top of page

'O Esquema Fenício' comprova esgotamento de Wes Anderson

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 2 dias
  • 4 min de leitura

Quando escrevi sobre Asteroid City (2023), demonstrei preocupação com o futuro de Wes Anderson como cineasta, pois se tratava de um filme que evidenciava o desgaste proveniente de seu estilo. Infelizmente, minha torcida para sua volta por cima foi em vão, já que, dois anos depois, o texano volta aos cinemas com uma obra ainda mais dependente de sua estética e menos preocupada com a narrativa.

 

Se A Crônica Francesa (2021) abafava os primeiros sinais de esgotamento do Cinema Andersoniano com críticas políticas e comentários sobre a Arte numa história pulsante, Asteroid City (2023) ao menos trazia um ou outro momento inspirado (especialmente envolvendo um carismático alienígena), já neste O Esquema Fenício pouco sobra para nossa apreciação a despeito do visual tradicionalmente marcante do diretor, mas que há tempos deixou de ser arrojado. O contrato com a Universal, pode até ser benéfico em termos financeiros, mas chancela a permanência de Anderson em sua zona de conforto. E não há nada mais nocivo para um artista do que o mal da acomodação.

Ambientado nos Bálcãs durante a década de 50, o roteiro escrito pelo próprio diretor acompanha as peripécias de Zsa Zsa Korda (Benicio Del Toro), um magnata cuja fortuna foi construída através de negócios escusos. Frequentemente sobrevivendo a tentativas de assassinato, ele finalmente cansa de fugir, elaborando um plano (o tal Esquema Fenício) para sair de cena enquanto deixa um legado para Liesl (Mia Threalpleton), filha com quem nutre um conturbado relacionamento. Suas ações, porém, acabam atraindo a atenção das autoridades, que o acompanham de perto em cada etapa de seu planejamento.

Vendido como uma sátira aos filmes de espionagem, é curiosa a decisão da Universal de lançar a produção uma semana após a estreia de Missão: Impossível - O Acerto Final. Apesar de opostos em termos visuais, ambos os longas aparentam acreditar na complexidade como um elemento essencial desse tipo de Cinema e, ironicamente, os dois sucumbem aos efeitos colaterais de uma trama desnecessariamente complicada. Enquanto o longa estrelado por Tom Cruise batalha para encontrar diferentes formas de manter a trama compreensível sem soar expositivo demais (se é bem-sucedido ou não, é outra conversa), Wes Anderson procura cortar o mal pela raiz, tirando esse problema da frente logo no primeiro ato ao trazer o protagonista explicando didaticamente seu plano através de um pano contendo diversos objetos. Um deles, aliás, exibe uma etiqueta com a palavra “lacuna”, provocando o questionamento de outro personagem. “Isso aí eu explico depois”, responde Korda. Com isso, Anderson mostra ao espectador todos os passos a serem dados pelos personagens, mas ao mesmo tempo que facilita nossa compreensão, sacrifica eventuais surpresas, principalmente ao revelar a presença de uma reviravolta na trama.

O diretor despreza a história, pois confia no próprio apelo como autor. É como se sugerisse ao espectador manter suas atenções voltadas não para a narrativa, e sim para as suas marcas registradas, consagradas por mais de 30 anos de carreira. Pouco importa se Korda conseguirá ou não atingir seus objetivos, supostamente, o legal de O Esquema Fenício é ver astros do calibre de Tom Hanks e Scarlett Johansson interagindo por meio de papéis que não estão acostumados a desempenhar. O que justifica figurinhas carimbadas da filmografia de Anderson surgirem por poucos segundos em pontas que jamais se justificam narrativamente. Aliás, o fato de Zsa Zsa Korda precisar encontrar TRÊS potenciais investidores só fortalece a tese de que o cineasta escreve seus roteiros visando encaixar colaboradores habituais, abrindo espaços que não deveriam existir e contribuindo para um problema recorrente em seus filmes: o excesso de personagens.

Tudo isso seria facilmente perdoado caso O Esquema Fenício trouxesse algo além do que se espera de um projeto do mesmo realizador do magnífico O Grande Hotel Budapeste (2014), mas a verdade é que fracassa tanto como filme de espionagem, quanto como comédia. As brincadeiras com o filão encabeçado por figuras como James Bond, Ethan Hunt e Jason Bourne, são tão bobas quanto as tentativas de provocar gargalhadas. Preguiçoso, Anderson investe no mesmo tipo de humor presente em praticamente todos os seus lançamentos anteriores tornando os bocejos inevitáveis principalmente para quem acompanha sua carreira. É o que acontece quando o realizador repete uma piada recorrente pela terceira vez ou usa a movimentação da câmera para fazer uma revelação bem-humorada.

Se até Bill Murray, parceiro mais do que frequente de Anderson, surge desinteressado em cena, é porque a tarefa do elenco principal será, no mínimo, hercúlea. Benicio Del Toro, mesmo em seu segundo filme com o cineasta, parece ainda não ter se adaptado ao seu estilo, ao contrário de Willem Dafoe e F. Murray Abraham, já devidamente andersonizados. Mia Threalpleton, a novidade da vez, esforça-se para emular a deadpan comedy, mas é sua dinâmica com Michael Cera que rende os momentos mais divertidos da projeção. Cera, diga-se de passagem, é indiscutivelmente o destaque do elenco, arrancando algumas boas risadas com seu personagem “conservador moderado politicamente”, lembrando sua atuação no subestimado Rebelde Com Causa (2009), a melhor de sua carreira.

Enquanto as assinaturas narrativas e visuais de Wes Anderson apresentam desgaste, seu costumeiro esmero técnico torna O Esquema Fenício mais uma obra tecnicamente impecável a ser adicionada ao seu currículo. E não me refiro ao esquema de cores pasteis da fotografia do seis vezes indicado ao Oscar Bruno Delbonell, mas sim ao design de produção de Adam Stockhausen (premiado pelo supracitado O Grande Hotel Budapeste), que faz das limitações orçamentárias o combustível para seus maiores charmes, dando um aspecto de filme B a sequências importantes, especificamente envolvendo aviões. Isso para não mencionar os figurinos da veterana Milena Canonero, dona de quatro prêmios da Academia. Figura emblemática na história do Cinema com trabalhos que estimularam a evolução de sua categoria, a italiana se adapta com perfeição ao universo concebido por Anderson.

Exatamente por isso O Esquema Fenício se revela tão frustrante, ao mostrar um autor talentoso e de visão única sucumbindo ao esgotamento de seu próprio modelo criativo. Pois o novo longa-metragem de Wes Anderson é belíssimo por fora, mas vazio por dentro, exibindo uma narrativa superficial em todos os seus aspectos narrativos e se apresentando tristemente como o mais esquecível de sua extensa e rica filmografia.


NOTA 4,5

bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0