"Passei Por Aqui" dilui críticas sociais em história indecisa
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Passei Por Aqui" dilui críticas sociais em história indecisa


De longe, é fácil bradar palavras de ordem contra o sistema, criticar poderosos ou fazer nota de repúdio. Difícil mesmo é, de fato, fazer algo para mudar o establishment. É nesse discurso que se embasa a trama principal de Passei Por Aqui, filme da Netflix escrito e dirigido por Babak Anvari (do desastroso Contato Visceral, também da Netflix) e estrelado por George MacKay (1917) e Kelly MacDonald (O Soldado Que Não Existiu). Mesmo assim, é curioso notar como o roteiro de Anvari não ignora a idade de seus personagens, pois apesar de idealistas e cheios de energia (“ninguém mais faz nada por um significado hoje em dia”), não possuem tanta maturidade para articularem uma forma melhor de desafiar as classes mais abastadas.


A história segue Toby (MacKay) e Jameel (Percelle Ascott, da fracassada série “The Innocents”) que passam seus dias planejando invasões a mansões de membros da elite londrina, chamando a atenção da imprensa para questões sociopolíticas como racismo e corrupção ao grafitarem as suntuosas paredes com a frase “I Came By”, numa alusão ao título do filme.

O problema é que, embora Toby siga firme em tomar partido na luta de classes, Jameel se vê mais preocupado com a descoberta de que será pai em poucos meses. Decepcionado por ver o amigo colocar o filho “que nem nasceu” (como diz em certo instante) acima da causa, Toby resolve seguir sozinho, até se deparar com o misterioso juiz Hector Blake (Hugh Bonneville, da série Downton Abbey).

Com a entrada de Blake, Passei Por Aqui passa a lidar com mais um tema: o da hipocrisia, pois Blake, apesar de sustentar uma faceta pública como defensor dos imigrantes e de minorias, aos poucos descortina seu rancor em virtude de um trauma relacionado ao seu pai. Enfileirando questões enquanto acumula personagens, o script perde força ao diluir-se entre múltiplas frentes.

Acertando em alegorias que funcionam por transmitirem significados com poucos gestos, como quando Toby rouba a carteira de alguém que se nega a ajudar uma moradora de rua, para fingir que a encontrou e devolvê-la em troca de uma recompensa (doando-a logo em seguida para a mesma senhora necessitada), a produção sofre com uma mudança brusca no tom, quando substitui o forte posicionamento político da primeira metade por um final mais inclinado ao suspense.

Com uma direção de arte cirúrgica ao diferenciar os aposentos de Toby (marcado pela bagunça e pelas frases de efeito grafitadas na parede, com direito a citação ao game Assassin’s Creed) e de Blake (a imensa pintura de seu pai ocupando lugar de destaque), o filme também merece créditos por não depender de acordes súbitos da boa trilha de Isobel Waller-Bridge (irmã de Phoebe, criadora e estrela de Fleabag) para assustar o espectador.

Apesar de ser tratado no segundo ato como um monstro digno de filmes de terror, o juiz Blake tem a sorte de ser vivido por um ator disciplinado e sutil como Hugh Bonneville, que é capaz de exalar ameaça sem alterar o tom de voz. Fisicamente imponente, o ator londrino também é convincente quando seu papel demanda brutalidade, algo que é corroborado pelas intensas sequências no porão.

Se é irregular em seu ritmo, quando abandona a acidez retórica para abarcar tropos típicos de thrillers, Passei Por Aqui causa uma sensação de experiência incompleta, como se faltasse um desenvolvimento para cada uma de suas discrepantes metades. Uma pena, pois ambas possuíam material suficiente para render uma história melhor.


NOTA 5


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