Steven Spielberg comprova sua genialidade em "Os Fabelmans"
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Steven Spielberg comprova sua genialidade em "Os Fabelmans"


É uma noite comum para o casal Burt e Mitzi, mas não para Sam, o filho deles, pois será a primeira vez este que irá ao cinema. Mas como explicar a uma criança de seis anos o que é Cinema? Enquanto Burt se concentra no lado técnico, Mitzi prefere focar na emoção. “Filmes são sonhos que você não esquece”, ela define. Mais confuso do que descrente, Sam segura as mãos dos pais e entra na sessão de O Maior Espetáculo da Terra, dirigido pelo emblemático Cecil B. DeMille. O que se segue é uma reação que todo amante da Sétima Arte já teve e lembrará pelo resto da vida, pois não há sensação como a que temos após assistir a um grande filme. O curioso é que Sam é, na verdade, Steven Spielberg, justamente um daqueles mestres do Cinema especialistas em arrebatar jovens exatamente como o protagonista deste Os Fabelmans, sua autobiografia.

Com quase cinquenta anos de carreira, Spielberg redefiniu a indústria cinematográfica ao fazer de Tubarão (1975) o modelo do que se convencionou chamar de blockbuster, instaurando a chamada “Nova Hollywood” ao lado do amigo George Lucas e seu Star Wars, influenciando gerações de cineastas ao redor do mundo até hoje (a série Stranger Things é prova inconteste). Diretor de alguns dos maiores clássicos do Cinema e produtor de tantos outros sucessos, é emocionante ver o jovem Spielberg sendo impactado por um filme de DeMille assim como tantos outros foram impactados por E.T., Contatos Imediatos do Terceiro Grau ou Indiana Jones, por exemplo. Relembrando o escrevi no meu texto sobre Jogador N°1, Steven Spielberg é um dos grandes responsáveis pelo amor que tenho pelo Cinema, contribuindo imensamente para minha formação como estudante da Sétima Arte. Numa analogia mais apropriada à época em que vivemos, para mim, Spielberg é como um super-herói e Os Fabelmans, portanto, sua história de origem.

Dito isso, o roteiro escrito por Tony Kushner (parceiro do diretor em Munique, Lincoln e na excepcional refilmagem de Amor, Sublime Amor) e também pelo próprio Spielberg em seu primeiro crédito como roteirista desde A.I. - Inteligência Artificial, acompanha Sam Fabelman (Gabriel LaBelle, de O Predador) em diferentes fases da vida, começando pela infância quando, em seus esforços para recriar uma sequência específica de O Maior Espetáculo da Terra, é presenteado por sua mãe com uma câmera Super 8, com a qual dá vazão aos seus primeiros impulsos criativos. Saltamos então para sua adolescência, período em que faz a transição de vídeos familiares para curtas-metragens mais complexos, escrevendo e dirigindo filmes de ação e faroeste (gênero curiosamente jamais visitado pelo cineasta). Enquanto o menino vai aos poucos se transformando em homem, mudando física e psicologicamente, o que permanece imutável é a influência gerada por seus pais.

Nesse ponto, o script de Kushner e Spielberg merece elogios pela concepção de Burt e Mitzi como figuras essenciais para a compreensão de Sam acerca do mundo: Espécie de Yin Yang, o casal é como uma representação física da eterna contradição entre razão e emoção. Ele, um gênio da computação de modos rígidos e falas formais, ainda que sempre acompanhado de uma expressão afável; ela, uma pianista virtuosa e impulsiva como um autêntico espírito livre. Opostos em quase todos os aspectos, constatação que pode ser feita facilmente através da inspirada sequência em que Mitzi (Michelle Williams, numa performance digna de prêmios), em um ato de pura impetuosidade, leva os filhos pequenos para perseguir um tornado sob os protestos enfáticos do sempre sensato Burt.

Mas nem tudo são flores nesse casamento pois, apesar de haver um respeito mútuo, que impede explosões de fúria (mesmo nos piores desentendimentos), há um abismo afetivo separando o casal. O despojamento que falta a Burt (vivido impecavelmente por Paul Dano), por outro lado, sobra em Bennie (Seth Rogen, em sua melhor atuação), o cativante amigo da família. Adorado por todos à sua volta, especialmente pelas crianças, que o tratam como tio, o melhor amigo de Burt Fabelman não demonstra a menor intenção de desestabilizar aquele lar e sua honestidade jamais é posta em dúvida. Mas é ele quem acaba se tornando o pivô de uma situação que marca Sam para sempre, numa passagem que ilustra, com perfeição, a forma como o Cinema está diretamente ligado à sua vida.

Interpretado com extrema competência e desenvoltura por Gabriel LaBelle (e não deve ser fácil dar vida a Steven Spielberg, ainda mais sob sua direção), que o compõe com um misto de inocência, timidez e vulnerabilidade, Sam Fabelman é um adolescente resignado que enxerga o Cinema não apenas como uma válvula de escape diante das dificuldades da vida, mas também como uma ferramenta para interpretá-la. É comovente, por exemplo, vê-lo num momento de instabilidade tentando se acalmar ao repousar a cabeça sobre a câmera que tanto ama, como se o barulho emitido pelo funcionamento da máquina lhe acalmasse. Além disso, é através dela que Sam descobre um segredo que mudará completamente sua percepção sobre o relacionamento dos pais. E é desse jeito, escrevendo, dirigindo e montando (manualmente!) seus filmes que ele acaba se encontrando como indivíduo.

Exibindo a elegância habitual ao movimentar a câmera e a precisão sempre cirúrgica nos enquadramentos (a última cena é um dos grandes momentos de 2022), Steven Spielberg conduz a narrativa com o mesmo equilíbrio entre drama e humor que caracteriza sua carreira, permitindo uma leveza tão agradável que os quase 150 minutos de projeção praticamente não são sentidos, ainda que aqui e ali esqueça de desenvolver alguns elementos que propõe (o teste para salva-vidas, a discussão entre Família e Arte) ou de responder a perguntas que surgem, especialmente aquelas referentes aos bastidores das sessões de seus filmes (quem banca? Como conseguiu?).

Incluindo referências sutis não só à sua filmografia, mas também ao Cinema norte-americano e a momentos importantes da História da Sétima Arte, Os Fabelmans ainda se dá ao luxo de presentear o espectador com uma participação especial hilária e que se encerra com um toque absolutamente genial de Spielberg, mostrando porque é um dos maiores diretores de todos os tempos.


NOTA 9


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