Retrospectiva Karatê Kid #4: A Nova Aventura (1994)
- Guilherme Cândido
- 1 de mai.
- 7 min de leitura

Depois de experimentar o desgaste enquanto era mortalmente atingida pela maldição do terceiro capítulo, a franquia Karatê Kid ainda renderia um último longa-metragem antes de entrar num longo hiato. Mesmo contando com a presença do sempre carismático Noriyuki 'Pat' Morita, reprisando seu papel como Sr. Miyagi, trata-se do primeiro filme da série sem a presença de Ralph Macchio. O protagonista que passou anos desafiando os deuses do envelhecimento, encontrava-se com 33 anos quando a produção teve início, fato que já seria suficiente para proporcionar uma imensa dor de cabeça ao estúdio, mas o próprio Macchio fez questão de recusar o convite para retornar ao universo do karatê. Numa entrevista, o ator alegou que "não gostaria de ser para Karatê Kid o que Stallone foi é para Rocky". Seu contrato havia chegado ao fim, então nem mesmo um cheque suntuoso foi capaz de trazê-lo de volta.

Outra ausência notável foi a de John G. Avildsen, diretor de toda a trilogia e que já tinha se acertado com a Columbia, mas voltou atrás para comandar o faroeste esportivo 8 Seconds (o título não possui tradução, pois o longa jamais lançado oficialmente no Brasil). Entretanto, foi o lado criativo que sofreu o maior baque, com um ocupado Robert Mark Kamen deixando o posto de roteirista pela primeira vez. O idealizador da cinessérie vinha do sucesso Máquina Mortífera 3 (1992) e um ano mais tarde assinaria o roteiro do melodrama Caminhando nas Nuvens (1995), com um promissor Keanu Reeves. Mas o show tem que continuar, ou era assim que os executivos da Columbia pensavam em relação a Karatê Kid e decidiram seguir em frente.

Para a cadeira de diretor, o escolhido foi Christopher Cain, do estrelado faroeste Jovens Pistoleiros (1988) e que ainda trabalharia com a até então novata Jennifer Garner num telefilme do Hallmark Channel, antes de se embaraçar com a comédia Pescando Confusão (com Danny Glover e Joe Pesci) em 1997. Já para o roteiro, os produtores contrataram o estreante Mark Lee, em mais uma das decisões ruins que culminaram no fracasso retumbante da produção, mas falaremos disso mais a frente. Afinal de contas, havia uma pergunta mais urgente a ser respondida: quem interpretaria o novo aluno do Sr. Miyagi? Após mais de quinhentos jovens serem testados, uma reviravolta: Pat Morita dessa vez contracenaria com uma menina e a felizarda seria Hilary Swank.

Hoje estabelecida e dona de dois Oscars de Melhor Atriz, por Meninos Não Choram (1999) e Menina de Ouro (2004), Swank tinha apenas dezoito anos quando assinou contrato para encarnar Julie, a nova “karatê kid”. Sua experiência limitava-se a participações em séries de TV e um papel coadjuvante no filme Buffy, a Caça-Vampiros (1992), mas a intérprete natural de Nebraska encarou a dificílima missão de substituir Ralph Macchio com admirável segurança, mas nem mesmo seu carisma ou a surpreendente boa dinâmica com Pat Morita foram suficientes para salvar a produção.

