"No Portal da Eternidade" usa poesia para entrar na mente de Van Gogh
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"No Portal da Eternidade" usa poesia para entrar na mente de Van Gogh

Atualizado: 29 de jul. de 2022

O fato de ter seu talento questionado durante toda sua vida, prova que Vincent Van Gogh foi um artista a frente de seu tempo. Até mesmo grandes nomes como o amigo e também pintor Paul Gauguin criticavam seu estilo, alegando que o excesso de tinta transformava suas pinturas em quase esculturas, tamanho o relevo do traço. Também, pudera, Van Gogh usava a pintura não como uma forma de comunicação ou pela simples vontade de expressar sua arte. Pintar lhe oferecia uma válvula de escape, como se durante uma pincelada e outra, ele finalmente encontrasse paz. A esquizofrenia era outro fator agravante, dificultando sua já conturbada vida.


Justificando o título através de uma poética frase do pintor “quando observo uma planície, a enxergo como se fosse um vislumbre da eternidade”, a produção automaticamente decifra o significado das telas (ou portais) aos olhos de Van Gogh, que inicia a história viajando ao sul da França, local que o conecta de vez com sua maior musa: a natureza.


No filme de Julian Schnabel (O Escafandro e a Borboleta), a história de Van Gogh é um mero artifício para revelar o homem por trás do gênio. Adotando uma estética crua, a câmera de Schnabel acompanha o protagonista com liberdade total, ao ponto de Schnabel e o diretor de fotografia Benoît Delhomme dispensarem qualquer amarra técnica. Com isso, as lentes passeiam pelos campos seguindo Van Gogh através de uma imagem trêmula, em virtude da câmera na mão (investindo, inclusive em planos subjetivos). Aqui, assim como o caráter pessoal, quanto mais natural, melhor.


A estética naturalista favorece não apenas o cenário da narrativa como a relação de Van Gogh com a natureza, que se transforma na maior musa do artista. Enquanto nos aprofundamos na mente dele, Van Gogh se torna apenas Vincent, e os momentos em que podemos vê-lo pintando são captados com extremo cuidado por Schnabel. Para ilustrar o estado de espírito de Vincent, escutamos somente o som do vento e das plantas, enquanto mais uma obra revolucionária é ferozmente construída. “Ferozmente”, pois Vincent faz questão de ser rápido, alegando que esta é a única forma que encontrou para conceber seus quadros. “A energia é fundamental”, argumenta, mesmo sob críticas.


E a performance de Willem Dafoe como o ícone é nada menos do que sublime. Dafoe encontra o ponto certo ao converter Vincent numa figura frágil e inocente, abraçando a pintura de corpo e alma, numa comunhão perfeita com a natureza. A dicção calma e controlada só dá lugar a uma à agressividade quando Vincent assume uma postura defensiva, expressada na cena onde o pintor é sufocado por um grupo de crianças ávidas por conhecer seu trabalho.


Essas passagens, vale ressaltar, são as que melhor definem sua personalidade problemática, pois mesmo que vários incidentes aconteçam, jamais os vemos materializarem-se na tela e só tomamos conhecimento através do próprio Vincent, durante conversas íntimas com seu irmão Theo (Rupert Friend). Num desses episódios, o holandês chega a se atracar com duas crianças que insistiam em provocá-lo com pedras, resultando em sua internação numa instituição psiquiátrica.


Mas como há males que trazem o bem, no período em que esteve internado pintou 75 telas em 80 dias. O mais triste disso tudo é que, enquanto vivo, jamais vendeu um quadro sequer, alcançando prestígio mundial somente depois de morto, quando finalmente obteve o devido reconhecimento.


O elenco de apoio, recheado de nomes famosos em participações curtas, porém marcantes, destaca-se apenas pela interpretação de ícones como é o caso de Oscar Isaac, que ao viver Gauguin, serve como um mero gatilho para a forte interpretação de Willem Dafoe, visto que a relação de Gauguin com Van Gogh é retratada com bastante drama, principalmente pela carência do pintor holandês.


A maior prova do triunfo de No Portal da Eternidade é que, ao final da projeção, temos a plena sensação de ter passado os últimos 110 minutos dentro da mente perturbada e complexa de Vincent Van Gogh, num retrato íntimo e poético de um dos artistas mais fascinantes de todos os tempos.


NOTA 7,5

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