Vencedor do Urso de Ouro, drama catalão "Alcarràs" chega ao streaming
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Vencedor do Urso de Ouro, drama catalão "Alcarràs" chega ao streaming


No interior da Catalunha, mais precisamente num vilarejo chamado Alcarràs, vive a família Solé, cujos numerosos integrantes transmitem de geração para geração a tradição de passar os verões colhendo pêssegos de seu imenso pomar. Um detalhe burocrático, no entanto, ameaça os Solé de despejo de suas próprias terras, mergulhando o cotidiano até então pacato daquelas pessoas numa atmosfera de incerteza, já que perder os pessegueiros põe em xeque a união da própria família.


Abarrotado de personagens, seria fácil para Carla Simón, diretora e roteirista catalã, se perder ao costurar uma trama que abarcasse cada um deles, mas ela é inteligente o bastante para depositar suas energias no fortalecimento do elo entre eles. Dessa forma, pensando na família como a junção de elementos que se entrelaçam, ela utiliza o grupo das crianças como um ponto de intersecção entre os núcleos, seguindo uma dinâmica fortemente influenciada por Projeto Flórida.

O texto, moldado por uma linguagem formalista semelhante ao da obra-prima Close, mas sem a sensibilidade e o brilhantismo do belga Lukas Dhont, é complementado pela direção naturalista de Simón, empregando atores não profissionais em papéis-chave que influenciam diretamente nessa abordagem mais intimista. A opção por manter a câmera sempre próxima dos personagens não é adotada à revelia e fazem do espectador um legítimo partícipe. A fotografia excepcionalmente ensolarada faz bom uso das bucólicas paisagens catalãs, construindo planos tão pictóricos quanto representativos, como aquele em que uma montanha esconde parcialmente uma estrada de terra sinuosa, fazendo com que veículos indesejados surjam implacavelmente como intrusos.

É curioso constatar que apesar de possuir uma galeria fascinante de figuras, a verdadeira personagem é a família em si, com o conjunto sendo mais valioso do que suas partes individuais. Funcionando como peças independentes, cada membro tem personalidade, vivendo de formas que nem sempre contribuem para o pleno funcionamento da engrenagem maior representada pela família. Até por isso, quando um ou mais componentes começam a apresentar defeitos, isto é, quando cada indivíduo enfrenta um conflito, a união familiar é posta em xeque e a harmonia (engrenagem) quebra.

Dentro dessa conjuntura, saltam pontos que fascinam por desafiarem esse sistema confortável ao qual Alcarràs se acomoda enquanto narrativa. Numa história mais convencional, haveria a exploração da celeuma familiar partindo da diferença de mentalidades, com a prole negando sua herança em detrimento de um futuro longe do contexto rural, desagradando aos progenitores, pois incapazes de enxergarem o sonho metropolitano como algo além de uma utopia supérflua. Aqui a lógica se inverte, com o filho adolescente perfeitamente acomodado à sua realidade operária, fazendo de sua manutenção o ideal de vida que busca para o futuro, ao passo que o pai esforça-se para colocar o jovem no caminho dos estudos, partindo daí as fissuras.

Para justificar esse desenvolvimento, Simón concebe o pai como uma figura sofrida, cujo cansaço da vida no campo, acumulado ao desgaste da luta diária por reconhecimento (em várias frentes), já se manifesta por meio de dores físicas, como se o corpo estivesse mostrando que o peso que carrega sobre os ombros finalmente deixou de ser simbólico. Na prática, a administração do pomar está diretamente atrelada ao equilíbrio da família e quando há algum empecilho relacionado às terras, são os familiares (na linha de frente da guerra cotidiana pela subsistência) que padecem primeiro e é justamente isso que tira o patriarca do prumo.

Mas isso não basta para a roteirista, que aproveita o alicerce que construiu durante o primeiro ato, para sustentar o pano de fundo político que aos poucos é trazido para o primeiro plano, com as manifestações em prol da valorização dos pequenos agricultores ganhando força à medida que o cabeça da família percebe que resistir à entrada imediata na luta é garantir a derrota a longo prazo. O discurso contra as grandes empresas se alinha à vertente dominante do Cinema (especialmente o europeu), e de quebra chama atenção para um problema também global.

No entanto, embora Carla Simón finalize sua história com posição clara, inserindo-se no contexto político contemporâneo, seus esforços são tímidos demais quando postos lado a lado com o êxito dramático que logrou ao fazer da Família Solé um microcosmo vivo, com elementos narrativos pouco originais, mas manuseados corretamente. Para uma cineasta que acaba de conquistar o Urso de Ouro em seu segundo filme, é o claro sinal de alguém qualificado para voos mais altos.


NOTA 7,5


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