A mudança nada sutil representada pela nova protagonista, Julie, serviria para dar uma bem-vinda chacoalhada na série, que implorava por renovação, mas o apego de Mark Lee à fórmula de sempre falou mais alto, atendendo a supostas diretrizes dos executivos. Atraídos pelo famigerado “mais do mesmo”, é cristalina a intenção de regurgitar tudo o que transformou Karatê Kid num ícone, repetindo sequências famosas, como a do “Wax on, wax off” (o “fan service” não é uma invenção moderna, afinal) e até os tradicionais planos em contraluz, agora fotografados pelo húngaro László Kovács, de sucessos como Sem Destino (1969) e Os Caça-Fantasmas (1984). Apesar de sustentar a ideia de manter marcas registradas, este quarto capítulo também buscou atender a novas demandas, tentando se modernizar, enfrentando sérias dificuldades para equilibrar os elementos clássicos com as novidades, começando pela trilha sonora. Se o compositor Bill Conti permanece fiel aos belos temas incidentais que criou, as canções selecionadas pelos produtores para embalarem a história substituem o rock clássico pelo pop dançante, numa forma atabalhoada de se inserir na moda anos 90. Mais estranho que isso, só acompanhar adultos barbados beirando os trinta anos interpretando colegiais, encerrando definitivamente o efeito Ralph Macchio e acentuando-se nas sequências em que vemos Ned (Michael Cavalieri, de Showdown – A Hora de Vencer, uma das inspirações deste novo Karatê Kid) contracenando com a adolescente Hilary Swank, um problema comum para a época, mas que era contornado pela série até então.

É esse jogo de cintura na hora de solucionar complicações que falta a Mark Lee, cuja inexperiência o faz sucumbir diante de expedientes básicos, como na hora de justificar a partida de Louise (Constance Towers, do enlatado Capitol), avó de Julie, que aceita passar uns dias na casa de Miyagi na Califórnia (mesma estratégia utilizada para escantear Kreese no capítulo passado). O fato de não ser acompanhada pelo mestre veterano fica ainda mais esquisito por se tratar de uma mera desculpa para que ele ocupe a casa da mulher, convivendo com Julie (quem deixaria a neta adolescente sozinha com um homem estranho e mais velho?). A explicação, claro, passa pela confiança na habilidade do veterano sensei em dobrar a rebeldia da moça. Ironicamente, Miyagi entra por acidente no quarto de Julie enquanto esta troca de roupa, mas o constrangimento, ao invés de corroborar meu questionamento acima, serve para referenciar Daniel LaRusso, citando-o nominalmente enquanto tenta amenizar o impacto de sua ausência (nem todas as respostas são dadas, vale dizer).

Se Ralph Macchio, mesmo com um script favorável, foi incapaz de transmitir as nuances de alguém lidando com a transição para a vida adulta, Swank tem todos os atributos para ilustrar a turbulência experimentada pela heroína, mas esbarra num material raso e esquemático. Ao invés de oferecer espaço para a jovem atriz explorar sua personagem, o roteiro concebe a co-protagonista como uma adolescente que é desagradável apenas por esporte, pois, por mais que seja compreensível estar de luto, nada justifica sua insistência em ser rude com todos que a cercam, especialmente Miyagi, estranho que não mede esforços para se aproximar. Quando os dois finalmente começam a se entender, a experiência de assistir a Karatê Kid - A Nova Aventura torna-se prazerosa não pela qualidade da trama (repetida, como explicarei a seguir), mas sim pelo alívio de encerrar um primeiro ato recheado de artificialidades. Note como a passagem que busca aproximar Japão e Estados Unidos soa mais como uma repetição do discurso da série, do que qualquer outra coisa.

O roteiro recicla todos os beats utilizados nas histórias anteriores. Estão lá as sequências de treinamento pouco convencionais que esgotam a paciência da protagonista (“quando farei as coisas de karatê?” também é perguntado), o bullying (agora travestido de assédio), o interesse amoroso (um pouco melhor desenvolvido, mesmo com a problemática da idade, verdade seja dita) e a luta final (ainda mais artificial que a do filme anterior). E já que citei o treinamento, se John G. Avildsen e o saudoso diretor de fotografia James Crabe criavam imagens impactantes ao focar os movimentos de Daniel e Miyagi, Christopher Cain e László Kovács são incapazes de criar um único quadro memorável, recorrendo a montagens batidas e câmera lenta (artifício barato jamais utilizado por Avildsen).

