato com o “faixa”, que por sua vez, recebe todas as atenções do texto. Há tempo de sobra para retratar o relacionamento conturbado de Buchecha com o pai, vivido por Nando Cunha (Vizinhos) como um sujeito que usa a bebida para suprimir suas frustrações, entregando-se a um comportamento abusivo que acaba por minar a relação com Claucirlei. É justamente essa agressividade imprevisível que motiva a mãe de Buchecha a enviá-lo para viver com a tia, onde é acolhido e finalmente se reencontra com Claudinho.


Aos quatro roteiristas, interessa apenas a obsessão de Claudinho em formar uma dupla de MCs com o melhor amigo, que rechaça a ideia logo de cara por achar que ambos são “feios demais para serem artistas”. O argumento talvez seja simplório demais, mas há lógica por extensão. Afinal, qual a probabilidade de sucesso de uma parceria entre dois garotos negros, de origem humilde e que sequer sabiam cantar? Mas esse é um conflito aparentemente pesado demais para a narrativa, que opta sempre pela leveza.

Nesse sentido, o filme é tremendamente bem-sucedido, já que oferece uma experiência divertida, envolvente e ocasionalmente nostálgica. Méritos, principalmente para os dois protagonistas. Curiosamente, a produção foi alvo de uma série de questionamentos sobre a escalação de Juan Paiva como Buchecha e Lucas Penteado como Claudinho, que supostamente estavam em papéis que deveriam ser invertidos, quando, na verdade, a intenção de Nosso Sonho era realmente de subverter as expectativas do público, mostrando o lado mais sério de Buchecha e o mais descontraído de Claudinho. Dessa forma, Paiva e Penteado não poderiam ser escolhas mais acertadas, mostrando imensa química em cena. Enquanto o primeiro dá conta do modesto arco dramático de seu personagem, o segundo faz ótimo trabalho ao ilustrar a personalidade irreverente e, principalmente, a determinação de Claudinho.

Alguns deslizes são cometidos no caminho, como na decisão equivocada de criar um mistério a respeito do cantor falecido. Não me refiro novamente à falta de profundidade, mas sim ao fato de a produção exibir Claudinho quase como uma entidade, seja por colocar Buchecha para chamá-lo de anjo diversas vezes ou por insinuar que o cantor estava ciente de que não viveria muito (ele pede ao amigo para entregar uma carta à filha quando esta completasse quinze anos). Além disso, Claudinho prepara o amigo para seguir carreira solo, justificando suas atitudes no último show que a dupla fez (Claudinho passou grande parte da música final exaltando Buchecha da plateia).

A montagem também vive altos e baixos: se acerta na criação de raccords (aquele com um caderno em chamas dando lugar a uma panela com amendoins sendo fritos é especialmente eficaz), tropeça, mesmo que com boas intenções, ao tentar inovar na tradicional “sequência de turnê”, momento presente em praticamente todas as cinebiografias musicais que ilustra o sucesso mundial dos protagonistas. Aqui, a solução encontrada foi colocar uma personagem lendo cartões postais, mostrando ao espectador os países visitados pela dupla.

Mas o ponto fraco do montador Felipe Bibian (Babenco: Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer Parou) é justamente acompanhar a passagem do tempo, um problema contumaz do roteiro. Ao tentar abarcar todos os acontecimentos relevantes da trajetória dos protagonistas, o filme acaba por soar apressado demais, inevitavelmente negligenciando eventos que deixarão o público insatisfeito. Num determinado momento, os amigos estão desfrutando do sucesso, com Buchecha chamando os familiares para conhecer seu novo apartamento, no momento seguinte, Claudinho está revelando o sexo do bebê que sua esposa está esperando. Essa surpresa é recorrente e fica ainda pior quando aparece no meio do relacionamento entre Buchecha e o pai. Em poucos minutos, vemos o cantor dar de ombros para uma tentativa de reconciliação durante uma sequência, e dançando feliz da vida ao dar um veículo de presente para o pai em outra.

Nada se compara, porém, ao desleixo da produção em relação à ambientação da história: hoje em dia, é normal ver um carioca falando “mano”, em função da globalização potencializada pela internet, mas não na década de 90, por exemplo. Tão imperdoável quanto ver Claudinho perguntando se Buchecha sabe “empinar pipa” é ver o merchandising pouco sutil do Telecine falhar miseravelmente ao mostrar alguém assistindo ao canal enquanto a logomarca de 2019 é exibida na televisão.

Mas Nosso Sonho também merece elogios e o maior deles se deve ao fato de a produção confiar não apenas na memória, mas principalmente na inteligência do espectador, evitando, por exemplo, a tentação de recorrer a flashbacks. Da mesma forma, o roteiro não faz muito suspense com o fatídico acidente e se desenvolve com a segurança de que o público já sabe quando tal momento será apresentado na narrativa. Essa opção, inclusive, aumenta a expectativa e faz com que alguns acontecimentos potencializem a emoção, especialmente conforme a trama avança e mostra as apresentações derradeiras da dupla (a canção “Fico assim sem você” preenche todas as lacunas dramáticas que o filme evitou em termos de atmosfera).


Emocionante sem soar meloso e divertido sem forçar piadas, Nosso Sonho ainda é corajoso o bastante para permitir que os atores cantem as músicas ao invés de dublarem os intérpretes originais, resultando numa obra imperfeita, mas que oferece um olhar carinhoso e acalorado sobre a trajetória de uma das duplas mais simpáticas da Música Brasileira.


NOTA 6




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