'A História de Souleymane' mostra a luta diária de um imigrante
- Guilherme Cândido
- há 12 minutos
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Os entregadores, tão importantes durante o período pandêmico, são peças essenciais dentro da engrenagem de nossa sociedade. No entanto, nosso contato com eles tende a durar parcos segundos, já que tempo e dinheiro são sinônimos em sua linha de trabalho e logo estão novamente na estrada rumo ao próximo endereço. O cineasta francês Boris Lojkine joga luz sobre essa categoria enquanto aborda uma outra questão fervilhante no cenário global: a imigração.
Recém-chegado em Paris, o guineense Souleymane Sangaré (Abou Sangaré) é apenas um dos inúmeros ciclistas que percorrem as ruas da Cidade-Luz enquanto acumula dinheiro na conta de seu aplicativo. Sua rotina é corrida, pois além das entregas, ele precisa encerrar os trabalhos a tempo de pegar o ônibus comunitário para um alojamento público, onde se juntará a outros imigrantes para receber comida, roupas limpas e uma cama. Mas Souleymane almeja mais do que a mera sobrevivência e logo descobrimos que está no meio de um processo para legalizar sua permanência na França.

O título da produção é ambíguo, pois pode envolver tanto a vida (ou o pedaço que acompanhamos dela) do protagonista, como a versão que este é instruído a contar na entrevista para o departamento de imigração. Em ambos os casos, trata-se de mais um retrato cru e detalhado de uma situação cada vez mais comum na Europa.

A abordagem de Lojkine, também responsável pelo roteiro, por vezes remete ao Cinema humanista do britânico Ken Loach - autor de obras como Eu, Daniel Blake (2016) e Ventos da Liberdade (2006), ambas vencedoras da Palma de Ouro - com um olhar empático que busca o melhor nas pessoas. O próprio Souleymane é sempre educado, paciente e gentil, estando pronto para ajudar a quem precisa, como fica evidente numa sequência em que atende a um idoso com dificuldades de locomoção. Essa boa índole, claro, é transmitida pela performance de Abou Sangare, tão expressiva e naturalista que a câmera mal consegue resistir ao seu rosto.

Se o desenvolvimento ecoa Loach, a direção do cineasta, que aos 55 anos assina seu quarto longa-metragem, busca inspiração na verdade dos irmãos Dardenne - mestres também galardoados em Cannes por preciosidades como Rosetta (1999) e A Criança (2005) - seja através dos longos planos gravados a mão ou na ausência de trilha sonora, contribuindo para uma atmosfera realista e cada vez mais sufocante. Da mesma forma, Lojkine evita floreios na hora de pintar Paris com as cores de uma metrópole cosmopolita e o véu azulado da fotografia de Tristan Galand (não à toa, parceiro dos Dardenne) funciona como um reflexo inteligente das conexões virtuais sustentadas por Souleymane.

O próprio celular do sujeito cumpre duplo expediente, seja como instrumento de trabalho e/ou servindo para ligá-lo diretamente às suas origens, estabelecendo-se metaforicamente como uma ponte tanto para o passado, como para o futuro. É através do aparelho, aliás, que o protagonista tem uma conversa reveladora (especialmente sobre sua personalidade) com seu antigo amor, deixado para trás.

Como a Arte imita a Vida, personagem e intérprete se confundem: Antes de ter a vida mudada por A História de Souleymane, pelo qual foi premiado como Revelação do ano no César (o Oscar do Cinema Francês), Abou estava ilegal na França, para onde se mudou depois de desistir de procurar um emprego digno na Guiné, país africano onde nasceu e viveu por 23 anos. O tortuoso caminho narrado pelo personagem fictício, foi percorrido na prática pelo próprio ator, que chegou a atravessar um deserto e ser preso antes de finalmente chegar ao velho continente, aos 16 anos.
Duplamente premiado na mostra Un Certain Regard em Cannes (incluindo outro troféu de Melhor Ator), A História de Souleymane ainda fez parte do último Festival Varilux de Cinema Francês e chega essa semana aos cinemas de todo o Brasil como uma alternativa mais sóbria e inspiradora em meio a blockbusters hollywoodianos.
NOTA 8