"Toc Toc Toc - Ecos do Além" usa conto de Allan Poe, mas não passa da superfície
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Toc Toc Toc - Ecos do Além" usa conto de Allan Poe, mas não passa da superfície


Peter é uma criança aparentemente normal. Filho único, vive com os pais amorosos e vai para a escola todos os dias, onde infelizmente acaba sendo importunado por um colega de turma. Tudo muda quando ele começa a ouvir barulhos estranhos vindos do outro lado da parede do seu quarto. Seria algo sobrenatural ou apenas fruto de sua imaginação fértil (ou hiperativa segundo sua mãe)? Uma premissa relativamente simples, mas que merece créditos por ter sido livremente inspirada no conto O Coração Revelador assinado pelo escritor Edgar Allan Poe, mais conhecido como o autor do poema O Corvo.


A história tem início com uma sequência que ilustra bem a solidão de Peter (Woody Norman, excelente em Sempre em Frente) e seu cotidiano, especialmente na escola, onde tem dificuldade de lidar com outras crianças. Por outro lado, seu empenho durante as aulas lhe vale boas notas e uma ótima relação com a Srta. Devine (Cleopatra Coleman, do recém-lançado Piscina Infinita), sua nova professora e em quem desperta afeição logo de imediato (comentarei mais adiante). O que mais interessa aos realizadores, porém, é o relacionamento de Peter com os pais.

Vivida por Lizzy Caplan, normalmente associada a papéis cômicos em filmes como Meninas Malvadas, A Ressaca e Truque de Mestre - O 2º Ato, a mãe do menino é retratada como uma mulher que parece viver única e exclusivamente para o filho, de quem se tornou superprotetora após o misterioso desaparecimento de uma menina num Halloween há muitos anos (teria sido vítima de Michael Myers?). Já o pai é interpretado pelo neozelandês Anthony Starr com o mesmo sorriso largo que utiliza para compor o Capitão Pátria da série The Boys, seu trabalho mais famoso. Mais rígido, mas não menos afetuoso, ele é outro que o roteiro não demonstra muita preocupação em mostrar fora do ambiente caseiro.

Essa aura de mistério é bem utilizada pelo roteirista Chris Thomas Devlin (autor do execrável O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface, lançado pela Netflix no ano passado) , que merece elogios por empregar o foreshadowing com alguma sutileza. Da mesma forma, a direção de Samuel Bodin, estreante em longas-metragens, é inteligente ao construir um clima suficientemente sinistro para manter o espectador envolvido, sem apelar para os jump scares (mesmo que não resista à tentação de incluir uns dois ou três). Bodin também demonstra uma habilidade notável para movimentar a câmera, investindo em ângulos e raccords ocasionalmente arrojados.

Enquanto isso, o design de produção é eficiente ao fazer da espaçosa casa de Peter um lar aparentemente aconchegante e convencional por fora, mas repleto de cantos obscurecidos e longos corredores por dentro. Apesar de não passear com a câmera pelos cômodos com o mesmo virtuosismo de James Wan no ótimo Invocação do Mal, a direção é particularmente eficaz ao induzir o público ao erro de subestimar o tamanho do local. Assim, o casarão eventualmente surge mais extenso ou claustrofóbico, de acordo com as necessidades da história.

Em contrapartida, não deixa de ser lamentável que o filme encontre espaço para iniciar uma promissora discussão sobre o uso da violência para a solução de problemas, com dois momentos específicos (a aparição de uma aranha e uma conversa familiar), mas jamais encontre tempo para desenvolvê-las. Sem contar a forma apressada com que o roteiro constrói a relação de Peter e Devine, cujas suspeitas são tratadas como meros artifícios narrativos de curto prazo, jogando fora a oportunidade de explorar, com mais profundidade, a dúvida sobre determinados elementos do texto.

E embora os efeitos sonoros pequem ora pela obviedade, ora pela precariedade (repare como alguém caindo da escada soa como uma abóbora se espatifando), a compositora Drum & Lace (do recente Vermelho, Branco e Sangue Azul) opta por uma trilha sonora mais discreta, contida no propósito de intervir apenas em momentos oportunos, evitando a armadilha de tentar guiar as sensações do público. Aliás, só de não investir nos acordes ensurdecedores para provocar sustos, ela já merece elogios.

Exagerando na escuridão em algumas sequências (especificamente aquelas que envolveram algum efeito visual), Cobweb (no original) é um exercício de gênero relativamente competente que acerta justamente por não mirar alto demais, oferecendo uma experiência, senão transcendental ou complexa, ao menos interessante o bastante para merecer 82 minutos do nosso tempo.


NOTA 6


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