Festival Filmelier no Cinema: #4 - O Lugar da Esperança
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival Filmelier no Cinema: #4 - O Lugar da Esperança



Terceiro longa-metragem de Phyllida Lloyd, diretora do musical fenômeno de bilheteria Mamma Mia!, bem como sua adaptação cinematográfica e A Dama de Ferro (que rendeu o terceiro Oscar a Meryl Streep), O Lugar da Esperança tem um início forte ao retratar o trauma sofrido por Sandra (Clare Dunne): A mulher está dançando com as duas filhas pequenas quando é interrompida pela chegada do marido. Já imaginando o que iria acontecer, ela manda a mais nova se esconder e pede para a mais velha levar um bilhete para o dono da mercearia da esquina (“Sandra está em perigo, ligue para a polícia!”). O que se segue, infelizmente, é lugar-comum em muitos lares, com Gary (Ian Lloyd Anderson) agredindo brutalmente sua esposa.


O realismo chocante com que apresenta o prólogo é um ponto fora da curva na carreira de Lloyd, que não hesita em voltar, mesmo que esporadicamente, ao tom lúdico que marcou sua obra de maior sucesso. No restante do tempo, O Lugar da Esperança se revela como uma alegoria social que expõe as mazelas de uma Irlanda vivendo uma profunda crise imobiliária, algo que vem sendo abordado com relativa frequência pelo Cinema, enquanto acomoda a jornada de sua combalida protagonista.

Ao tomar a decisão de deixar o marido abusivo, ela se vê num caminho repleto de obstáculos. Trabalhando em dois empregos a fim de sustentar as duas filhas, levadas assídua e pessoalmente por ela à escola, Sandra ainda tem de lidar com a burocracia para construir sua própria casa. Não que ela tenha recursos para tal, pois vive da pensão paga pelo covarde e do governo, graças a um programa que a permite alternar entre moradias comunitárias. Ao descobrir na internet um jeito de construir sua própria casa sem gastar mais do que trinta e cinco mil euros, ela esbarra em formulários e funcionários públicos que só sabem dizer “desculpe, não posso ajudar”.

É aí que o roteiro escrito pela própria protagonista Clare Dunne em parceria com Malcolm Campbell começa a abusar das conveniências, como ao colocar a benevolente Dra. O’Toole (Harriet Walter, excelente) para facilitar as coisas, após descobrir as necessidades de Sandra, sua faxineira. Ela não hesita em dar à jovem mãe um terreno para que ela possa erguer o seu próprio lar e a justificativa demanda uma certa vista grossa por parte do público (“sua mãe foi mais do que uma faxineira para mim; foi uma amiga que me ajudou a superar tempos difíceis”).

Para construir a sonhada casa, ela passa a depender de praticamente todos os membros do elenco secundário, já que cada pessoa que demonstra simpatia à Sandra é tratada como uma ajudante voluntária em potencial, menos Aido (Conleth Hill), que surge em cena como um cavaleiro branco ao exigir de um balconista impaciente um tratamento digno a Sandra, até então uma desconhecida. Claro que ela o abordará pedindo conselhos para o seu projeto, cuja natureza espanta o homem (“ninguém dá nada de graça nesse país!”, ele diz, desconfiado).

Entre um ou outro interlúdio musical, dirigido por Phyllida Lloyd sob um contraste pouco adequado à natureza da trama, O Lugar da Esperança se desenvolve como se fosse um filme de Ken Loach, colocando-se ao lado da classe trabalhadora contra o sistema, encarado como a representação da falência do Estado. É exatamente nesses momentos que a história decola, com Clare Dunne, em performance segura e multifacetada, tomando para si a tarefa de guiar o espectador por uma jornada em que somente a empatia poderia mudar a vida de Sandra.

Como um bônus, o script ainda reserva algumas sutilezas, como ao mostrar imigrantes se oferecendo para ajudar Sandra. Nos calorosos almoços realizados nos intervalos da construção, os sotaques se misturam numa sinfonia regida pela mais nobre das intenções humanas: ajudar o próximo sem esperar algo em troca. Em tempos onde a imigração está cada vez mais presente nas pautas jornalísticas e dividindo os europeus, O Lugar da Esperança posiciona-se sem hesitar ao lado da esperança, mesmo que resvalando na utopia.

Fechando a história com uma sequência de tribunal que amarra com perfeição o tema central do roteiro ao jogar luz sobre o trauma sofrido por Sandra e sobre como a sociedade tende a relativizar a violência doméstica ao questionar a real vítima da situação, O Lugar da Esperança é cativante ao construir uma protagonista que veste confortavelmente o manto da resiliência num ambiente em que tudo parece conspirar contra si.


NOTA 7


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