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Retrospectiva Karatê Kid #3: O Desafio Final (1989)

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 30 de abr.
  • 7 min de leitura

Após duas boas produções, a maldição do terceiro filme desfere um golpe tão poderoso na franquia Karatê Kid, que seriam necessárias décadas para o lançamento de Cobra Kai recuperar sua imagem. O principal responsável pelo fracasso deste terceiro capítulo, ironicamente, é o mesmo quem deu à luz personagens tão marcantes quanto Daniel-san e Sr. Miyagi. Robert Mark Kamen, até então o único a escrever os roteiros da cinessérie, é vítima não apenas da inevitável saturação de seu modelo, mas principalmente de uma falta de inspiração impressionante.


Os equívocos começam quando o roteirista opta por iniciar a projeção com mais uma retrospectiva do primeiro filme, causando estranheza a quem esperava uma continuação direta do segundo filme, da mesma forma que aconteceu com Karatê Kid: A Hora da Verdade Continua. Kamen precisava refrescar a memória do público, pois sua ideia era retomar uma trama descartada para o filme anterior: a vingança de John Kreese (Martin Kove). Então, somos obrigados a ver, pela terceira vez, o vilanesco sensei agredir Johnny (William Zabka) e ser interpelado por Miyagi.

Em seguida tomamos ciência da crítica situação financeira do veterano de Guerra, que além dos alunos, passa a correr o risco de perder também seu Dojo, lar dos Cobra Kai, cuja participação no tradicional torneio de All-Valley está seriamente ameaçada pela inadimplência de Kreese. Abatido, ele fica a ponto de desistir de tudo, mas acaba persuadido por Terry Silver (Thomas Ian Griffith), amigo com quem lutou no Vietnã e possui uma condição financeira diametralmente oposta. Dono das indústrias Dyna-Tox, Silver é quem bancava o funcionamento do Dojo de Kreese e resolve armar um engenhoso plano para se vingar de Daniel e Miyagi, resgatando a credibilidade do amigo. O mais estranho, e prepare-se para ler essa palavra muitas vezes, é que Kreese aparece apenas nos minutos iniciais, sendo arremessado para fora da história a fim de abrir espaço para Silver. Martin Kove, tinha uma agenda apertada e Robert Mark Kamen não viu problema em manter sua presença, apenas reduzindo a participação de seu personagem. Em outras palavras, resgatando-o apenas para escanteá-lo uma vez mais (assim como acontece com a mãe de Daniel).

Coincidentemente, John Kreese embarca para o Taiti (para um retiro relaxante, aparentemente) no exato momento em que Daniel e Miyagi estão chegando de viagem. Algumas coisas mudaram, como o fato de o protagonista estar prestes a iniciar seus estudos na faculdade, mas não sua tradição em ser largado pelas namoradas: Kumiko, a jovem com quem teve um breve caso no Japão, desistiu de acompanhar o amado para aceitar um trabalho em Tóquio, algo que ficamos sabendo através do mesmo diálogo expositivo que oferece uma desculpa esfarrapada para a mãe de Daniel não buscá-lo no aeroporto. Randee Heller, no entanto, faz uma curtíssima participação especial, justificando sua ausência e entregando o filho, mais uma vez, aos cuidados do Sr. Miyagi. Novamente vivido por Pat Morita, o benevolente sensei, figura central no filme anterior, é relegado a uma mera função acessória, servindo para ilustrar as mudanças sofridas por LaRusso. E embora Morita permaneça confortavelmente eficiente na pele de Miyagi, seu jovem colega de elenco desmorona copiosamente, oferecendo sua pior atuação desde que assumiu o papel.

Ralph Macchio deixou claro em várias entrevistas ao longo dos anos seu descontentamento em relação ao texto concebido por Kamen e aos rumos que a franquia (e consequentemente sua carreira) estava tomando. Macchio já estava com 27 anos quando a terceira parte foi filmada e mesmo que continuasse convincente na pele de um adolescente entrando na fase adulta, já não era mais natural protagonizar cenas românticas com menores de idade (Robin Lively, a bola da vez, tinha 16 anos à época). Tanto que o próprio Macchio solicitou ao roteirista que tornasse platônica a relação entre Daniel e Jessica.

