'A Hora do Mal' mistura sustos e risos em trama à la 'Magnólia'
- Guilherme Cândido

- 7 de ago.
- 3 min de leitura

Exatamente às 2:17 da manhã numa cidadezinha do interior da Pensilvânia, 17 crianças simplesmente se levantam de suas camas, abrem a porta de casa e saem correndo pelas ruas de braços abertos como se fossem pequenos aviões prestes a decolar rumo à escuridão, gerando uma imagem perturbadora o bastante para representar um excelente cartão de visitas deste A Hora do Mal.
Mas ao invés de servir de combustível para um terror genérico, daqueles que invadem os multiplexes pelo menos um par de vezes por mês, o filme é engenhosamente construído pelo diretor e roteirista Zach Cregger como se fosse uma versão alternativa de Magnólia escrita por Stephen King. Autor do bom Noites Brutais, Cregger não ousa tentar alcançar a grandiosidade esfíngica da obra de Paul Thomas Anderson, mantendo apenas a estrutura dividida entre as perspectivas de seis personagens, cujas participações no mistério fazem a história sempre dar um passo para trás antes de dar outros dois a frente.

Embora o ponto forte do longa-metragem seja justamente explorar nosso medo perante o desconhecido, levando a máxima de Hitchcock à risca (“não há nada mais aterrorizante do que nossa própria imaginação”), dissertar mais sobre a trama talvez ponha em risco o impacto de suas surpresas, algo que a narração inicial faz questão de alimentar. Que a tal narradora seja uma criança e jamais fique claro como tomou ciência de tantos momentos dos quais não participou, é um desleixo bobo que poderia ter sido evitado.

Cregger também abusa das sequências de pesadelo, posicionadas num curto espaço de tempo e claramente pensadas para manter os nervos à flor da pele, pois ainda que o cineasta demonstre confiança em seus atributos como contador de histórias, é nítido que A Hora do Mal demora a engrenar com seus saltos entre capítulos, já que o mistério torna-se sua prioridade, em detrimento do desenvolvimento de seus personagens.

Tanto a professora vivida por Julia Garner (a Surfista Prateada do novo Quarteto Fantástico), quanto o pai inconformado encarnado por Josh Brolin (o Thanos da Marvel), são definidos por um limitado conjunto de características. Ele é certamente o mais afetado, uma vez que seu maior arrependimento parte de uma fonte tola, diferente de Justine Gandy, transformada em principal suspeita graças a bizarra coincidência de todos os desaparecidos serem seus alunos.

Cregger, por sua vez, evita o erro de converter seus personagens em santos ou idiotas. Portanto, não espere decisões inexplicavelmente tomadas e, sim, figuras humanizadas. Justine, por exemplo, é alcoólatra e a pressão imposta pela situação, a leva a buscar respostas por conta própria, desembocando em situações que talvez não sejam as ideais, mas com as quais facilmente nos identificamos. Identificação esta que só potencializa o peso da atmosfera. Quando alguém resolve bisbilhotar uma casa pouco movimentada, por exemplo, tememos pelo seu destino precisamente por não termos a menor ideia do que esperar.

Aliás, o design de produção merece fartos elogios pela forma com que desconstrói a aura imaculada dos subúrbios estadunidenses. Assim como ficou claro em Halloween - A Noite do Terror (1978), andar desacompanhado entre calçadas e gramados durante a noite não só pode, como deve ser perigoso. A situação não muda durante o dia, pois, nesse tipo de filme, sempre há aquela construção sinistra no final da rua e é lá mesmo onde mora o perigo.

Entre uma pista e outra sobre o que raios está acontecendo, Zach Cregger nos brinda com alguns sustos e muitos arrepios, principalmente quando enfim descobrimos o que se esconde na tal casa, mas além de estilo, há conteúdo de sobra. Segundo o texto, quando se está desesperado, sofrimento gera sofrimento e a dor de um tende a ser incutida no outro, discurso personificado por um Josh Brolin que se movimenta pelos cenários como um trem desgovernado. Até o título original (“Weapons” significa armas), faz sentido quando ilustra a tese de que no nosso mundo, qualquer coisa pode servir para machucar alguém, até mesmo crianças inocentes.

Por fim, é preciso alertar que ninguém está preparado para o que acontece após a solução do mistério, que desemboca numa longa sequência digna de um curta dos Looney Tunes. Sim, Cregger salpica a narrativa com o famigerado alívio cômico, mas nem o mais vanguardista dos espectadores esperará dar gargalhadas tão altas. E acredite, a loucura que toma conta dos 15 minutos finais é mais hilariante do que boa parte das comédias lançadas esse ano.

O que faz de A Hora do Mal uma singular salada de sensações centrifugada por um cineasta que não possui o menor medo de arriscar. Há quem o aponte como um promissor expoente do Terror, mas a versatilidade comprovada aqui indica um apetite maior.
E mal posso esperar para vê-lo devidamente saciado.
NOTA 8









