'Bailarina' mantém as tradições da franquia 'John Wick'
- Guilherme Cândido
- 4 de jun.
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Embora dominado pelos homens, o Cinema de Ação não carece de (anti)heroínas, muito menos de franquias lideradas por estrelas femininas. Antes de presentear Jean Reno com o papel principal no formidável O Profissional (1994), o realizador francês Luc Besson já havia aberto os trabalhos com o emblemático Nikita: Criada Para Matar (1990), pavimentando o caminho para Angelina Jolie assumir o trono desse nicho ao estrelar os subestimados Sr. & Sra. Smith (2005) e Salt (2010). Almejando a sucessão da realeza dos filmes de ação, Ana de Armas emplaca seu segundo grande papel empunhando armas e desferindo socos e chutes acrobáticos – para quem não se lembra, ela roubou a cena como a agente Paloma de 007 - Sem Tempo Para Morrer (2021), despedida de Daniel Craig como James Bond -. Se a cubana passa longe de ser uma forasteira na Ação, tampouco Bailarina chega aos cinemas como um desconhecido do público. Afinal, trata-se do primeiro derivado da bilionária franquia John Wick. Com uma curva ascendente tão agressiva nas bilheterias, era inevitável que a Lionsgate encomendasse a expansão do universo de assassinos liderado por Keanu Reeves e mal consegue disfarçar suas pretensões financeiras. A boa notícia é que o longa-metragem é bem-sucedido ao replicar a fórmula de sucesso da marca. A má é que não vai muito além disso. A questão a ser respondida é: Os fãs vão se satisfazer com essa proposta?

Escrita pelo mesmo Shay Hatten que assinou os roteiros dos dois últimos capítulos da cinessérie (entre os quais se passa a nova trama), a narrativa serve como uma história de origem para Eve (de Armas), que vai de uma inocente garotinha, até uma implacável assassina em busca de vingança pela morte do pai, que por sinal fazia parte de uma “tribo” de homicidas chefiada por um sujeito conhecido como “Chanceler” (Gabriel Byrne). Para adquirir as habilidades necessárias, Eve entra para a “Ruska Roma”, organização que opera secretamente no submundo (pelo qual o, agora, "Universo John Wick" é famoso) liderada pela misteriosa Diretora (Angelica Huston).

Em nenhum momento há uma preocupação em fazer a produção caminhar com as próprias pernas, pelo contrário, pois Hatten estimula a dependência de John Wick, fazendo de Bailarina pouco mais do que uma filial da matriz encabeçada por Reeves. Além de trazer rostos e locações familiares, o longa reproduz, também, a ação estilizada e hiperviolenta, alcançando resultados irregulares especialmente na primeira metade. Quando busca borrar as linhas que separam o original desse derivado, o filme soa como uma cópia barata, frustrando pela falta de imaginação. Boates banhadas em luz neon e decoradas de forma exótica (com direito a mesas de gelo), personagens extravagantes, trilha sonora techno e muitos capangas sendo impiedosamente derrotados provocarão uma extensa sensação de déjà vu aos entusiastas da franquia. É verdade que, nesse “Pacote John Wick”, estão inclusas as lutas bem coreografadas e dirigidas com objetividade.

Muito se comentou sobre o volume incomum de refilmagens, com alguns veículos da imprensa noticiando a entrada de Chad Stahelski, diretor de todos os longas anteriores, no lugar de Len Wiseman, conhecido por seu trabalho a frente do ótimo Duro de Matar 4.0 (2007) e da razoável refilmagem O Vingador do Futuro (2012). Se é um fato ou não, pouco importa, mas estão lá os planos abertos característicos de Stahelski, que como ex-dublê dedica-se a jogar os holofotes nas coreografias, assim como os cortes mínimos. Idealizador da franquia Anjos da Noite (2003-2017), Wiseman se notabilizou por comandar uma heroína, e Eve poderia muito bem ter sido interpretada por Kate Beckinsale, convenhamos.

Mas Bailarina também faz alguns bem-vindos flertes com o cartunesco, especialmente na sequência em que a protagonista e uma cozinheira inimiga atiram pratos uma na outra. Não por acaso, em determinado momento vemos uma televisão exibindo Os Três Patetas. Infelizmente, apesar de abraçar o tom fantasioso, o filme precisa cumprir a função de manter o universo em expansão, partindo para uma seriedade que só o enfraquece, principalmente quando comparado à franquia-mãe.

De Armas é a menos culpada. Aliás, ela se esforça para transmitir personalidade e carisma à Eve, mesmo que a produção faça questão de exibí-la orgulhosamente como uma versão feminina de John Wick (figurino e penteado são os mesmos, diga-se de passagem). Longe da graciosidade exalada como Paloma, a atriz se sai bem ao assimilar a fisicalidade exigida pelo papel. Eve é alvejada, esfaqueada, lançada por janelas e escadas, jogada em paredes e mesas, e De Armas segue plena, influenciada pela brutalidade elegante de Keanu Reeves. Norman Reedus, o eterno Daryl da série The Walking Dead (2010-2022), aparece pouco, mas sua presença é marcante o bastante para levantar suspeitas sobre seu retorno no futuro, enquanto Gabriel Byrne surge no piloto automático como vilão. Aliás, não fosse pelo estilo tão peculiar, a produção enfrentaria dificuldades para se distinguir entre tantos filmes de vingança que estreiam por aí.

Mas duas sequências de ação eliminam qualquer possibilidade de tirarmos Bailarina da prateleira mais alta dos blockbusters hollywoodianos e entram para os melhores momentos de uma série já famosa por engrossar o auge da Ação. A primeira delas tem Ana de Armas lançando granadas enquanto massacra inimigos e a segunda (minha favorita), adiciona complexidade às coreografias ao incorporar dois oponentes duelando com lança-chamas, proporcionando um engenhoso balé de fogo que impressiona pela plasticidade das imagens e pela precisão dos movimentos em cena.

Embora jamais consiga mascarar sua natureza caça-níquel, Bailarina tampouco irá decepcionar aqueles em busca de ação em alto nível, ostentando a marca registrada de uma franquia que oficialmente entra no perigoso território da ganância, correndo sérios riscos de se esgotar perante seu público.
NOTA 7
Observação: Na sessão exclusiva à imprensa, o filme apresentou problemas de áudio durante a projeção, com efeitos sonoros estourados.