"David Contra os Bancos" narra embate real sem sair da zona de conforto
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"David Contra os Bancos" narra embate real sem sair da zona de conforto


Na Inglaterra, há mais de cem anos os cidadãos dependem das mesmas instituições financeiras para cuidarem de suas libras, conquistadas com muito suor. São bancários que nem sempre sabem exatamente o que fazer, tanto que recessões não são exatamente uma novidade em sua linha de trabalho. A última, vale ressaltar, representou um rombo de quase 500 milhões de libras esterlinas, mergulhando a economia inglesa num período sombrio cujas consequências parecem ter atingido apenas a classe trabalhadora.


Pensando nisso, David Bushwick, um cidadão comum de Burnley, comunidade no norte do Reino Unido com pouco mais de 87 mil habitantes, resolveu tomar uma atitude um tanto quanto ousada. Por que seus conterrâneos devem confiar seu precioso dinheiro a executivos inescrupulosos da capital? Com esse questionamento veio a ideia de criar seu próprio banco, não para aumentar sua já robusta renda mensal, mas para ajudar a quem precisa. A missão, ele estava ciente, não seria nada fácil. Eu disse que há 100 anos um novo banco não era criado? Correção: há 150 anos o Conselho de Regulamentação Financeira não aprovava uma nova instituição.

Por incrível que pareça, essa história realmente aconteceu e é contada em David Contra os Bancos, produção britânica escrita por Piers Ashworth e dirigida por Chris Foggin, realizadores de pouca expressão, mas que se mostram perfeitos para a confecção de um legítimo feel good movie. Para ajudá-los, Bank of Dave (no original), conta com um elenco recheado de atores e atrizes que podem até não pertencer à elite do Cinema, mas que possuem uma combinação arrebatadora: talento, carisma e comprometimento. É o caso, por exemplo, de Rory Kinnear, ator acostumado a papéis como coadjuvante na fase de Daniel Craig como James Bond e que brilhou em obras menores como Peterloo e o recente Men – Faces do Medo.

Kinnear é hábil ao ilustrar a faceta de homem comum de Dave, sujeito querido por toda a comunidade e cujas boas intenções só não impressionam mais do que a determinação em amplificar o apoio que dá aos conterrâneos. Dono de uma bem-sucedida concessionária de vans, David vive uma vida financeiramente estável e não possue ambições pessoais. Está confortável com a rotina dividida entre o pouco movimentado escritório e as animadas noites no bar local, onde confraterniza com os vizinhos cantando no karaokê. Um homem simples que não conseguiu ficar inerte diante da necessidade de seus amigos. Precisando de dinheiro, todos recorreram aos grandes bancos, mas foram sumariamente recusados, cabendo a David estender a mão. Enquanto os bancários negavam ajuda financeira por não possuírem garantias, o empresário local optou pela confiança. “Sabe quantos deixaram de me pagar?”, ele pergunta a Hugh em determinado momento. “Zero”, responde orgulhosamente.

Vivido por um Joel Fry (o Frenchie da série Nossa Bandeira é a Morte) empenhado em diferenciar Hugh dos engravatados gananciosos à sua volta, o advogado também não possui segundas intenções no caso e acaba contagiado pela aura benevolente de David. Enquanto Kinnear tem liberdade para criar uma imagem quase santa, abrindo mão de imperfeições que até poderiam enriquecer o personagem, Fry é limitado ao típico papel do jovem londrino que acaba transformado ao passar um tempo no interior, algo corriqueiro na produção cinematográfica inglesa e que aqui cumpre cada requisito da cartilha desse subgênero, como ao retratar os interioranos como figuras honestas, calorosas e prestativas enquanto os moradores da capital geralmente são frios, sarcásticos e maquiavélicos.

A trama também possui uma parcela considerável de clichês e convenções que, se por um lado ajudam a criar essa atmosfera de familiaridade, mantendo o espectador em sua zona de conforto, por outro impede a narrativa de alçar voos maiores e mais complexos. A presença de Hugh Bonneville (As Aventuras de Paddington, Passei Por Aqui) é um sinal perfeito dessa acomodação do roteirista, aparecendo em um par de cenas apenas para representar o que de pior existe no mundo financeiro. Aliás, não há outro lado além do negativo, segundo o filme. Maniqueísta, David Contra os Bancos se desenvolve como a tradicional batalha do Bem contra o Mal, enquanto traça um óbvio paralelo com o confronto bíblico entre Davi e Golias.

Incorporando uma dispensável subtrama romântica à jornada de Hugh, os melhores momentos da projeção são justamente aqueles em que o roteiro descortina as manobras imorais pelas quais David foi envolvido, que se tornam ainda mais eficientes em função da simpatia do público pela composição de Rory Kinnear. Cabe até uma divertida referência a Questão de Honra, clássico drama de tribunal cujo embate entre Tom Cruise e Jack Nicholson é homenageado aqui.

Trazendo um humor sutil, mas saboroso justamente em função da acidez com que retrata não apenas o mundo corporativo, mas também o jurídico (“somos advogados, Hugh, ficamos do lado de quem nos paga, mesmo se forem culpados”, ouve o protagonista em certo instante), o longa-metragem utiliza seus pouco mais de 100 minutos de duração para guiar o público por uma história de fácil acesso e com uma mensagem edificante, combinação certeira e responsável por fazer a fama da famigerada Sessão da Tarde. O fato de ser uma história real é a cereja que faltava a esse bolo.


NOTA 6

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