Marasmo de "Velozes e Furiosos 10" é atropelado por Jason Momoa
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Marasmo de "Velozes e Furiosos 10" é atropelado por Jason Momoa


Comentar sobre o desgaste da franquia Velozes e Furiosos já se tornou lugar-comum. Trata-se de uma série de filmes que está chegando aos cinemas pela décima vez, afinal. Conforme lembrei em meu texto sobre Velozes e Furiosos 9, a “saga” que um dia já foi de Dom e Brian está fazendo hora-extra e vem sobrevivendo a uma enxurrada de percalços desde o fracassado Desafio em Tóquio, terceira entrada, em 2006. A começar pelo deslumbramento de Vin Diesel, passando por problemas de bilheteria e até uma repaginada que acabou seriamente impactada pela morte de Paul Walker, poucos imaginavam que aquele bando de pilotos marrentos chegaria tão longe. Foi quando Vin Diesel e Universal resolveram trabalhar juntos para resgatarem a marca. O astro em decadência e o estúdio ávido por uma franquia.

A verdade é que em seus mais de vinte anos de trajetória, quando deixou de ser o parque de diversões de entusiastas de carros possantes e corridas de rua para se aventurar pela seara dos blockbusters modernos, Velozes e Furiosos poucas vezes presenteou o público com obras dignas de nota, pois custou a entender que a melhor forma de lidar com os absurdos cada vez maiores de suas histórias era não se levando a sério, algo que James Wan (Invocação do Mal, Aquaman) ensinou ao comandar o sétimo filme, também conhecido como o primeiro da franquia a quebrar a marca de 1 bilhão de dólares em bilheteria. Justin Lin, que dirigiu quatro filmes começando pelo supracitado Desafio em Tóquio pode ter sido o responsável pelo melhor dessa safra repaginada, Velozes e Furiosos 5: Operação Rio, mas sucumbiu à falta de criatividade de Chris Morgan, roteirista principal, mas que passava longe do primeiro escalão da Indústria. A queda de arrecadação acabou fazendo a Universal trazer Lin de volta para o nono capítulo, sua saideira (como diretor, visto que está retornando como roteirista), que dentro da realidade pandêmica fez números até razoáveis de bilheteria, mas levantou uma questão cuja resposta todos já sabemos há bastante tempo: Velozes e Furiosos ainda tem espaço na Indústria? Já a mais nova aventura de Dom e sua família entra em cartaz essa semana escancarando o fato de que a franquia não tem muito mais o que oferecer ao público.

Pelo menos há uma certa coerência em sua estratégia narrativa ao manter a tradição estabelecida pelos filmes anteriores de encarar a “saga” como uma grande e caríssima novela mexicana. Assim como já aconteceu em capítulos anteriores, Dom confrontará o parente de algum vilão morto num dos filmes anteriores. Nesse caso, trata-se de Dante (Jason Momoa), filho do Hernan Reyes vivido pelo português Joaquim de Almeida em Operação Rio e que permite a nova história ter início com um breve flashback para refrescar a memória do espectador relembrando alguns dos melhores momentos do filme de 2011. O humor involuntário não demora a dar as caras, como na cena em que vários policiais cariocas conversam em inglês no interior de uma delegacia. A partir daí, a história se estrutura através das ações de Dante, que de tempos em tempos surge implacavelmente para oferecer um desafio às pessoas próximas de Dom.

O primeiro problema a saltar aos olhos é o excesso de personagens, algo que se tornou recorrente dentro de uma franquia já famosa por ressuscitar mocinhos e incorporar vilões à “família”. A ideia de dividir o elenco em núcleos pode ajudar os roteiristas a atribuírem propósitos aos numerosos coadjuvantes, mas dificulta a tarefa da montagem de manter a fluidez de um fiapo de trama que acaba esticado para abarcar a presença obrigatória de figuras descartáveis como Han (Sung Kang) e Mia (Jordana Brewster), por exemplo, que parecem estar em cena apenas para agradarem aos fãs mais antigos. Isso para não mencionar as participações especiais de Helen Mirren e Scott Eastwood, relegados a figurantes de luxo com parcos minutos de tela. E se você está animado para ver Brie Larson (Capitã Marvel) debutando na franquia, devo alertá-lo para controlar suas expectativas, pois a Agente Tess está claramente sendo preservada para os próximos filmes.

Pois o novo Velozes e Furiosos não está muito interessado em seus personagens, já que a maior obsessão dos roteiristas segue sendo o quinto filme, cuja influência faz a história soar quase como uma refilmagem. O que explica, por exemplo, termos Alan Ritchson (da série Reacher) como o agente encarregado de perseguir Dom, cumprindo o papel que foi de Dwayne ‘The Rock’ Johnson em Operação Rio e cuja presença era dada como certa pelos roteiristas Dan Mazeau (Fúria de Titãs 2) e o veterano Justin Lin, que acabaram modificando o personagem, mas mantendo sua função narrativa para driblar os problemas de bastidores. Esses agentes, aliás, geram um efeito colateral que jamais é explicado pelo roteiro, que insiste em mostrá-los reportando-se a um conselho virtual cujos membros são um verdadeiro mistério. E que conselho é esse, afinal?

