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'Cloud: Nuvem de Vingança' mostra a brutalidade do capitalismo na era digital

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 6h
  • 3 min de leitura

Ryôsuke Yoshii (Masaki Suda) é um desses vendedores online capazes de enxergar promoções como grandes oportunidades de negócio. É o que o motiva, por exemplo, a passar horas encarando uma tela de computador em busca de seu próximo grande negócio. Pode ser um jogo de videogame, um ingresso para um show disputado, uma action figure, ou até mesmo uma máquina terapêutica. Esta última, aliás, é usada para ilustrar, logo nos primeiros minutos de projeção, o modus operandi de Yoshii: se fazer de leigo para poder pagar barato num volume considerável de mercadorias, apenas para vendê-las por um preço substancialmente maior. Para sobreviver no mercado, às vezes é preciso adotar táticas predatórias. O problema é que “sobreviver” deixa de ser o bastante para o sujeito que mal consegue oferecer conforto à própria namorada em meio a tantas caixas espalhadas por seu pequeno apartamento em Tóquio. Ele quer mais e com o mínimo de esforço. Sim, o capitalismo tende a ser brutal, especialmente se você for ganancioso (o bastante).

Escrito e dirigido pelo japonês Kiyoshi Kurosawa, que não possui ligação alguma com o Mestre do Cinema autor de obras-primas como Rashomon (1950), Os Sete Samurais (1954) e Yojimbo, O Guarda-Costas (1961), exceto pelo sobrenome homônimo, Kuraudo (no original) é mais eficiente em sua primeira hora, quando se concentra em desenvolver o protagonista e suas ligações, sejam elas afetivas ou estritamente comerciais. Aos poucos, somos apresentados à hipótese de Yoshii não ser exatamente o que aparenta, principalmente quando decide se mudar com a amada para uma espaçosa casa no interior. Essa troca de ambiente, no entanto, não faz bem à narrativa, marcando uma mudança tonal que substitui o fascínio tão bem projetado pelo primeiro ato por um conjunto de elementos típicos do suspense manuseados até com certa habilidade por Kurosawa, especialista na área, mas sem oferecer uma recompensa satisfatório.

O casal passa a ser atormentado por eventos aparentemente desconexos, como o aparecimento de um rato morto e quando Yoshii resolve contratar um assistente, aí Cloud entra de vez no território do thriller. Com vasta experiência no Cinema de gênero, especialmente o Horror, Kiyoshi Kurosawa não tem dificuldades em construir uma atmosfera tensa, manipulando nossas expectativas ao sugerir a iminência de algo sombrio, como uma consequência do comportamento desenfreado do protagonista. Apesar de dois atos distintos, como se filmes completamente diferentes fossem, a produção consegue se manter de pé, mesmo cambaleante, contando com a habilidade de Kurosawa para manter as rédeas quando o drama paciente perde espaço para o mistério de sustos e arrepios.

Infelizmente, tudo vai pelos ares quando o realizador decide concluir sua história com uma longa e explosiva sequência que mais parece ter saído da mente de John Woo, outro mestre oriental, mas dos filmes de ação. Nuvem de Vingança, que foi escolhido pelo Japão para tentar uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2024, toma os caminhos mais óbvios ao encerrar o arco de Yoshii e deixa pouca margem interpretativa, uma vez que o roteiro subitamente abraça a verbalização. Sem subtexto, a catarse é diluída pelo caráter literal da abordagem de Kurosawa, que sequer dirige a ação de modo a torná-la atraente. Claro, em função de manter-se fiel à natureza de seus personagens, é compreensível a decisão pela ausência absoluta de plasticidade, permitindo que o rústico guie os tiroteios e impeça coreografias minimamente elaboradas. Por outro lado, o cineasta recorre a artifícios baratos, como ao adiar o instante decisivo e se entrega a momentos simplesmente artificiais. Quem deveria atirar, não o faz e quem o faz, apresenta justificativas insuficientes para tal. A implausibilidade e os clichês tomam conta daquele que deveria ser o ponto mais forte da narrativa, visto que o clímax foi preparado para entregar a prometida catarse.

O que não desabona os tópicos contemporâneos abordados pelo texto, incluindo temas pouco explorados pelo ocidente e que jogam luz sobre problemáticas que merecem nossa atenção. Na era do imediatismo generalizado, a informação pode não ter fronteiras a serem rompidas, mas a perseguição ao lucro, potencializada pelas facilidades do digital, tornam o capitalismo do espaço digital um assunto cuja tangibilidade universal faz de Cloud: Nuvem de Vingança um estudo, ainda que imperfeito, de um fenômeno cujo território ainda tem muito a ser explorado.


NOTA 5

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