Em contrapartida, Swank e Morita funcionam bem juntos e essa dinâmica torna-se a alma do filme, mesmo que o script recaia em expedientes mais banais (a velha história do baile de formatura, com aulas de valsa e a busca pelo traje perfeito). Ela supera a chatice inicial das grosserias sem motivo e dos gritos aborrecidos e constrói uma protagonista forte e com personalidade, evitando paralelos com o antigo protagonista. Aliás, a própria escalação de uma menina já se mostra inteligente ao evitar comparações. Aos poucos descobrimos o lado doce e receptivo de Julia (com Hilary Swank mostrando seus dotes dramáticos numa cena-chave ao se abrir sobre a morte dos pais), assim como Miyagi, que sua a camisa para quebrar as defesas da jovem. Nem seu inglês passa incólume, o que não deixa de ser curioso, já que Morita força o sotaque carregado. Ele se diverte ao ilustrar os tropeços do japonês em reconhecer as diferenças entre um aluno e uma aluna (“meninos são mais fáceis”), mas só se liberta dos velhos cacoetes no terço final, quando finalmente assume-se como a figura paterna necessitada pela aprendiz (as cenas que antecedem o baile, embora distantes das tradições da série, são emocionantes).

E por falar em tradições, é claro que não poderia faltar a sequência de dança, que pela quarta vez termina em confusão e faz uma frágil e apressada ligação com o clímax. Sem a força de Martin Kove e o carisma de Thomas Ian Griffith, Michael Ironside (o Jester de Top Gun: Ases Indomáveis e o vilão Richter de O Vingador do Futuro) não escapa da caricatura ao encarnar Dugan, uma mera cornucópia do treinador dos Cobra Kai. A determinação em mostrar o quanto o antagonista é malvado é tamanha, que sobra até para Miyagi (perceba como não há educação ao abordar um possível pai de aluno). A dinâmica vista no primeiro Karatê Kid é replicada para garantir um clímax menos megalomaníaco e com mais riscos à protagonista, cujo gênero é pouco explorado pelo roteiro nessa parte.

Infelizmente, há furos demais para que possamos embarcar na história de Julie e até seu falcão possui uma parcela de culpa: como a heroína poderia cogitar chamar um amigo para cuidar da ave se o mesmo já havia sido vítima da hostilidade do animal? Sem contar a rapidez com que McGowen (Chris Conrad, longe de parecer um adolescente) se transforma num encantador de falcões. E como Ned pode querer namorar Julie se desiste de conquista-la tão rapidamente, limitando-se a espernear com crises de ciúmes? Esse conflito, inclusive, é de difícil aderência, pois a aparência 20 anos mais velha do rapaz nunca sai do horizonte. O pior de tudo, diga-se de passagem, é o aproveitamento da polícia dentro da trama (incompetente e negligente), mostrando o conhecimento juvenil por parte do roteirista, que ainda se enrola com a cronologia (apesar do lançamento em 1989, Karatê Kid III se passava em 1985, ao passo que este Karatê Kid: A Nova Aventura assume os nove anos que se passaram, mas sem maiores desdobramentos). Tecnicamente, a produção também não vai muito além, apesar de os produtores terem aprendido a lição e dado mais atenção à montagem. Os figurinos, por exemplo, se atêm ao básico (vilões estão sempre de preto e mocinhos usam roupas claras).

Trazendo Walton Goggins em seu primeiro papel de destaque no Cinema (ainda como “Walt”, aos 23 anos), as novidades de Karatê Kid – A Nova Aventura foram rejeitadas tanto pelo público - foram arrecadados menos de 10 milhões de dólares em bilheteria doméstica - quanto pela Crítica, cujo massacre foi ainda maior em relação ao antecessor. O impacto foi tão grande, que a Columbia desistiu de continuações, deixando a série na geladeira por quase duas décadas até optar por reiniciá-la completamente em 2010. A recepção negativa, creio, está muito mais atrelada à memória afetiva da trilogia inicial e ao desgaste da fórmula, do que propriamente pela trama, cujo resultado, mesmo irregular e redundante, mostrou-se superior ao desastroso Karatê Kid III – O Desafio Final.
Observação: Ao contrário do que muitos pensam, é neste filme que o Sr. Miyagi solta a frase mais famosa de Karatê Kid ("Lutar não é bom, mas se precisar lutar, vença!")
NOTA 5