'O Astronauta' traz Adam Sandler em terapia monocórdica com um alienígena
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

'O Astronauta' traz Adam Sandler em terapia monocórdica com um alienígena


Adam Sandler pode ser um comediante de origem e o sucesso que alcançou com produções como Golpe Baixo, Click e Como Se Fosse a Primeira Vez fortaleceram sua imagem junto ao público, embora esta tenha sido severamente arranhada após estrelar diversas bombas como Cada Um Tem a Gêmea Que Merece, Este é o Meu Garoto e Os 6 Ridículos, este último sendo o primeiro fruto de uma parceria com a Netflix que tinha tudo para sepultar de vez sua reputação, não fosse por um tal de Joias Brutas (adquirido posteriormente pela plataforma de streaming). Obras como Embriagado de Amor e Reine Sobre Mim já haviam dado pistas sobre o alcance dramático de Sandler, mas foi o filme dos irmãos Safdie que mostrou de fato seu potencial.

Portanto, vê-lo interpretar um astronauta neste novo Original Netflix não chega a ser tão estranho quanto a nacionalidade de seu personagem. Afinal de contas, O Astronauta é uma produção tcheca baseada no romance de Jaroslav Kalfar, também nascido no país europeu. Na trama, Adam Sandler interpreta Jakub, que há mais de 180 dias vive no espaço estudando uma misteriosa e gigantesca nuvem de cor rosada que apareceu subitamente na órbita terrestre. Sentindo-se solitário, ele vê seu estado psicológico se deteriorar à medida que a esposa Lenka (Carey Mulligan, de Maestro) deixa de atender suas ligações, uma atitude que coincide com a entrada em cena de uma intrigante criatura espacial, que passa a fazer companhia ao astronauta.

Tal ser, dublado por Paul Dano (Os Fabelmans) com uma cadência e um tom de voz semelhantes ao do HAL 9000 de 2001 - Uma Odisseia no Espaço, é batizado pelo protagonista como Hanus, mas pode ser encarado pelo espectador como um mero terapeuta, já que passará o restante da narrativa vasculhando e analisando as memórias do sujeito. Com isso, O Astronauta deixa de lado a missão de Jakub para se concentrar em seu drama pessoal, ou, mais especificamente, para examinar as razões que o levaram a aceitar uma missão tão longa e solitária.

Como se o visual desgrenhado e depressivo de Adam Sandler já não tivesse deixado claro, o roteiro escrito pelo inexperiente Colby Day, desperdiça boa parte da projeção martelando na cabeça do espectador o mote da narrativa, isto é, lembrando e relembrando que Jakub está se sentindo sozinho. A própria atmosfera melancólica e morosa (inicialmente aprazível), aos poucos converte o filme numa experiência monótona e desgastante, a partir do ponto em que descobrimos que isso é tudo o que a produção tem a oferecer em termos de tom, algo compartilhado por praticamente todos os personagens secundários (exceto Hanus), que se revelam criaturas unidimensionais e passivas.

É curioso, por outro lado, como o filme evita ao máximo mostrar totalmente o físico de Sandler, que claramente não condiz com a profissão de seu personagem, mas o ator em si não chega a comprometer, mesmo que sua performance se revele tão óbvia quanto a história que protagoniza, cabendo a Hanus a alcunha de personagem mais instigante da obra graças não apenas ao já mencionado trabalho vocal de Paul Dano, mas também ao visual obscurecido e à aura triste da criatura (algo também captado com maestria por Dano). Outro objeto de curiosidade é o fato de os membros do elenco manterem seus sotaques naturais mesmo encarnando tchecos (com Mulligan destoando sem maiores explicações).

Enquanto a grande Isabella Rossellini é desperdiçada num papel que deveria provocar discussões a respeito de suas atitudes, como censurar as mensagens recebidas por Jakub, ao menos protagoniza grande parte dos momentos em que o roteiro joga o Capitalismo na equação (com o protagonista sendo obrigado a falar o slogan de um patrocinador antes de iniciar um procedimento e os comerciais que estrela, promovendo e usando os produtos que recebeu de investidores). O ponto alto da narrativa, no entanto, é o breve monólogo que a Lenka de Carey Mulligan faz a respeito de sua relação com o Amor (“quando se ama alguém, é preciso amputar um pedaço de si e substituir pelo pedaço do outro. Eu amputei tanto de mim, que já não sei mais quem sou”).

Outro acerto é o design de produção assinado por Jan Houllevigue (do ótimo Sexy Beast), que ao investir em cenários apertados e vazios, faz com que o espectador experimente a mesma angústia de Jakub, ao mesmo tempo que chama a atenção por adotar instrumentos analógicos, contrastando com os aparelhos digitais e modernos que costumam aparecer nesse tipo de produção que, em última análise, almeja ser uma versão simplificada de Interestelar, mas só consegue ser simplória mesmo.


NOTA 5,5


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