"Um Filho" | Dramalhão de Florian Zeller é destruído por ator novato
Prestigiadíssimo no mundo do teatro, o dramaturgo francês Florian Zeller impressionou a indústria cinematográfica com o retrato angustiante de uma pessoa sucumbindo à demência. Com Meu Pai, Zeller levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado e viu o astro Anthony Hopkins oferecer a performance de sua vida como o protagonista desta primeira parte de uma trilogia que esperava-se fazer tanto barulho nas telas, quanto fez nos palcos.
Engenhoso ao conceber uma estrutura narrativa que permitia ao espectador simultaneamente enxergar o mundo pelos olhos confusos de Anthony e ao mesmo tempo sentir as consequências que abalavam sua filha (brilhantemente interpretada por Olivia Colman), Meu Pai lançou altas expectativas para o projeto seguinte de Zeller, decidido a pular diretamente para terço final de seu magnum opus teatral. Completando a tríade de um estudo sobre a decadência mental sob diferentes perspectivas e circunstâncias, Um Filho utiliza um elenco robusto para dar vida a uma história tristemente conduzida sem inspiração por Zeller.
Peter (Hugh Jackman, eternamente Wolverine) vive feliz com sua nova esposa (Vanessa Kirby, desperdiçada num papel periférico) e o filho recém-nascido num confortável apartamento nova-iorquino. Estável no trabalho, mas aguardando uma promoção grande o bastante para fazer sua carreira decolar, ele vê sua rotina ser quebrada ao receber a visita repentina de Kate (Laura Dern, monocórdica como o próprio filme), sua ex-esposa, implorando-o para visitar o filho Nicholas (o estreante Zen McGrath) após descobrir que este vem matando aulas há um mês e corre o risco de ser expulso, além de apresentar um comportamento tão frio e distante que ela já não sabe mais o que fazer.
O que o ex-casal demora a entender é que o filho está tão deprimido que a simples mudança de ambiente, levando-o a morar com o pai, não resolverá o problema, ainda mais porque Peter não consegue perceber (ou aceitar) que a causa de tamanho sofrimento reside no fato de ter largado a família para recomeçar a vida ao lado de outra mulher, por mais que Nicholas, literalmente, escancare sua dor aos berros. Peter, no entanto, passa longe de ser uma pessoa ruim e os problemas apresentados por Nicholas injetam um estímulo ainda maior ao seu compromisso de ser o melhor pai possível.
Um Filho, no entanto, não é o filme de Zen McGrath e sim de Hugh Jackman, que chama para si a responsabilidade de preencher o vácuo emocional deixado pelo colega inexperiente, que ganhou uma história para protagonizar, mas claramente foi engolido pela dimensão da tarefa. Sabotado por uma escolha tremendamente malfeita pela equipe de casting, Nicholas é um mero avatar de frustração ambulante na pele de um intérprete incapaz de ir além da expressão vazia marcada por olhos semicerrados, o que se torna uma catástrofe irremediável, por mais que Jackman exale toda a intensidade que falta a McGrath. Para ser honesto, o texto também não ajuda, pois faz de Nicholas um personagem definido pela doença que possui, com um conjunto de sintomas prevalecendo numa caracterização carente de traços de personalidade. Além do fato de sofrer com a depressão, nada sobra ao personagem para gerar engajamento junto ao público. Por outro lado, é preciso reconhecer a proeza de McGrath ao conseguir distorcer um script simples ao ponto deste soar obtuso.
Hugh Jackman, em contrapartida, comove ao capturar as nuances de um homem que mede as dificuldades de ser pai pelo modelo que teve enquanto filho, amplificando a pressão inerente à sua posição ao impor para si a obrigação de dar a Nicholas o apoio que jamais teve. E é uma pena que um dos grandes momentos do roteiro, aquele em que Peter diz “quando você machuca a si mesmo, é como se estivesse me machucando” e Nicholas rebate com “e quando você machuca a minha mãe, você me machuca”, Zeller falha como cineasta ao buscar a (falta de) expressão de McGrath ao invés de manter o foco na reação de Jackman. Ao menos o ator australiano aproveita duas outras oportunidades, uma com Peter confrontando Nicholas à beira de um ataque de nervos e outra ao lado de Anthony Hopkins, cujo talento transforma uma participação pequena na melhor cena do filme, por mais abrupto que seja o embate que irrompe durante um almoço.
Com exceção desses breves rompantes de energia (frutos exclusivamente o trabalho dos atores mais experientes), o filme se desenvolve como uma viagem de cerca de duas horas de duração rumo ao inferno emocional vivido por seus personagens, num samba de uma nota só com Zeller esticando a corda do melodrama enquanto sua história anda em círculos (perto da metade, ele resolve voltar ao ponto de partida e reiniciar o arco de Nicholas ao mostrá-lo fazendo com o pai o que já tinha feito com a mãe).
Por mais que busque penitenciar o espectador com um suplício quase interminável (o único escape acontece numa sequência de dança tão alegre que chega a provocar estranheza, como um daqueles lapsos de melhora que costumam acometer pacientes pouco antes da morte), Um Filho funciona menos como um retrato da depressão e mais como um alerta para aqueles que subestimam o peso dos anseios paternais, aqui retratados como um pesadelo febril.
NOTA 4,5
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