Porém, por mais problemático que seja o roteiro, Macchio era o único que não possuía motivos para criticá-lo, já que o autor canalizou toda a força dramática da história em seu personagem e este foi precisamente seu maior erro. Robert Mark Kamen apostou alto demais, acreditando que o protagonista teria habilidade suficiente não apenas para percorrer o arco dramático de Daniel LaRusso, mas principalmente para ilustrar as nuances inerentes às suas transformações. Finalmente demonstrando alguma mudança física, Macchio surge com o rosto inchado e uma voz mais grave, ainda que exibindo a mesma silhueta longilínea de sempre, mas é internamente que Daniel deveria mostrar mais modificações.

A ideia era ter Daniel lidando com as dificuldades de se tornar adulto, experimentando uma crise forte o bastante para desafiar suas percepções, mas não a ponto de fazê-lo esquecer de quem é, algo que deveria ficar claro no terceiro ato. Mas Macchio é incapaz de alcançar tais notas. Ainda gentil, mas extremamente burocrático, o ator, que antes tirava de letra a tarefa de transmitir a benevolência e a determinação de Daniel, agora transforma o personagem num mero reclamão insolente, capaz de desrespeitar até mesmo o melhor amigo.

Apesar de ser decepcionante ver quem Daniel se tornou, trata-se de um caminho, até certo ponto, plausível. Ora, quem nunca foi chato e revoltado em algum momento da adolescência? No entanto, em mãos mais talentosas, camadas poderiam ser destrinchadas e até acrescentadas, já que o material oferecido pelo roteiro dava espaço para as reações inseguras e até arrependidas do protagonista. Basta perceber que, a cada interação mais dura com Miyagi, Daniel se pergunta o que está fazendo com a própria vida ou mesmo lamentando suas atitudes extremas, porém necessárias em sua linha de pensamento. O mais grave, e que implode a relação de Daniel com o público, é a imperdoável incapacidade de Ralph Macchio em defender seu personagem quando este toma decisões até então impensáveis, como ao ser desleal com Miyagi. Não há atenuantes na performance de Macchio, algo determinante para impedir que continuemos ao seu lado. Se eventualmente perdoamos Daniel, isso se deve muito mais a Miyagi do que a ele mesmo, prova do talento de Pat Morita, cirúrgico ao evocar a tristeza que seu personagem sente ao perceber o distanciamento do pupilo.

É uma pena que Kamen ainda enxergue a necessidade de verbalizar os sentimentos de Miyagi, demonstrando uma desconfiança incompreensível no trabalho do ator indicado ao Oscar, incluindo uma cena redundante com o japonês segurando uma foto de Daniel e falando (sozinho) sobre o vazio do seu coração sem o rapaz. Pela primeira vez, exposição é uma palavra de ordem, deixando tudo mastigado e guiando a escrita do experiente roteirista, que parte de uma premissa, no mínimo estranha, tornando Karatê Kid III um equívoco já em seu ponto de partida. E quando um projeto é conceitualmente frágil, como sustentar seu desenvolvimento?

Deixando de lado o fato de rememorar os acontecimentos do primeiro e não do segundo filme (algo que é feito pela segunda vez), será que ninguém da Columbia estranhou a história de dois homens adultos bolando uma complexa vingança contra um adolescente? E tudo piora quando o filme anterior, negligenciado pela produção, tratou de temas como honra, amor proibido e tradições. Falando nisso, um simples vice-campeonato seria o bastante para acabar com a reputação dos tradicionais Cobra Kai? E quem é John Kreese, afinal? Temos que acreditar se tratar de um homem que viveu para e exclusivamente do karatê ao ponto de não possuir família e tirar um período sabático no Taiti? Perguntas básicas que além de não serem respondidas, são inseridas num modelo já esgotado (alguém ainda aguenta acompanhar Daniel sendo espancado por valentões, arranjando um romance relâmpago e arrumando briga durante uma sequência de dança?).