Outro efeito colateral encarado pelo roteiro é aquele gerado pela tradição da série em converter antagonistas em mocinhos. Se o Deckard Shaw de Jason Statham ao menos ganhou um filme para desenvolver sua nova personalidade junto ao público (o divertido Hobbs & Shaw), o Jakob de John Cena não teve a mesma sorte. Vilão do filme anterior, o irmão maligno de Dom se mostrou um assassino frio e impiedoso, mas agora devemos encará-lo como um tio amoroso e dedicado ao sobrinho que tanto tentou deixar órfão. Essa mudança brusca, diga-se de passagem, também é ignorada pelos demais personagens, que confiam cegamente em Jakob mesmo sem motivos para tal.

No entanto, essa desfaçatez se apequena perante diálogos que mastigam tudo o que acontece na tela e podem até se justificar como produtos da era do déficit de atenção, mas não dá para perdoar uma franquia que mesmo depois de vinte e dois anos continua enxergando seus fãs como pessoas com problemas cognitivos. Após pérolas como a hilária passagem de Velozes e Furiosos 6 em que Hobbs, após ter Toretto na mira, o deixa ir embora sob a justificativa de poder voltar a perseguí-lo pois está “dois passos a sua frente” ou o momento, do mesmo filme, no qual um tanque é utilizado como impulso para Letty e Dom se encontrarem no ar e cuja queda é “amortecida” por um carro, os roteiristas se dão o trabalho de colocar Tej (Chris ‘Ludacris’ Bridges) tendo de explicar o que é uma bomba e o que ela faz. Pior do que isso só o instante em que alguém grita “é uma armadilha!” com vários minutos de atraso.

Falando em pérolas, como parte de uma série já abarrotada delas, é claro que Velozes e Furiosos 10 não fica de fora, mesmo que nada supere a famigerada sequência do carro voando rumo ao espaço em Velozes e Furiosos 9. Desta vez, entre um ou outro set-piece mais exagerado, como o veículo que destrói dois helicópteros ou a curiosa corrida numa barragem, o destaque fica por conta de uma improvável homenagem aos jogadores do game Rocket League, numa sequência tão estapafúrdia que fica difícil conter o riso. Imagine Dom Toretto tentando desviar a trajetória de uma bola de metal gigante a bordo de um carro turbinado sem sofrer um arranhão sequer (e o desfecho é impagável).

Isso tudo, evidentemente, é consequência da falta de ideias de uma produção que parece não ter mais o que inventar, revelando-se uma tremenda dor de cabeça para o cineasta francês Louis Leterrier: especialista em filmes de ação, tendo assinado sucessos como Truque de Mestre, Fúria de Titãs, O Incrível Hulk e os dois primeiros Carga Explosiva, Leterrier investe numa direção discreta, evitando chamar a atenção para si. O resultado é uma condução à moda antiga, remetendo a uma época em que a câmera lenta ainda não era um recurso antiquado como hoje em dia e os fãs dos primeiros filmes ficarão felizes com o retorno daquelas tomadas estilosas nas quais a câmera acompanha a trajetória do “nitro” desde o seu acionamento até a boa e velha chama que sai pelo escapamento.

Em meio ao bloqueio criativo que assola a série, o único ponto fora da curva reside no vilão, que traz o frescor narrativo que a “saga” tanto precisava. Conhecido pelo físico imponente e o visual desgrenhado, Jason Momoa é disparado o melhor inimigo a ter enfrentado Toretto e sua turma. Acostumado a interpretar brucutus e inserido no habitat natural destes, Momoa brinca com a expectativa do público ao subverter o modelo vilanesco tradicional da série, optando por uma composição afetadíssima. Surgindo em cena com as unhas pintadas e trajando figurinos extravagantes, o ator aparenta estar se divertindo a valer enquanto solta gritinhos e chama os mocinhos de “grosseirões” (e espere até vê-lo de “Maria Chiquinha”).

Infelizmente, o eterno Aquaman é o único a não se levar a sério, por mais que John Cena, tremendamente descaracterizado, brilhe ao trazer leveza aos momentos que divide com um novato da franquia. Vin Diesel em contrapartida, oferece mais uma de suas performances marcadas pela artificialidade. A solenidade excessiva, a alternância entre a “cara de assustado” e o “olhar marrento” e o indefectível jeito de andar com os punhos cerrados permanecem intactos enquanto Toretto é facilmente engolido por Jason Momoa e sua energia maníaca em cena.

Sem escapar dos problemas geográficos tão comuns em produções hollywoodianas que se aventuram pelo Rio de Janeiro, Velozes e Furiosos 10 ainda escorrega nas gírias (um bandido carioca surge falando “quebrada” em determinado momento) e falha feio ao apostar em diálogos sabotados por sotaques carregadíssimos (repare nas cenas com a Isabela interpretada pela portuguesa Daniela Melchior), mas aparentemente isso tudo deveria ser desculpado graças à presença relâmpago e ilustre da funkeira Ludmilla.

Trazendo apenas alguns lampejos pontuais do humor autodepreciativo presente em Velozes e Furiosos 7 (alguém chega a chamar a família de Dom de “uma seita de carros”), mas sem a assertividade de James Wan e sua equipe, Velozes e Furiosos 10 é mais uma tentativa desesperada da Universal de manter a relevância de sua maior franquia, sofrendo por tabela com a ausência cada vez mais notória dos exageros criativos que lhe fizeram famosa. Não fosse pela participação inebriante de Jason Momoa, este décimo filme poderia facilmente ser confundido com qualquer outra entrada anterior e menos inspirada da série.



Obs: Recentemente Vin Diesel declarou que Velozes e Furiosos 10 é o primeiro de três filmes planejados para encerrarem a história principal. Portanto, espere por um enorme gancho para a continuação e aguarde a já tradicional sequência pós-créditos.


NOTA 4,5

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