'Virgínia e Adelaide' resgata pioneiras da Psicanálise no Brasil
- Guilherme Cândido
- 13 de mai.
- 2 min de leitura
*Visto originalmente no Festival do Rio 2024

Outra oportunidade extraordinária concedida pelo Festival (e logo depois da catártica sessão de Os Enforcados), foi a de conhecer o mestre Jorge Furtado, simpático realizador com uma humildade diametralmente oposta à sua importância para o Cinema Brasileiro. Dono de um estilo que além de marcar algumas obras cultuadas como O Homem Que Copiava e Saneamento Básico (um dos meus filmes favoritos), influenciou uma geração de jovens cineastas, participando ativamente da renovação de nossa filmografia.
Este ano, o gaúcho traz ao público do Festival do Rio sua colaboração com a cineasta estreante Yasmin Thayná (roteirista de Regra 34), que conta a história de Virgínia Bicudo e Adelaide Koch, cuja amizade ajudou a disseminar a psicanálise no Brasil. Bicudo, aliás, foi a primeira não-médica a ser reconhecida como psicanalista, profissão já exercida por Koch, obrigada a deixar sua Alemanha natal pelo fato de ser judia. Situada em 1937, a história tem início com Vírginia ainda em sua fase como pesquisadora, procurando Adelaide para uma série de (caras) sessões de terapia. Produzindo uma tese de mestrado baseada em estudos raciais, aos poucos a relação paciente-terapeuta se transforma.

O filme teve sua première no 52º Festival de Gramado, fazendo parte de uma merecida homenagem às quatro décadas de carreira de Furtado. No Rio, a celebração é pelos 35 anos desde a fundação da Casa de Cinema de Porto Alegre, criada pelo próprio diretor e hoje berço de grandes talentos.

Em franca ascensão no Cinema Nacional, Sophie Charlotte segue em evolução e, se já esteve bem em O Rio do Desejo, sua performance como Adelaide é, no mínimo, irrepreensível. Facilitada pelo fato de ter nascido na Alemanha e residido em Hamburgo até os sete anos, a atriz é hábil ao construir um sotaque convincente a ponto de afastar qualquer flerte com a caricatura. Já Gabriela Correa dá vida à Virgínia como uma figura de mente aberta, mas adota maneirismos que sugerem uma mulher que ainda não conquistou sua liberdade. E como fazê-lo, num país cuja escravidão durou quase quatro séculos? A desigualdade na sociedade brasileira, particularmente o racismo, é mais do que um estudo: é analisar a própria vivência.

Para contar essa história, Yasmin Thayná e Jorge Furtado lançam mão de praticamente todos os recursos que alçaram o segundo ao panteão de diretores tupiniquins. A linguagem documental se mistura à ficcional, com intervenções visuais que vão desde telas divididas, passando por transições elaboradas (aquela com a sombra de Adelaide passando ao fundo de uma cena com Virgínia é inspiradíssima) até segmentos frenéticos (no melhor estilo Ilha das Flores) representando dados que normalmente seriam enfadonhos em outras produções. Furtado dá vida ao enredo, mas é preciso reconhecer que seu arsenal soa deslocado em alguns momentos, como um recurso desesperado para avançar a narrativa sem perder o compasso.

Apesar de irregular em termos de linguagem, o ritmo frenético e a energia emanada pelas atrizes em cena, mantém Virgília e Adelaide nos trilhos, chegando a um final tão talhado para mandar o espectador para casa com boas vibrações, que chega a causar estranheza. Mas depois de acompanhar o que Virgínia teve de passar para que a Psicanálise chegasse a nós, brasileiros, nada mais justo do que fazer uma grande festa.
NOTA 7