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Foto do escritorGuilherme Cândido

"O Palestrante" provoca gargalhadas sem se arriscar

Atualizado: 31 de ago. de 2022


Guilherme (Fábio Porchat) é o típico sujeito que clama por uma epifania: sem perceber, o paulista leva uma vida desprovida de nuances, dividindo-se entre o trabalho burocrático num escritório e um relacionamento frio com uma namorada já desinteressada. Sua rotina sofre uma reviravolta a partir do momento em que é demitido graças a uma estratégia que ele mesmo implementou e, para piorar, ao chegar em casa se depara com a namorada em fuga, terminando o relacionamento sob o pretexto de estar com outro.


Por outro lado, sua sorte começa a mudar no dia seguinte, ao descobrir que seu chefe sofreu um infarto fulminante antes de oficializar sua demissão, o que imediatamente se apresenta como a oportunidade perfeita para reaver seu emprego. Mas é viajando a trabalho para o Rio de Janeiro que ele, enfim, tem a epifania que tanto necessitava: ao se dar conta de que não havia feito uma loucura sequer na vida, ele resolve agir por impulso pela primeira vez, assumindo a identidade de um tal Marcelo Gonçalves ao desembarcar no aeroporto. O problema é que o tal Marcelo é um palestrante motivacional e foi contratado para se apresentar num hotel em Itaipava, na serra fluminense, naquele mesmo dia.


Bebendo da mesma fonte hollywoodiana que gerou comédias como Sim, Senhor e tantas outras, O Palestrante dedica todo o seu primeiro ato a estabelecer a rotina monocórdica de Guilherme, vivido por um Fábio Porchat contido enquanto capta com maestria a passividade que rege sua personalidade. A trilha sonora, sempre intrusiva, guia o espectador por um universo de cores frias e drenadas que são refletidas pelos ternos estéreis que dominam a empresa onde trabalha o protagonista.


Com a guinada do roteiro no segundo ato, a produção ganha tons quentes e figuras vivazes ao mesmo tempo em que abraça uma estrutura familiar, de poucas surpresas, mas que se sustenta graças ao talento inquestionável de seu elenco para o improviso. Mesmo que as brincadeiras envolvendo o coaching (debochando de frases de efeito como “seja você mesmo”, “trabalhe duro, sonhe alto”, etc.) funcionem e sejam incorporadas organicamente pelo arco de Guilherme, são as interações entre gigantes do humor brasileiro que mantém a produção num nível largamente superior àquelas chanchadas “globais” que infelizmente dominam o circuito mainstream brasileiro.


Mesmo assim, há de se ressaltar que o formato rígido demandado pelo roteiro de autoria do próprio Porchat em parceria com Cláudia Jouvin (Entre Idas e Vindas) entra em conflito com as personalidades expansivas de seus atores. Talentos como Dani Calabresa, Paulo Vieira e Miá Mello, bastiões do estilo anárquico que moldou a renovação pela qual o humor brasileiro passou nos últimos anos, surgem livres apenas até a página dois, como se o roteiro os impedisse de voar.


Advindo do Porta dos Fundos assim como vários do elenco, grupo de comédia cuja ausência de amarras influenciou uma geração inteira de jovens humoristas e trouxe sofisticação ao até então tacanho humor brasileiro, Antônio Tabet talvez seja aquele mais solto, mas assume um papel escrito sob medida para se adequar à sua persona malandramente carioca. Outro que consegue ir além do texto é Otávio Müller, que engrandece um personagem concebido como estereótipo, mas que ganha vida graças ao carisma e à famosa genialidade do veterano, provocando gargalhadas justamente ao explorar o não-dito sobre Sandoval.


Abaixo dos dois destaques, o restante do elenco funciona, mas dentro dos limites impostos pelo roteiro. Dani Calabresa, por exemplo, equilibra-se relativamente bem entre a figura odiada pelos funcionários e o interesse amoroso do herói, ao passo que Miá Mello e Paulo Vieira fazem o que podem com o pouco tempo de tela que recebem. Os três, aliás, demonstram todo o potencial que possuem sempre que a direção lhes permite o improviso, responsável pelos melhores momentos do filme. “Minha barriga estava roncando tanto que parecia um acidente na Avenida Brasil entre um Corsa e uma van ilegal” ou as comparações envolvendo um velociraptor, uma ultrassonografia e o Mario dos games são apenas alguns deles.


Diante de um cenário tão fértil como esse, é uma pena que a produção tenha achado conveniente enveredar pelos caminhos da comédia romântica a fim de desenvolver sua história, abraçando clichês e convenções que se não diminuem nossa simpatia pelo filme, ofuscam seu brilho. Pois mesmo que Porchat e Calabresa convençam como casal e estimulem nossa torcida por um final feliz, é o improvável par romântico entre Antônio Tabet e Maria Clara Gueiros que merecia mais atenção do script. Revivendo seus tempos de Zorra Total, onde também interpretava uma adúltera chamada Márcia, Gueiros está absolutamente hilária e suas cenas ao lado de Tabet (especialmente a primeira delas), são o ponto alto da história.


Entrando de vez na seara das rom-coms para encerrar a projeção, O Palestrante pode ser irregular em sua estrutura e tolhido em demasia, mas jamais deixa de divertir, apresentando-se como mais um saboroso fruto desta pródiga nova fase da Comédia Brasileira.


NOTA 7

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