A única novidade apresentada, com exceção da mediocridade narrativa, é Terry Silver, vivido por Thomas Ian Griffith com uma canastrice irresistível. O sorriso cínico, o olhar de desprezo e o estiloso rabo de cavalo falam por si só, pois Griffith não precisa de muito para cumprir a única função de seu personagem: atormentar a vida do pobre Daniel LaRusso. E o faz com gosto, pois sutileza estava em falta no trabalho de Kamen. Não bastava jurar vingança contra os mocinhos, Terry Silver tinha que subornar jurados e descartar material nuclear no meio ambiente. Faltaria apenas soltar gargalhadas malignas... mas até isso ele faz.

Carismático e com boa presença de cena, Thomas Ian Griffith merecia uma carreira melhor, tendo gasto preciosos anos estrelando filmes de ação de quinta categoria até perder espaço e surgir esporadicamente em boas produções, como Vampiros de John Carpenter (1998). Chegou a fazer participações em séries como Cold Case (2003-2010), One Tree Hill (2003-2012) e The Closer (2005-2012), até topar reprisar seu papel mais famoso em Cobra Kai.

Griffith em "Vampiros de John Carpenter"
Griffith em "Vampiros de John Carpenter"

O nível técnico, que nunca se aproximou da excelência nos capítulos anteriores, verdade seja dita, acompanha a decadência da franquia. Com um volume notável de erros de continuidade (repare nos penteados de Daniel nas sequências de ação), furos de roteiro (Daniel vai ao Dojo no meio da noite e encontra Silver ainda trajado, ao invés deste estar em casa), a produção ainda apresenta erros amadores, como no péssimo ADR (técnica utilizada para dublar diálogos) da passagem em que Daniel e Miyagi largam o jantar e vão conhecer o futuro estabelecimento do qual serão sócios. A fotografia, marca registrada da série, agora limita-se a tentar replicar os acertos anteriores, apelando para o exagero no zoom ostensivo aplicado para focar o treino de Daniel no topo de um rochedo. Nem mesmo Bill Conti, responsável pelos memoráveis temas musicais da franquia, passou incólume, dessa vez tentando guiar as emoções do público através de melodias ora genéricas, ora caricaturais (note o tema sombrio dedicado a Terry Silver).

Desesperada em recriar as dinâmicas do longa original, a produção ainda força uma defesa de título para Daniel, descartando o promissor Johnny Lawrence de William Zabka para introduzir o inexpressivo Sean Kanan como Mike Barnes. Apesar de suas limitações dramáticas, é preciso reconhecer seu esforço (fazendo as próprias sequências de ação, Kanan chegou a ser hospitalizado). A luta final, por outro lado, descamba para o cartunesco, com os vilões explicando seus planos e soltando risadas e sorrisos maquiavélicos até o inevitável momento em que Miyagi inspirará Daniel rumo ao triunfo.

Karatê Kid III – O Desafio Final marcou a despedida de Ralph Macchio da franquia e quebrou uma escrita indigesta, pois não apenas é o único filme da trilogia a ficar de fora do Oscar, como se tornou o primeiro a ser indicado ao Framboesa de Ouro, sendo lembrado em cinco categorias: Pior Filme, Pior Ator (Macchio), Pior Ator Coadjuvante (Morita), Pior Roteiro (Kamen) e Pior Diretor (John G. Avildsen). Kamen e Avildsen, aliás, também não voltariam para o projeto seguinte. Era um sinal mais do que claro de que a franquia deveria ter parado por aqui.

Repetitivo, redundante, irregular e mal concebido, trata-se do ponto mais baixo da trajetória de uma marca que seguiria impiedosamente explorada pela Columbia que, gananciosa, encomendaria não só um desenho animado, mas também um quarto capítulo para renovar a série, algo que sabemos muito bem não ter dado certo...


NOTA 3,5

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