'A Morte de um Unicórnio' acerta quando não se leva a sério
- Guilherme Cândido
- 2 de ago.
- 3 min de leitura

Extremamente popular entre as crianças, o Unicórnio é um animal mitológico cuja origem remonta às Artes Medievais e Renascentistas. Derivado do latim, seu nome faz referência à sua característica mais marcante (uni = um, cornu = corno, ou chifre), e o visual fabuloso sustenta associações com a pureza e a força. Em registros antigos, essa criatura frequentemente é associada à virgindade, tanto que, de acordo com o mito original, apenas uma donzela pura é capaz de domá-la. O polímata Leonardo da Vinci (1452-1519) chegou a escrever que “através da sua intemperança e incapacidade de se dominar e devido ao deleite que as donzelas lhe proporcionam, esquece sua ferocidade e selvajaria. Ele põe de parte a desconfiança e adormece no regaço da donzela sentada”.
Apesar de ostentar o clássico estilo cândido de suas origens, o Unicórnio presente na mais nova produção da A24, que chega aos cinemas brasileiros alguns meses após estrear no Festival SXSW, passa muito longe de ser dócil...

Escrito e dirigido pelo estreante Alex Scharfman, A Morte de Um Unicórnio escala o Homem-Formiga Paul Rudd e a Wandinha Jenna Ortega como pai e filha numa viagem de carro até uma região montanhosa do Canadá. O clima entre os dois não anda lá muito bem, pois a morte da matriarca da família ainda é profundamente sentida. Ele é o advogado de uma importante corporação farmacêutica e ela é seu grande trunfo para convencer seu chefe moribundo a lhe entregar o controle da empresa. No trajeto, porém, eles acabam atropelando justamente a tal criatura que todos acreditavam ser um mito. A pressa de chegar obriga Elliot e Ridley a adiarem o enterro do cadáver, que é deixado no porta-malas do veículo enquanto eles participam da reunião que pode fazê-los mudar de vida para sempre. Mas a morte do Unicórnio os assombrará no melhor estilo Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, alimentando o insaciável desejo de vingança dos pares do animal.

Longe de ser fofinho como convencionou-se a imaginá-lo, o Unicórnio é retratado pela produção como um ser brutal e implacável, capaz de soltar urros guturais logo após eviscerar suas vítimas. Mas o roteiro também aproveita sua aura mágica, conferindo poderes de cura a quem ingerir seu sangue e se você leu o parágrafo anterior com atenção, já deve imaginar o valor que a criatura passa a ter perante Odell, o presidente da tal farmacêutica que acreditava viver seus momentos derradeiros.

O papel de pai irresponsável cai como uma luva para Rudd, que se sai bem inclusive ao explorar o drama de Elliot, rendendo o momento mais tocante da narrativa (“desculpe ser eu com quem você está presa”). Da mesma forma, Ortega, especialista em interpretar adolescentes problemáticas, tira de letra a composição de Ridley, mas é mais convincente ao ilustrar o lado puro da moça do que seu lado rebelde, o que explica sua forte caracterização (melhor pecar pelo excesso do que pela falta, não?). O elenco, aliás, é repleto de nomes talentosos e embora o indicado ao Oscar Richard E. Grant tenha mais tempo de tela e Téa Leoni (do ótimo As Loucuras de Dick e Jane) chame atenção por ressurgir nos cinemas após mais de 14 anos de dedicação exclusiva à TV, é Will Poulter (do recente Tempo de Guerra) quem rouba a cena na pele de um herdeiro mais preocupado com o dinheiro do que com as pessoas.

Esse, diga-se de passagem, é um comentário recorrente e particularmente dispensável numa narrativa que funciona muito melhor quando se assume como escapismo. Até porque, o discurso contra a elite e seus milionários desumanos não apenas deixou de ser novidade, como é articulado com mais desenvoltura em outras produções e não necessariamente melhores, como a recente Mountainhead, original HBO Max.

E esse é apenas um dos pontos fracos do roteiro de Alex Sharfman, que em momento algum parece decidir seu público-alvo, atacando demografias com a mesma aleatoriedade com que salta entre tons. A ideia é fisgar os mais velhos com seu discurso supostamente adulto? Ou capturar os mais jovens com uma sanguinolência digna dos mais famosos slashers?

Portanto, mesmo exibindo sua parcela de furos (uma importante pesquisa é feita em minutos), o terceiro ato se revela o melhor, especialmente por abraçar o estapafúrdio e oferecê-lo com altas doses de imprevisibilidade. Abandonando de vez qualquer ambição narrativa, o filme transforma o Unicórnio numa espécie de Jason de quatro patas (e um chifre afiadíssimo, vale dizer), protagonizando sequências que, se não provocam tensão, tampouco despertarão indiferença, com personagens sendo despedaçados com impiedosa facilidade.
Pena que justamente quando começa a ficar divertido de fato, A Morte de um Unicórnio já está chegando ao fim.
NOTA 5,5